Todo o mundo é um palco, e todos os homens e mulheres apenas jogadores
Sinopse
Data estelar: 61296.9
Na Dauntless, a Vice-Almirante Janeway tenta interrogar o Adivinho, sem muito sucesso. Ele apenas balbucia algumas palavras como “Protostar” e “Eles roubaram a minha filha”. O doutor, preocupado com seu paciente, pede que o deixem descansar. Asencia chega com a informação de que eles localizaram uma cápsula de fuga vazia proveniente da estação de comunicação destruída. Aparentemente o ocupante, tenente Frex, foi resgatado por uma nave desconhecida. Com essas informações, Janeway considera que não estão mais em uma missão de resgate, e sim em uma caçada aos tripulantes que roubaram a Protostar e devem ser os responsáveis pelo desaparecimento de Chakotay.
A tripulação da Protostar resolve atender a um pedido de socorro e acabam num planeta pré-dobra, onde encontram uma raça que se autodenomina enderpriziana. Eles são recebidos por James’T e Sool’U. Na colônia, eles são apresentados à história do planeta através de uma peça teatral. Descobrem que tempos atrás o alferes David Garrovick, chamado de En Son por eles, caiu no planeta e avisou os nativos sobre um perigo na floresta. Ele prometeu que a Frota um dia iria retornar e iria livrá-los da maldição. Desde então os enderprizianos vivem como se fizessem parte da Frota Estelar, passando de geração para geração todas as informações que aprenderam com En Son.
Dal e seus amigos não parecem acreditar muito na história da maldição, quando uma garota chega da floresta toda cambaleante. Ela rapidamente se mostra doente devido aos efeitos do “gallows”, assim como Dal, porque, ao ajudá-la, ele acaba tocando em algo responsável pela doença. Zero pode sintetizar uma cura, mas para isso ele precisa saber o que exatamente os infectou. Rok deixa Murf aos cuidados de Janeway e desce ao planeta para ajudar Gwyn e Jakom a procurarem a tal maldição e a causa da doença.
Em uma caverna eles acabam descobrindo a nave auxiliar, Galileo (“Gallows”), que vem vazando plasma por mais de 100 anos. A reação do plasma com o dilitium presente na caverna resulta em uma combinação extremamente tóxica. Para enviar a mensagem ao Zero, Jankom entra na Galileo, pois a interferência subespacial é muito grande para o uso dos comunicadores, mas ele tem a ideia de usar o comunicador da nave, que, por ser mais antiga, é equipada com relés de transmissão não afetados pela interferência.
Finalmente eles conseguem se comunicar com Zero e ele consegue sintetizar a cura. Mas a situação da caverna se agrava, com explosões cada vez que o plasma entra em contato com o dilitium. Rok e Gwyn acabam entrando na Galileo para se proteger, mas a nave está por um fio para cair no penhasco. Eles pedem ajuda para Janeway, mas a interferência não permite que ela os teletransporte, a não ser que a Protostar esteja muito perto. Dal, Zero e alguns enderprizianos se teletransportam para a Protostar e voam até a caverna, salvando Rok, Gwyn e Jankom.
Retornando à colônia, os enderprizianos que participaram do resgate são recebidos com muita festa. Em sua despedida do planeta, Dal, avaliando tudo o que aprendeu com os enderprizianos e a vontade deles de fazer parte do sonho da Frota Estelar mesmo com tão pouca informação, percebe que se eles realmente querem chegar até a Frota, mesmo sem poder utilizar a Protostar, eles encontrarão um jeito.
Rok, que de início tinha ficado na Protostar para cuidar de Murf, aparentemente doente, se espanta ao retornar e achá-lo no que parece ser um casulo.
Comentários
Qualquer episódio de uma série de TV precisa respeitar certos processos e regras de escrita e construção que são comuns ao meio. Uma equipe de criadores, em suas mais diversas áreas, conhece essas regras e caminha na corda bamba para entregar algo que, ao mesmo tempo, siga esses preceitos e faça sentido ao espectador que senta em frente a sua TV meramente querendo se divertir.
Mas em alguns raros momentos, métrica e rima não bastam para explicar o poder que algumas realizações conseguem alcançar e a forma como tocam nossos corações, e “All the World’s a Stage” é candidato a um desses momentos. Voltando à tradição shakespeariana tão comum a Star Trek, esse segmento funciona em tantos níveis que a decisão de por onde começar a falar dele por si só se torna um dilema. Mas comecemos pela parta entediante.
Ao atender a um chamado de socorro desconhecido, a tripulação de Prodigy não só retoma o caminho das boas ações que haviam traçado como também, ao menos temporariamente, suspende o jogo de gato e rato que, embora inerente a sua situação, pode acabar cansando o espectador, uma vez que não há como evitar a previsibilidade de tal proposta. Ao mesmo tempo, flertamos com o espírito do conceito original da Série Clássica, que sempre nos oferecia o mistério da semana e, talvez por isso, não por acaso a sequencia de acontecimentos que se desencadeiam em função dessa decisão traga elementos tão familiares e nostálgicos ao fã mais antigo da franquia.
