Estratégia familiar marca trama policial de ficção científica sobre estupro
Sinopse
Data estelar: 45429.3
A Enterprise está a caminho de Kaldra IV, carregando uma delegação de ulianos, uma espécie alienígena de historiadores telepáticos que conduz pesquisas sondando as memórias distantes de seus objetos de estudo. O líder da delegação, Tarmin, imediatamente demonstra essa habilidade, ao ajudar Keiko a recuperar um memória reprimida da infância. Entretanto, Picard, Beverly e o resto da tripulação relutam em deixar os ulianos examiná-los, e o filho de Tarmin, Jev, critica seu pai por querer sondar os pensamentos da tripulação sem permissão.
Troi deixa a reunião com Jev, e mais tarde, naquela noite, experimenta um flashback inexplicado de um interlúdio romântico entre ela e Riker. Subitamente, os avanços de Riker parecem mais rudes, e Troi vê que Jev substituiu o primeiro oficial em sua memória. Enquanto luta contra Jev, ela cai inconsciente.
Na enfermaria, a dra. Crusher tenta encontrar uma resposta para o súbito estado de coma de Troi. Na busca por uma resposta, Riker pergunta a Jev sobre seu encontro com a conselheira na noite passada. Jev fica ofendido quando Riker pede que os ulianos se submetam a um exame, em busca de organismos contagiosos. Mais tarde, naquele dia, Riker relembra um desastre a bordo da Enterprise. Quando Jev substitui um membro da tripulação em sua memória, ele também cai em estado de coma.
Com dois tripulantes inexplicavelmente inconscientes, Crusher pede que Geordi faça um diagnóstico por toda a nave, procurando agentes que poderiam ter causado o fenômeno. Com mais exames, ela descobre que o tecido cerebral de Riker e Troi possui uma anormalidade em uma área associada com desenvolvimento da memória. Por causa disso, ela e Picard suspeitam que os ulianos possam, de algum modo, ser responsáveis pelos comas, apesar de eles terem passado em todos os testes médicos. Sua pesquisa termina abruptamente, entretanto, quando ela também cai em um estado de coma, após relembrar o reconhecimento do corpo de seu marido, Jack Crusher, após sua morte. Na memória, ela estava acompanhada do capitão Picard, que mais tarde é substituído por Jev.
Data e Geordi continuam de onde Crusher parou, examinando incidentes similares entre os povos visitados anteriormente pelos ulianos. Enquanto isso, Picard pede aos alienígenas que aceitem uma quarentena voluntária em seus aposentos para proteger a tripulação de mais danos. Mais tarde, Troi recupera a consciência, e, apesar do desconforto, concorda em permitir que os ulianos sondem sua mente em busca de provas de sua própria inocência. Jev sonda a memória da conselheira sobre os eventos do dia em que ela ficou inconsciente, fazendo com que ela volte a ter o flashback com Riker. Mas a surpresa surge quando a imagem do comandante é substituída pela de Tarmin.
Acreditando que a invasão de memória de Tarmin é responsável pelos comas, Picard e Jev fazem planos de processá-lo. Entretanto, quando Jev visita Troi para dizer adeus, ela volta a ter o flashback e percebe que foi Jev, não Tarmin, quem substituiu Riker antes que ela ficasse inconsciente.
Assustada, ela tenta escapar, mas Jev a ataca. Ao mesmo tempo, Worf e Data descobrem que Jev era o único uliano presente em todos os casos de coma nos diversos planetas pelos quais passaram os alienígenas. Eles correm para o quarto de Troi bem a tempo de salvá-la de Jev e colocá-lo sob custódia.
Comentários
Estupro talvez seja um assunto forte demais para estar em um episódio de A Nova Geração, série que ia ao ar na TV aberta americana nos anos 1990 e ambicionava atingir todas as idades. Mas “Violations” consegue torná-lo palatável, ao embrulhá-lo o suficiente num conceito de ficção científica que justificasse a presença do tema e facilitasse sua apresentação ao público.
O estupro mental apresentado durante o episódio é a trama policial que a tripulação da Enterprise é obrigada a desvendar. E aí a ideia do roteiro é muito mais a de acompanhar as motivações dos personagens e os desdobramentos dos eventos do que desvendar um mistério propriamente dito.
O episódio é bastante honesto, desde o princípio, com relação ao que está mostrando, em que contexto, e qual é o responsável pelos ataques. A cena em que Troi tem sua mente invadida mostra claramente a associação entre a violação mental e o estupro – criando, inclusive, ligações de interesse sexual.
