As similaridades de “Balance of Terror”, episódio de apresentação dos Romulanos, com dois clássicos do cinema naval de guerra.
Com a colaboração de: Nivea Doria.
Quatro décadas, cinco séries de TV e dez filmes de cinema depois, é fácil constatar o quanto Jornada nas Estrelas esteve e está presente no nosso mundo, das mais variadas formas. É interessante perceber que , no que diz respeito a sua capacidade de ser ainda uma fonte expressiva de divisas, ela ainda agita o imaginário coletivo de milhões de pessoas em volta do globo, e é ao mesmo tempo sintomático que a Série Clássica continue sendo ainda objeto de estudo, análises, devoção e arrecadação.
Sinais claros disto são o sucesso da venda dos DVDs das temporadas clássicas, o aumento significativo do interesse pela finada (série) Enterprise no quarto ano, onde seus temas passaram a ser fortemente baseados na mitologia original, e a decisão em favor de um novo projeto cinematográfico que será, baseado nesta mesma mitologia.
Seguindo a onda, ou motivada por ela, a CBS Paramount Domestic Television resolveu investir em um banho de loja em alguns segmentos da Série Clássica, sendo o primeiro deles, o celebre “Balance of Terror”. O segmento já foi visitado diretamente pelo TB em duas oportunidades, sendo a primeira delas no nosso guia de episódios, analisado por Salvador Nogueira, e em 2002, quando se discutia a então possível aparição dos Romulanos em Enterprise. Surfando a mesma onda, o Trek Brasilis também revisita o segmento clássico.
The Beginning
Não é novidade para ninguém que o cenário de Jornada nas Estrelas (entre outras séries sci-fi) é fortemente baseado na tradição naval. Não só no que se diz respeito a rankings e patentes, em sua hierarquia como um todo, mas na forma como suas naves estelares se comportam em tela, se movendo através do espaço como se este fosse um infinito oceano. Para o bem do público em geral, o universo virou um grande mar pelo qual viajam nossas galantes naves estelares.
Da mesma forma, qualquer um que já tenha assistido “Balance of Terror” já deve ter percebido que o segmento é orientado como uma perseguição, ou um enfrentamento entre um navio de superfície (a USS Enterprise) e um submarino (a Warbird romulana). O espectador mais atento irá perceber que o comportamento da Enterprise também é mostrado de forma única aqui, como veremos mais tarde, de forma a se adaptar a esta proposta.
É também dito e sabido por muitos que este episódio é fortemente influenciado por dois filmes da década de 50, “The Enemy Below” (1957) e “Run Silent, Run Deep” (1958). Nossa proposta aqui é conversar sobre este dois filmes, e discutir suas similaridades com o episódio em questão. Sendo assim, mergulhemos. Dive, dive, dive !!!
“Run Silent, Run Deep”
Usando o Guardião da Eternidade, voltemos no tempo, para o ano de 1958, onde faremos nossa primeira corrida silenciosa. Produzido pela MGM, e conhecido no Brasil como “O Mar é Nosso Túmulo”, “Run Silent, Run Deep” é baseado em uma novela de Edward L. Beach, estrelado por Clark Gable (“Gone with the Wind”, 1939 ou “E o Vento Levou” em terras tupiniquins) e Burt Lancaster (“From Here to Eternity”, 1953 – “A Um Passo da Eternidade”) e dirigido por ninguém mais, ninguém menos que Robert Wise (Jornada nas Estrelas – O Filme – 1979).
O autor, Edward L. Beach (1918 – 2002), foi oficial da marinha durante a 2º Guerra Mundial, servindo a bordo de submarinos, onde chegou ao comando do USS Piper ainda durante o conflito. É fácil presumir que foi daí que Beach retirou a experiência e o conhecimento necessário para escrever sua primeira história. No campo da ficção, ele escreveria duas seqüências da historia original, “Dust on the Sea” (1972) e “Cold is the Sea” (1978), além de diversos livros sobre história naval.
O Filme
Um ano após ter o seu submarino afundado por um destróier japonês numa área conhecida como Bungo Straits, o comandante Rich Richardson (Clark Gable) assume o comando do submarino americano USS Nerka, que está voltando de uma missão. A bordo do Nerka está o comandante Jim Bledsoe (Burt Lancaster), que esperava receber o comando definitivo da embarcação, e recebe a nova ordem com frustração.