A descoberta dos “enderprizianos” pela tripulação da Protostar a princípio parece soar de forma estranha. Primeiro porque encontrar uma cultura tão fortemente baseada nos personagens da Serie Clássica num ponto tão remoto é algo absolutamente insólito. E, segundo, porque a caracterização a princípio parece ter um tom caricatural e dificulta que criemos uma certa empatia pelos personagens. Sim, eles parecem “bobos”. Os “enderprizianos” parecem um bando de adultos que não amadureceram e seguem um modelo que admiram sem saber muito os motivos disso.
Mas, à medida que os eventos vão se desenvolvendo, passamos a ajustar essa percepção, e onde se via imaturidade passamos a perceber uma genuína inocência, uma ingenuidade comovente e uma forte crença e fé nos valores que eles aprenderam de “En Son”, que deu sua vida para proteger aquelas pessoas, e acabou por inspirar um modo de vida baseado nos valores que aprendemos em Star Trek ao longo de todos esses anos de existência da franquia.
Sendo assim, a decisão de usar uma peça teatral para repassar os “diários” aos recém-chegados faz todo o sentido, pois não só ecoa com o título do episódio como oferece uma forma absolutamente lúdica de contar uma história, não como um registro informal de algum acontecimento passado, mas com respeito, carinho e reverência. É emocionante assistir à história contada pelos habitantes daquele local, com paixão e admiração.
E quando Dal resolve dar no pé, a doença da nativa Huur’A coloca nossos amigos em uma saia justa, pois agora eles se sentem obrigados a ajudar, e o fato de Dal também ser contaminado só piora o problema.
É de se estranhar o fato de que apenas Dal tenha ficado doente quando várias pessoas tiveram contato com a “cadete”, assim como a chamada de Rok parece absolutamente desnecessária, deixando a suspeita de que essas decisões são tomadas apenas para permitir que os eventos finais transcorram da forma como veremos.
Embora à primeira vista o coração do fã clássico certamente baterá mais forte com o reencontro com a mítica Galileo II, da mesma forma uma assistida um pouco menos emocionada certamente fará suscitar a questão de como essa nave foi parar tão longe, considerando a época e os recursos disponíveis no período da Série Clássica.
Além disso, a decisão de Dal de levar os dois “enderprizianos” a bordo e colocá-los nos consoles para manobrar uma nave estelar em uma situação extremamente crítica e perigosa, colocando a vida de todos em perigo, é totalmente absurda — mas também maravilhosa, oferecendo a eles a oportunidade de participar de “verdade” daquilo que aprenderam nas histórias, numa belíssima cena de ação e, para deleite dos fãs, com direito à boa e velha ponte da USS Enterprise, sem nenhuma letra, como diria Scotty, levando o menino que aprendeu a gostar de Star Trek vendo os velhos episódios de TOS de volta para casa, literalmente.
E não há como um coração trekker puro não se emocionar com a chegada dos três a bordo, maravilhados como uma criança que descobre que Papai Noel existe. Nada mais justo que os três tripulantes honorários recebam as homenagens quando a Protostar pousa com todos em segurança, e que agora nossos prodígios façam parte dessa história. E, mais do que isso, da mesma forma que Garrovick afirma em seu diário ter sido salvo por aqueles que ele veio salvar, o mesmo acontece com a tripulação da Protostar, pois, afinal, são os “enderprizianos” que se tornam em vários momentos os protagonistas aqui.
Em termos de trama, o segmento avança pouco o que já sabemos. A bordo da USS Dauntless, a confusão mental do Adivinho se mantém, e os fragmentos que ele consegue passar para a Vice-Almirante Janeway servem apenas para distorcer o julgamento dela sobre os eventos que ocorreram antes da sua chegada, o que certamente causará problemas à tripulação da Prodigy no caso de um eventual encontro. E o final, em que vemos Murf em uma espécie de casulo, indica que sua doença será na verdade uma transformação. Aguardemos os próximos eventos.
Pelo lado dos prodígios, essa aventura provoca uma forte reflexão em Dal, que a princípio começa a duvidar de si próprio e de sua capacidade de encontrar seu destino e seu lugar no mundo, bem como de seus companheiros, mas acaba por renovar a determinação graças ao contato com os nativos.
Entre vários momentos em que a verossimilhança deu lugar à intenção da história que se pretendia contar, bem como dos resultados a alcançar, uma questão causa ruído. O segmento mostra aqui um Jakom excessivamente medroso, algo que não encontra eco em suas ações em eventos anteriores. O telarita nunca foi um grande herói destemido, mas aqui a forma como foi retratado, provavelmente com o objetivo de causar uma reversão de expectativa quando ele se coloca em risco ao perceber que é o único que pode resolver a situação, passa do ponto de forma incompreensível. Uma pena para um personagem que teve até aqui pouco espaço real de desenvolvimento.
O segmento também flerta com o bom humor da Serie Clássica ao fazer com que James’T use os maneirismos da interpretação de Willian Shatner como James Kirk e suas longas pausas. Outro momento engraçado é quando Zero é questionado por Dal se realmente sabe o que está fazendo e ele responde que “já deu uma folheada no manual”.
“All the World’s a Stage” pode até sofrer um pouco ao ser escrutinando com mais rigor, mas esse é um episódio feito mais do que nunca para falar ao coração. Ele realiza algo só comparável ao feito de Galaxy Quest, a maior das homenagens aos fãs da franquia, ainda que não declarada, até os dias de hoje.
Todo o enredo desse segmento é uma bela e tocante homenagem ao fã de Jornada nas Estrelas, aqui representados pelos nativos que carregam a fé nas lições que aprenderam. A referência ao personagem da Serie Clássica, o alferes Garrovick, a presença da Galileo II e tudo o mais que já foi citado aqui são uma ode ao fã, que aprendeu a amar não só as aventuras de uma franquia de TV, mas que entenderam a filosofia por trás do encontro do planeta da semana.
Belíssimo, tocante e essencial.
Avaliação
Citações
“Live Logs and Proper”
(Vida ao vivo e prosperidade.)
Enterpriziano
“These people are living a lie and don’t even know it.”
“Just like us.”
(Essa gente está vivendo uma mentira e nem sabe disso.)
(Igual a nós.)
Dal
“We know we’re not Star-Flight, but you don’t need a ship to believe in what it stands for. What about you? Do you believe, Dal R’El?”
(Nós sabemos que não somos Star-Flight, mas você não precisa de uma nave para acreditar naquilo que ela representa. E você? Você acredita, Dal R’El?.)
Doctor Boons para Dal
“And honestly, if we come across one more thing Pog can’t fix,then Pog can’t call himself an engineer.”
(E honestamente, se nós encontrarmos mais uma coisa que Pog não consegue consertar, então Pog não pode se chamar de engenheiro.)
Jankom Pog
“If we can’t take the ship to Starfleet, we’ll find another way without the “Protostar.”
(Se nós não podemos levar a nave até a Federação, nós encontraremos um outro jeito sem a Protostar.)
Dal
Trivia
- Assim como outros tantos nomes de episódios em Star Trek, “All the World’s a Stage” vem de uma famosa passagem da peça As You Like It, de William Shakespeare.
- Nesse episódio descobrimos o destino do alferes David Garrovick, visto pela última vez no episódio da Série Clássica “Obsession” e da nave auxiliar, Galileo, vista pela última vez em “The Immunity Syndrome”.
- O primeiro contato com o planeta dos enterprizianos deve ter sido entre a última aparição da Galileo em “The Immunity Syndrome” (2268) e a primeira vez em que foi vista a Galileo II em “The Way to Eden” (2269).
- Fred Tatasciore, conhecido em Star Trek por seu trabalho como a voz de Shaxs (entre outros) em Lower Decks, fez a voz do alferes Garrovick e de diversos enterprizianos.
- Aaron Waltke, que escreveu esse episódio, falou sobre o destino de Garrovick: “Eu sempre achei estranho que o Garrovick teve um arco em “Obsession”, para desaparecer longe das câmeras e nunca mais ser visto ou mencionado novamente no seriado, presumivelmente como todos os outros. Eu queria dar a ele um final maior – um tributo a todos os outros camisas vermelhas.”
Ficha Técnica
Escrito por Aaron J. Waltke
Dirigido por Andrew L. Schmidt
Exibido em 10 de novembro de 2022
Título em português: “O Mundo é um Palco”
Elenco
Brett Gray como Dal
Ella Purnell como Gwyn/mulher enterpraiziana
Jason Mantzoukas como Jankom Pog
Angus Imrie como Zero
Rylee Alazraqui como Rok-Tahk
Dee Bradley Baker como Murf / James’T / enterprizianos
Jimmi Simpson como Drednok
John Noble como Solum (The Diviner)
Kate Mulgrew como Kathryn Janeway
Elenco convidado
Jason Alexander como Doctor Noum
Eric Bauza como Scott’Ee/Sool’U/homem enterpraiziano
Daveed Diggs como Commander Tysess
Jameela Jamil como Asencia
Samantha Smith como cadete Huur’A
Fred Tatasciore como Dr. Boons/alferes Garrovick/Sprok/enterpraizianos
TB ao Vivo
Enquete
Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Susana Alexandria