Por essa razão, fica muito óbvia para o telespectador mais atento a intenção dos produtores, embora todas as ressalvas e preocupações cabíveis tenham sido respeitadas. Foi ousado na medida certa. Por outro lado, acabou pasteurizando um pouco o drama, que precisava ser mais visceral para de fato mexer com o telespectador. Os flashbacks de Troi (a boa lembrança romântica com Will que vira pesadelo nas mãos de Jev) e Crusher (o reconhecimento do corpo de seu marido Jack Crusher, acompanhado por um Picard cabeludo) são mais poderosos (e agregam algo às personagens, ainda que não muito). O de Will Riker (promovendo uma evacuação da engenharia) é quase descartável.
E aí acabamos com uma deficiência: ao usar o estupro mental apenas como uma analogia suavizada do estupro real (exceto pelo caso de Troi), os roteiristas perdem uma boa chance de divagar mais sobre a natureza do tema de ficção científica retratado – de como invasões e manipulações telepáticas poderiam ser de fato apavorantes. Terminamos apenas com o mistério policial, cujo desfecho foi revelado logo de cara ao espectador. Ainda assim, há mérito em inaugurar o caminho para dramas psicológicos mais intensos na série, algo que passaria a aparecer com mais frequência adiante.
Fazendo essas ressalvas, vale dizer que o episódio não é cansativo e consegue manter a atenção sobre a história, centrada muito mais sobre a perspectiva de “quando e por que ocorrerá o próximo ataque de Jev” do que na responsabilidade pelos crimes.
Do ponto de vista técnico, “Violations” quase não exigiu efeitos visuais, e o que fez a diferença foi a direção bem executada (auxiliada por uma edição precisa) de Robert Wiemer, usando ângulos interessantes e cortes de câmera rápidos para transmitir a sensação violenta do estupro mental. Vale um destaque especial para a tomada em que vemos mãos sobre o corpo de Deanna, mas não sabemos distinguir muito bem sequer que parte do corpo é aquela, compatibilizando a necessidade dramática com o público familiar do seriado.
Avaliação
Citações
“But I think no one can deny that the seed of violence remains within each of us. We must recognize that, because that violence is capable of consuming each of us, as it consumed your son.”
(Mas acho que ninguém pode negar que a semente da violência permanece dentro de cada um de nós. Precisamos reconhecer isso, porque a violência é capaz de consumir cada um de nós, como consumiu seu filho.)
Jean-Luc Picard para Tarmin
Trivia
- “Violations” passou por muitas versões, cada uma abordando o tema do estupro de um ângulo diferente. Jeri Taylor relembrou que a história a interessava muito. “Porque era uma história de estupro e nós sentíamos que queríamos evitar a clássica história de estupro, que é alguém ser violentada e então lidamos com as consequências emocionais. Essa é uma história que já foi contada e contada e contada. Nós sentíamos que não tínhamos nada novo a oferecer.” Foi ela e a estagiária Pamela Gray que decidiram pela pegada de ficção científica com um estupro telepático.
- Taylor comentou que o conceito era uma “ideia imediatamente atraente”. “A ideia de estupro ser algo mental, em oposição a algo físico. Mesmo sendo mental, não físico, a violação não é menos profunda.”
- A equipe de roteiristas criou lembranças de flashbacks para todos os personagens principais, antes que Troi, Riker e Crusher fossem selecionadas. Uma envolvia as ações de Ro em Garon II. Outra, envolvendo La Forge quando criança em um incêndio, acabou aproveitada por Joe Menosky em “Hero Worship”. Ronald D. Moore relembrou: “Tornou-se uma questão de o que essas pequenas sequências de sonho seriam e como vamos apresentar o antagonista e as vítimas, e o que elas dizem sobre os personagens e o que serão as coisas que são íntimas e pessoais para eles? (…) Nós queríamos que todas elas se parecessem um pouco diferentes.”
- Neste episódio, Picard se recusa a participar de um experimento para revelar memórias perdidas. Curiosamente, décadas depois, na segunda temporada de Picard, vemos um longo e doloroso processo em que Q leva Jean-Luc a recuperar uma lembrança reprimida: o suicídio de sua mãe, que acabou tendo a colaboração involuntária dele.
- Este episódio foi filmado entre 28 de outubro e 6 de novembro de 1991, nos galpões 8, 9 e 16 da Paramount.
- O diretor Robert Wiemer recebeu permissão de Rick Berman para usar várias técnicas de câmera diferentes para dar aos flashbacks um aspecto bem diferente. Embora Berman não fosse usualmente um entusiasta dessas inovações, ele achou que a natureza da história tornava o uso apropriado aqui. As cenas na “realidade” foram filmadas de maneira conservadora, para aumentar o contraste. Câmeras especiais foram usadas, entre elas uma Panastar de alta velocidade com prima de ângulo baixo e largo e lentes de 14910 mm, além de outra com uma lente macro de 100 mm. No flashback de Beverly, Patrick Stewart e Gates McFadden se sentaram sobre uma grua de câmera, criando um surreal efeito de flutuação.
- Este foi o primeiro episódio produzido após a morte de Gene Roddenberry.