Bledsoe chega a requisitar a sua transferência, mas o pedido é negado por Richardson, e segue como primeiro oficial do Nerka. O barco retorna ao mar, com ordens de patrulhar a “área 7”, a qual pertence Bungo Straits, mas evitar especificamente este local, pois a marinha tem perdido vários barcos neste local, sendo todas estas perdas atribuídas ao Destróier que afundou o barco anterior de Richardson, o Akikaze.
Em curso, Richardson comanda uma série exaustiva de exercícios com o objetivo de aumentar o tempo de resposta da tripulação, e evita um confronto com um submarino japonês, fatos que deixam os tripulantes do Nerka apreensivos a respeito de seu novo capitão. Em dado momento, o submarino avista um comboio japonês, protegido por um destróier. Richardson ordena o ataque, que tem sucesso em destruir um navio tanque e o destróier que protegia o comboio, graças à perícia adquirida através dos exercícios de simulação de batalha. Com base nisto, Richardson decide caçar o Akikaze, contrariando as ordens iniciais e com a desaprovação explicita de Bledsoe.
O Nerka localiza o Akikaze, e inicia o ataque, mas um elemento inesperado, a cobertura aérea japonesa, faz com o que o ataque se transforme em um fiasco. O submarino escapa com danos extensos e três tripulantes são mortos e o próprio Richardson é seriamente ferido durante a malfadada operação. Mesmo após estes eventos, o capitão insiste em realizar os reparos e continuar a caçada ao Akikaze, mas Bledsoe toma o comando e ordena o retorno a Pearl Harbor.
Com os reparos finalizados, o Nerka está se preparando para iniciar a viagem de volta, quando um programa de rádio japonês informa o afundamento do Nerka, dando inclusive o nome de alguns tripulantes, entre eles, seus oficiais superiores. Bledsoe percebe que os japoneses acreditam ter afundado o submarino, e isto lhes dá uma vantagem contra o Akikaze desta vez. O Nerka parte para confrontar o navio japonês novamente. Bledsoe usa a mesma tática imaginada por Richardson, e desta vez tem sucesso em afundar o destróier, entretanto, eles agora descobrem a presença de um submarino japonês que parte para confrontá-los. O Nerka evita um ataque de torpedos, mas está incapaz de detectar o submarino inimigo.
Com Richardson de volta à ponte, junto com Bledsoe, eles decidem emergir e atacar o que restou do comboio japonês, forçando o submarino inimigo a se expor para tentar defender a frota. A estratégia dá certo e o Nerka localiza e destrói o submarino japonês na superfície, e retorna a Pearl Harbor em segurança, menos Richardson, que morre em decorrência dos ferimentos do primeiro ataque.
A Conexão
Apesar de várias vezes ser citado como inspiração para o episodio da Série Classica, “Run Silent, Run Deep” tem pouco a ver com “Balance of Terror”. Tanto em termos de ação, como de construção de personagens, são duas historias totalmente distintas, e pelo menos para o autor deste artigo, não se justifica a comparação tão forte com o segmento clássico, mas existem momentos que valem a pena ser destacados.
Um deles é realmente de fácil identificação com um momento do segmento da Série Clássica. Em dado momento, quando Nerka está sob ataque de cargas de profundidade, Richardson ordena que os corpos dos tripulantes mortos sejam lançados ao mar, junto com destroços, numa tentativa de iludir os atacantes. Tal ação remete diretamente a ordem do comandante romulano interpretado pelo saudoso Mark Lenard, de lançar o corpo de seu amigo, morto durante um dos ataques da Enterprise à ave de rapina.
Outro momento acontece logo depois que o Nerka descobre existir um submarino japonês na área dando proteção ao comboio, e que inicia uma breve caçada ao submarino americano. Entretanto, as cenas que se seguem remetem muito mais a famosa briga de foice entre a Reliant e a Enterprise, em “A Ira de Khan”. Em ambos os filmes, as duas “embarcações” envolvidas tentam localizar uma a outra num vôo cego, onde prevalece a melhor estratégia (“Run Silent”) ou maior experiência (“A Ira de Khan”).
Por último, existe ainda uma seqüência que pode ser considerada como “inspiradora” do episódio clássico. Após a breve escaramuça submersa, ambos os submarinos vão à superfície novamente. O Nerka inicia um ataque ao que restou do comboio japonês, tentando com isto expor o submarino inimigo que se verá obrigado a defender os navios. Ao perceber o ataque, o submarino inimigo tenta se manter entre um dos navios e o Nerka. A manobra de certa maneira lembra a tentativa da Ave de Guerra Romulana e também da Enterprise de usarem a proteção causada por um cometa para tentar surpreender um ao outro.
No contexto dos personagens, existe uma tensão latente entre Bledsoe, preocupado com sua tripulação, e Richardson, obcecado pelo destróier que teria afundado seu antigo submarino. Em Balance, esta tensão está presente na relação Styles – Spock, embora por motivos diferentes. Apesar disto, a mecânica envolvida é a mesma. Em “Balance”, Styles quer que Kirk ataque a ave de guerra Romulana de qualquer forma, enquanto Spock, inicialmente reluta, até se convencer de que tal ação é necessária.
Em Run Silent, Richardson está decidido a perseguir e atacar o Akikaze, e Bledsoe relutante, entretanto, com o desenrolar dos acontecimentos, Bledsoe se convence de que pode ter sucesso e ele próprio conduz o ataque aos japoneses. Em ambos os casos, tal tensão se dissipa até não existir mais ao fim de ambos os filmes. Fora isto, o que não é pouco, mas é meramente circunstancial, “Balance of Terror” e “Run Silent, Run deep” são episódios totalmente diferentes no seu restante, e as semelhanças, embora importantes, apenas confirmam as suas diferenças.
Para quem gosta de um bom filme de Guerra, em preto e branco, e é fã dos mitos cinematográficos, este filme é uma boa pedida, e até poderia ser considerado uma boa inspiração para “Balance of Terror”, se não existisse um outro filme chamado “The Enemy Below”.
Mais um pequeno salto no tempo para o ano de 1957, e chegamos ao vencedor do Oscar de efeitos especiais daquele ano, “The Enemy Below”. No elenco estão Robert Mitchum (capitão Murrell), Curd Jürgens (Von Stolberg) e David Hedison (tenente comandante Ware), mais conhecido do público por seu personagem capitão Lee B. Crane, do clássico seriado “Voyage to the Bottom of the Sea”, ou, “Viagem ao Fundo do Mar”. O filme narra a caçada de um U-Boat pelo destróier americano USS Haynes nos mares do Atlântico Sul durante a Segunda Guerra Mundial.
O Filme
Devido ao grande número de referências cruzadas, adotaremos aqui uma estratégia diferente da dispensada a “Silent Run, Silent Deep”. Faremos uma corrida pela sinopse de “The Enemy Below”, e tratando pontualmente as coincidências identificadas com “Balance of Terror”. À frente, dois terços.
Robert Mitchum interpreta o capitão Murrell, comandante do destróier americano USS Haynes, em patrulha de rotina no Atlântico Sul durante a 2ª Guerra Mundial. Murrel era um marinheiro civil que viu sua esposa morrer quando o navio em que estavam viajando (um cargueiro) foi torpedeado por um submarino alemão.
O USS Haynes conta com uma tripulação inexperiente em sua maior parte, e que por estar em uma área longe da linha de frente não espera entrar em combate. Entretanto, o navio faz um inesperado contato através do radar. Ao seguir o contato, eles descobrem se tratar de um U-Boat, e começa então a caçada ao submarino, que está sob comando do competente e experiente comandante Von Stolberg (Curt Jurgens), veterano da primeira guerra e desiludido com os propósitos políticos da segunda.
The Enemy x Balance
Quando o Haynes faz o primeiro contato do radar indica uma presença que ainda não pode ser confirmada como um submarino. Murrell então ordena que o navio permaneça na mesma velocidade do alvo e se mantenha no limite do alcance do radar.
(Em “Balance of Terror”, após o ataque ao posto 4, Spock consegue detectar a posição da nave inimiga apenas pelos sensores de movimento. Kirk ordena um “curso paralelo”, igualando distância e velocidade da Ave de Guerra Romulana mas sem se aproximar da nave inimiga.)
A bordo do submarino, que navega na superfície, Von Stolberg também recebe de seu operador da estação a informação de um contato, este acredita que possa ser apenas um eco. Desconfiado, Stolberg executa duas mudanças de curso a fim de verificar se o sinal os seguiria. Do outro lado, Murrell antecipa esta estratégia e mantêm o Haynes no curso original, e o U-Boat acaba retornando ao curso anterior, 140.
(Embora o comandante Romulano interpretado por Mark Lenard não execute nenhuma manobra para tentar identificar a Enterprise, a conclusão de que o sinal possivelmente é um “eco” do radar é a mesma, e igualmente toma a decisão de retomar o curso inicial em direção a Rômulos, 111 marco 14.)
Murrell coloca o Haynes de volta ao encalço do submarino e ordena que, a qualquer mudança de curso do submarino, o leme mantenha a mesma estratégia. Ele pretende encontrar o suposto submarino apenas ao amanhecer. Após passar as instruções ao pessoal de serviço, ele informa a toda tripulação o que esta acontecendo, e retorna à sua cabine.
(Kirk também informa à sua tripulação sobre o que esta por vir pelos alto falantes da nave, procedimento pouco usual em Jornada, embora possa ser justificável pelos aspectos únicos da missão na qual estão para se engajar.)
A bordo do U-Boat, Stolberg ainda desconfiado chama o encarregado da vigília do turno, o tenente Kunz, e manda que o mesmo execute dois zigue-zagues a cada hora e mantenha-se de olhos abertos caso o eco se aproxime. Neste ponto Stolberg se retira do comando para sua cabine, mas chama com ele seu primeiro oficial, ‘Heinie’ Schwaffer (Theodore Bikel). Lá eles tem uma breve conversa que começa com uma reclamação do capitão a respeito da exagerada dedicação do tenente Kunz à hierarquia e ao regime.
(O personagem Kunz é similar em alguns pontos a Decius. Ambos são jovens, tem orgulho de sua pátria e seus lideres, o Führer no caso de Kunz, e o pretor no caso de Decius, embora o alemão tenha sido tratado de forma um pouco mais caricata em “The Enemy Below”. Na novela original, esta relação entre Kunz e Von Stolberg é muito mais tensa. Kunz é mostrado aqui como o defensor do regime, tal qual o jovem centurião a bordo da nave romulana)
Existe ainda no discurso de Stolberg uma frustração em respeito ao regime e à nova Alemanha de Hitler, e por extensão, às motivações para a guerra e à falta de esperança quanto ao seu desfecho.
(Da mesma forma que Stolberg e Schwaffer, Mark Lenard também tem uma conversa similar com o seu primeiro oficial a bordo da nave romulana. Igualmente estes últimos também são velhos companheiros de outras campanhas, servindo juntos há muito tempo. Lenard mostra a mesma frustração com o resultado da missão, que certamente levará o Império a uma nova Guerra. O centurião parece perturbado com o comentário de seu oficial comandante e lhe diz que com freqüência não consegue entendê-lo.)
O mesmo comentário é feito por Schwaffer em relação a Stolberg numa situação em tudo similar ao segmento clássico. Ainda sobre a conversa de Stolberg e Schwaffer, o comandante alemão também faz suas ressalvas à mecanização da guerra, o que remete a um outro episódio da Série Clássica, junto com outra passagem que veremos a seguir. De qualquer forma, esta seria uma das bandeiras da série original de Jornada quando esta veio a ocupar as telas de TV.)
Stolberg também revela (para a audiência) nesta conversa que o submarino alemão está de posse de um livro de códigos inglês, e que tem um encontro com um navio de assalto alemão em 48 horas, quando tal carga será transferida e eles poderão finalmente voltar para casa. Ficamos sabendo também que Stolberg tem uma história trágica na guerra, pois perdeu seus dois filhos, ambos mortos em combate, o que acrescenta elementos ao personagem.
(Tal revelação adiciona ao filme um necessário senso de urgência e um motivo para o submarino retornar sempre ao seu curso original, como será visto ao longo do filme. Em “The Balance…” a urgência é dada pela proximidade da Zona Neutra. É preciso tomar uma decisão antes que a Ave de Guerra atravesse a fronteira. A história trágica fica por conta de Stilles, com vários antepassados perdidas na Guerra Terra- Rômulos.)
De volta ao Haynes, Murrell está acordado no convés, e após conversar com o responsável pelas equipes de lançamento das cargas de profundidade sobre a necessidade de melhorar o tempo de recarga, ele tem uma conversa com o médico de bordo, o Doutor (cujo personagem não tem nome creditado, mas foi interpretado por Russell Collins) é um “boa praça”, ex-pediatra e acima de tudo, um otimista. A conversa gira em torno do provável submarino inimigo, e sobre a mudança que a guerra trouxe às suas vidas, inclusive sobre a morte de sua esposa.
(O teor da conversa entre Murrel e o Doutor é bem diferente do diálogo famoso entre Kirk e McCoy, mas é curioso – embora esperado no universo da Série Clássica – que sejam os dois médicos de bordo os “conselheiros” de seus capitães, e que tenham personalidades tão similares. Embora McCoy seja muito mais passional, ambos são assumidos defensores da esperança,e da vida. E o discurso embora menos apaixonado, ainda otimista do “Doutor” lembra em muito a defesa da vida que virou uma bandeira de McCoy. Nesta conversa, Murrell comenta em outras palavras que, na verdade, não um inimigo, apenas o mal faz parte do homem, e sempre retorna quando menos se espera. Murrel também comenta que, apesar do sentimento de perda da esposa, não pensa naquela missão como sua guerra particular, mas apenas como seu trabalho. Este comentário, junto com o comentário anterior de Von Stolberg sobre a mecanização bem podem ter sido a inspiração para “A Taste of Armageddon”, outro segmento clássico.)
Às 5h30 da manhã, conforme ordenado, o navio entra em prontidão de batalha. Murrell envia uma mensagem informando o contato e que pretende entrar em combate com o submarino, e então ordena velocidade total em direção ao inimigo. Eles finalmente avistam o submarino, mas este submerge antes de estar ao alcance das armas dos canhões.
Murrell coloca o Haynes na linha de tiro dos torpedos de ré do submarino, esperando que estes sejam usados contra o destróier e deixando a popa desprotegida, uma vez que estes torpedos não podem ser recarregados. A estratégia dá certo. O Haynes muda de posição bem a tempo de evitar os torpedos do inimigo e se aproxima para o combate a toda velocidade, usando o sonar para tentar localizar o U-Boat. Murrell mantém o Haynes sempre à popa do submarino.
Enquanto isto, o comandante alemão descobre que errou o alvo, e se prepara para o bombardeio de cargas de profundidade, e elas vêm. Após a primeira salva, o submarino tenta uma manobra de despiste, liberando óleo no mar, e revertendo o curso, o que faz com o Haynes perca o contato. Murrell aposta que o U-Boat retornara ao curso 140 e, marca um curso de interceptação baseado nesta aposta.
(A estratégia é diferente, mas o resultado em “The Balance…” é similar. A Enterprise avança tentando usar a proteção de um cometa para um ataque surpresa, mas os romulanos descobrem e na última hora mudam o curso. Mesmo assim, Kirk ordena um ataque às cegas, com os fasers em salva. O que nos leva a outra conveniência do segmento: o disparo das armas. Anteriormente, já havíamos assistido à Enterprise disparar seus fasers em “The Corbomite Maneuver” e nada do que vimos lá é igual ao que acontece em “Balance of Terror”.)
(Aqui, o episódio é adaptado para se moldar ao mesmo tipo de cenário que vemos em “The Enemy…”. Da mesma forma que são dadas ordens para que as cargas de profundidade sejam lançadas do Haynes, a bordo da Enterprise é necessário ordenar que a seção de armamentos da nave estelar abra fogo, um fato que não mais se repetiria ao longo da série. Daí por diante, os disparos voltariam a ser controlados pelo console normalmente usado por Sulu. Já especulamos antes que provavelmente tal estratégia foi utilizada exclusivamente em “Balance of Terror”, para que Spock pudesse salvar Stiles e a própria Enterprise mais tarde.)
(Neste episódio, apesar de ordens para o fogo dos feisers serem dadas, os efeitos ópticos mostrados são os dos torpedos fotônicos. Além disto, neste segmento existe uma forma de configurar os faisers para um tipo de detonação por proximidade, exatamente como uma carga de profundidade. Em “Arena”, os torpedos fotônicos seriam inaugurados e nunca mais voltaríamos a ver esta configuração de fasers novamente.)
Após visitar um tripulante que perdeu os dedos ao deixar a mão no trilho de lançamento das cargas, Murrell recebe uma mensagem do comando naval, informando que três destróieres estão a caminho para ajudar o Haynes, entretanto, só chegarão em 14 horas. Ele decide junto com seu primeiro oficial a manter o ataque previsto, imaginando que o submarino retornará ao curso 140. A estratégia de Murrel dá certo, e eles cruzam com o submarino alemão novamente, e iniciam nova bateria de cargas de profundidade.
Stolberg ordena a liberação de óleo mais uma vez, e então leva o seu U-Boat para o fundo do oceano, apesar de risco de ruptura do casco. Eles chegam ao fundo (310m) o mais uma vez o Haynes perde o contato com o submarino. Murrell manda os motores descerem de rotação até uma parada total, e silêncio total no navio. Começa então um jogo de paciência entre as tripulações das duas embarcações, que enfrentarão uma longa espera pelo próximo movimento do adversário.
Depois de horas, Stolberg decide deixar o fundo, apesar de suspeitar que o Haynes está à espera. Ele está certo e, assim que suas máquinas começam a trabalhar, eles são localizados novamente e o destróier reinicia a caçada.
[(Citação de Von Stolberg quando ele põe o submarino em movimento após horas de espera no fundo do mar em silêncio, tentando despistar os americanos:
“He is a Devil, Heini”
(Ele é um demônio, Heini.)
Citação do comandante Romulano, quando manda a Ave de Guerra se aproximar da Enterprise após horas de espera no espaço, em silêncio, tentando captar um sinal que desse a sua posição.
“He’s a sorcerer, that one. He reads the thoughts in my brain”
(É um feiticeiro. Ele lê os pensamentos em meu cérebro.)]
Apesar disto, Murrell está ciente de que não pode expor demais o seu navio, o que daria a vantagem ao U-Boat, sendo assim ela monta um plano de retenção, que consiste em avançar, lançar uma salva de cargas, e depois retroceder para fora do alcance do submarino. Eles farão isto a cada hora, durante sete horas, na tentativa de atrasar o sub até que cheguem os reforços.
O plano é iniciado e parece funcionar bem. Os ataques, embora não causem danos sérios ao U- boat, levam a tripulação ao pico de estresse. Após um dos tripulantes perder o controle e tentar abrir uma escotilha, o que logicamente inundaria o barco, Von Stolberg decide sair da defensiva. Após analisar o movimento de aproximação, ataque e retirada do Haynes, ele monta um plano para atacar o destróier americano em sua próxima passagem.
Stolberg tem sucesso. Lançando uma salva com os quatro torpedos de proa simultaneamente, ele consegue atingir o navio americano com uns projéteis, inutilizando as caldeiras. O navio não explode, mas está irremediavelmente perdido. Murrell dá a ordem de abandonar o navio, mas ainda guarda um ultimo lance. Ele manda a tripulação queimar o que for possível no convés, dando a impressão que o navio está em chamas. Stolberg vê o fogo pelo periscópio e imagina que o destróier esta incapacitado, e emerge para dar o tiro de misericórdia.
Após emergir, Stolberg sinaliza ao Haynes que eles têm cinco minutos para abandonar o navio, mas subitamente vê o Haynes iniciar uma corrida em sua direção, usando o vapor que sobrou nos boilers. Sem tempo para submergir novamente o U-Boat é literalmente atropelado pelo destróier.
(Esta seqüência guarda alguma semelhança com a tentativa romulana de incapacitar a Enterprise usando uma ogiva nuclear. Após a explosão, Kirk se faz de morto e espera uma ação romulana, e quando estes começam a se mover para aniquilar a Enterprise, esta abre fogo, incapacitando a Ave de Rapina. O que acontece em diante, todos já sabem.)
Com ambas embarcações condenadas, as tripulações começam a abandoná-las. Stolberg, que havia dado ordens de acionar bombas de autodestruição a bordo do submarino, volta para o interior do barco quando percebe que seu primeiro oficial não saiu do submarino. Stolberg encontra Schwaffer e consegue tirá-lo do submarino, mas ambos estão encurralados pelas chamas no convés.
Murrell, que está para abandonar o Haynes, percebe que ambos os oficiais alemães irão morrer, por isto volta e lança uma corda para Stolberg. Eles sobem até o Haynes e dão a volta para o outro lado do navio, onde não há fogo. Neste meio tempo, o comandante Ware, a bordo de um dos barcos salva-vidas (que já tem a bordo alguns membros da tripulação do U-Boat) percebe que Murrell ainda está a bordo e retorna ao Haynes. Com ajuda de ambas as tripulações, Murrell, Stolberg e Schwaffer são retirados do navio em chamas antes do submarino alemão explodir.
Schwaffer não sobrevive aos ferimentos, e é sepultado no mar, após ambas as tripulações serem recolhidas por um dos navios americanos que haviam partido para ajudar o Haynes. Após o funeral, que conta com a participação de membros das tripulações americana e alemã, Murrell e Stolberg conversam brevemente no passadiço da embarcação, como se fossem velhos conhecidos, e o filme chega ao fim.
Emergindo
O fim de ambos os filmes é radicalmente diferente, e cada um deles, serve a seu propósito, mas a rota traçada por ambos os roteiros é por vezes similar até em excesso. Plágio ? Pelo menos para o autor deste artigo, de forma alguma. Paul Schneider e Gene Roddenberry certamente beberam da mesma fonte dos dois filmes citados para criar um dos clássicos absolutos de Jornada.
Se as semelhanças são fortes, as diferenças são importantes. Em primeiro lugar, o cenário que cerca os eventos de “Balance…” está muito mais sintonizado com o cenário da guerra fria entre URSS e EUA, e não há um conflito declarado entre as potências, sendo assim, as ações de Kirk podem colocar todo o quadrante em uma sangrenta guerra, o que dá aos eventos uma importância ainda maior, além da questão do preconceito ganhar maior destaque.
Mas não perderemos tempo falando das qualidades de “Balance of Terror” o que já foi feito em outras ocasiões, mas apenas lembrar o que disse Machado de Assis: “o desenvolvimento da originalidade possui algumas etapas, a primeira das quais é imitar os modelos clássicos, e a última… imitar-se a si mesmo até a morte!”
Sobre “The Enemy Below” e “Run Silent, Run Deep”, o autor os considera itens fundamentais na coleção de qualquer um que goste de clássicos filmes de guerra naval, e mais, dos ícones eternos do cinema. “Run Silent, Run Deep” é Clark Gable e Burt Lancaster em seu melhor, o que por si só já é um convite a uma sessão de cinema com muita pipoca. Mas atenção, esta sessão é para cinéfilos, pois nunca é pouco lembrar que este filme ainda é em preto e branco. Decepção para alguns, deleite para outros.
“The Enemy Below” apesar de mais antigo um ano, pelo contrário, incorpora muitas novidades do cinema daquela época, como a filmagem em Cinemascope, formato widescreen utilizado entre 1953 e 1967, o fato de ser em cores, sem falar no som excelente para a época. Não por acaso levou o Oscar de Efeitos Especiais em 1958. Olhando o que a indústria produz hoje nem se percebe tanto, mas basta comparar este filme com “Run Silent, Run Deep” que a qualidade superior (em termos de tecnologia) salta aos olhos.
Para o resultado final a presença de um determinado “ator” foi fundamental. O destróier classe Buckley, O USS Haynes, foi “interpretado” pelo USS Whitehurst (DE-634), destróier da Marinha que serviu como locação para as filmagens. Muitos tripulantes do Whitehurst participaram do filme, entre eles o oficial comandante do navio, tenente comandante Walter Smith, que pode ser visto várias vezes como oficial da engenharia. No site do Whitehurst podem ser encontradas fotos das filmagens.
É difícil mesmo em alguns momentos lembrar que estamos falando de um filme de 48 anos de idade, mesmo levando em consideração que o filme original foi remasterizado para a edição em DVD, ainda assim, impressiona.
Aqui encontraremos outra lenda do cinema, Robert Mitchum em uma competente atuação, entretanto, que arrebenta mesmo é Curd Jürgens, ator alemão que faz o papel de Von Stolberg, um oficial alemão carismático, competente e leal. Conspira a favor do sucesso de Jürgens as tintas diferenciadas deste filme, que é talvez o primeiro, e com certeza um dos poucos filmes de guerra onde os alemães não são mostrados como os vilões malvados que Hollywood criou em seus filmes aos quilos, mas como pessoas fazendo o seu trabalho pelo seu país.
Enfim, três grandes obras, cada uma a seu modo e em seu terreno, com grandes movimentos, maravilhosas seqüências, nomes épicos e atuações marcantes dão o tom desta “trilogia”, se é que podemos chamar assim.
Submarinos no cinema
Com o passar dos anos, os filmes de submarino passaram a ter um foco maior na guerra fria, deixando para trás os tempos WWII. Filmes como “Ice Station Zebra” 1968 (Estação Polar Zebra), “The Hunt for Red October” 1990 (Caçada ao Outubro Vermelho) – (com o indefectível Sean Connery ) e Alec Baldwin, “Crimson Tide” 1995 (Maré Vermelha) – que vale pelas presenças de Denzel Washington e Gene Hackman -, e “K-19: The Widowmaker” 2002 – com Harrison Ford e Liam Neeson encabeçando o elenco, tem estado presente nas telas, sempre com alguma ameaça nuclear por perto.
Mas se você gosta de filmes como as referências deste artigo, dois são muito bem recomendados. O primeiro é o (relativamente) recente “U-571” – 2000, onde um grupo de marinheiros americanos precisa sobreviver a bordo de um submarino alemão caindo aos pedaços, tentando levar de volta para terreno aliado a “Enigma”, a máquina de códigos alemã. “U-571” tem um surpreendente Matthew McConaughey no papel principal, e o sempre competente Harvey Keitel, que consegue fazer até bula de remédio parecer um roteiro.
Longe de ser uma obra-prima do cinema, “U-571” tem uma boa direção de Jonathan Mostow, uma excelente fotografia, um som espetacular e grandes efeitos (indicado a Oscar de melhor Som e vencedor do Oscar de melhor Edição de Som) na medida certa para fazer um bom filme de guerra. Mas não se iludam. “U-571” não é nenhum “Platoon”, mas sim um grande pipocão, para quem gosta do gênero e não tem remorso de assistir a algumas manobras “Top Gun” embaixo d’água. Diversão pura.
Na outra ponta esta “Das Boot” (“O Barco”, “Inferno no Mar”) , um filme alemão que retrata o drama de uma tripulação germânica em uma missão de patrulha nas águas do Atlântico Norte, já próximo do fim da rendição da Alemanha Nazista. “Das boot” é talvez o filme do gênero mais realista já realizado, e por isto mesmo claustrofóbico e inquietante, traz uma mensagem clara sobre a estupidez e a falta de propósito da guerra, principalmente por seu final, ao mesmo tempo surpreendente e frustrante. Bom cinema e item fundamental aos apreciadores do gênero.
Nota Final
O tipo de embate que encontramos em “Balance of Terror” só seria visto novamente em Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan, com a famosa batalha na Nebulosa Mutara entre a USS Enterprise e a Reliant e no segmento da quarta temporada de Deep Space 9, “Starship Down” .
Bem, chegamos ao fim deste artigo, e esperamos que você tenha apreciado a viagem, reforçando a sugestão que o leitor deste artigo deve procurar assistir aos dois filmes que o motivaram, mesmo que seja para discordar do autor. De qualquer forma, acreditamos que será uma viagem no mínimo, interessante.
Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 29 de janeiro de 2007.