- Durante o estupro de Riker, seu gráfico do replicador é uma versão do século 23, provavelmente originária da produção de Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida. O mesmo engano acontece no replicador de Troi durante o episódio. E é algo que já havia aparecido antes, no replicador do quarto de Berlinghoff Rasmussen, em “A Matter of Time”.
- A sala de jantar executiva é uma redecoração da sala de observação, no galpão 8 da Paramount. Segundo a marcação do turboelevador, ela fica no deck 3.
- A decoração de parede vista na sala de jantar executiva já havia aparecido no escritório do proconsul romulano Neral, em “Unification”.
- Este é o único episódio de A Nova Geração ou Deep Space Nine em que Rosalind Chao aparece como Keiko O’Brien sem que Colm Meaney (Miles) esteja no segmento.
- Esta é a segunda de três aparições de Doug Wert como Jack Crusher na série. A primeira foi em “Family” e a terceira viria em “Journey’s End”.
- A noção de estupro telepático já havia figurado antes, num contexto diferente, em “Mirror, Mirror”, da Série Clássica, e em Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida. O tema voltaria a ser explorado em Jornada nas Estrelas: Nêmesis, de novo com Troi como grande alvo.
- Quando Riker faz companhia a Troi em coma, ele se lembra de que ela fizera o mesmo por ele, em “Shades of Gray”.
- Deanna Troi lança mão de Kirk Fu, mais especificamente um tapa duplo nas orelhas, ao repelir a agressão final de Jev.
- Brannon Braga elogiou o resultado final. “É um grande episódio de ficção científica e sou grande fã de imagens surreais. (…) Tínhamos uma boa história – estupro mental, violação mental de lembranças – e se torna uma metáfora oblíqua de ficção científica para um tema importante de hoje. Belamente dirigido; estilisticamente, o episódio mais ousado que fizemos.”
- Rick Berman ecoou o entusiasmo. “Achei que funcionou muito bem e Bob Weimer fez um trabalho maravilhoso. Foi sua habilidade de ser bem abstrato nas técnicas de filmagem. (…) Acho que tivemos um episódio maravilhoso com algumas grandes atuações. Foi muito místico e muito interessante.”
- Jonathan Frakes criticou o flashback para seu personagem. Ele comentou: “De onde veio o negócio do Riker fazer o pessoal correr da engenharia? Nem há o que pensar. Riker apenas diria, ‘É assim que as coisas são, pessoas morrem, merdas acontecem’. Seu maior medo é não fazer o pessoal correr para fora da engenharia. Aquilo não veio do personagem.”
- Michael Piller explicou a ideia. “Você tem de tomar cuidado para não interpretar errado o que esse cara estava fazendo. Ele estava basicamente entrando nas suas memórias e brincando nelas para sua própria diversão, prazer e satisfação. Ele não estava entrando e explorando o maior medo de nenhum personagem. Ele podia entrar e sentir que hoje queria ver os segredos sexuais de Troi, e amanhã ele pode querer ver a memória mais triste de Riker e vê-lo sofrer. Eu não acho que é algo que Riker carregue com ele como um fardo para o resto da vida. É uma memória que é parte de sua vida, como a primeira morte da Tasha seria para ele.”
- Jeri Taylor achou que este episódio abria novos conceitos para a série. “Nós vínhamos fazendo tantos episódios políticos que o sucesso deste nos lembrou de que talvez pudéssemos fazer mais com o lado mental [da ficção científica], explorando as possibilidades bizarras de dramas psicológicos.” Ela também disse: “Era assustador, estranho, alienígena, incomum. Funcionou tão bem que dissemos, talvez precisemos mais disso e talvez o aspecto de ficção científica de Star Trek não esteja recebendo todo o jogo que precisa. Algumas vezes nos tornamos políticos, nos tornamos emotivos, mas realmente não vamos com a estranheza do universo de Roddenberry?”
- Taylor lembrou também que, após a exibição do episódio, a produção recebeu cartas de desapontamento pelo fato de a relação Riker-Troi não ter sido revisitada em episódios seguintes. Ela entendeu que se tratou de um mal-entendido, já que o flashback era apenas isso, não uma dica para o futuro.
- Seja como for, Riker e Troi se casam em Jornada nas Estrelas: Nêmesis e seguem juntos até o século 25, como visto em Picard.
Ficha Técnica
História de Shari Goodhartz & T Michael e Pamela Gray
Roteiro de Pamela Gray & Jeri Taylor
Dirigido por Robert Wiemer
Exibido em 3 de fevereiro de 1992
Título em português: “Violações”
Elenco
Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher
Elenco convidado
Rosalind Chao como Keiko O’Brien
Ben Lemon como Jev
David Sage como Tarmin
Rick Fitts como Martin
Eve Brenner como Inad
Doug Wert como Jack Crusher
Craig Benton como Davis
Majel Barrett como voz do computador
Enquete
Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria