Saiba tudo sobre o final original escrito e filmado do sétimo filme, “Jornada nas Estrelas: Generations”, com a morte de Kirk.
Quando, em 1991, as cortinas se fecharam, as luzes se acenderam e os créditos começaram a subir, após a Enterprise sumir entre as estrelas levando sua lendária tripulação, os fãs pensaram: “É isso aí. Foi muito bom, mas acabou. Agora a Série Clássica deixa o status de programa de entretenimento e se converte em uma lenda”.
Mas não foi bem assim que aconteceu. Em 1994, a Nova Geração estava pronta para assumir seu posto e levar a série de filmes adiante, mas seu produtor-executivo, Rick Berman, achou que “Jornada nas Estrelas VI – A Terra Desconhecida” não havia sido uma despedida suficiente para nossos heróis, e que, para o novo filme, seria preciso dar um tom de “passagem da tocha”.
Com a missão de realizar o encontro das duas tripulações na telona, Rick Berman tratou de atacar em dois fronts diferentes. Em um deles, desenvolvia uma história com Maurice Hurley. Em outro, uma outra, com Ronald D. Moore e Brannon Braga. A versão que acabou avançando melhor foi a da dupla, de modo que o conceito inicial de Hurley acabou logo descartado.
Ao escrever o roteiro, Brannon e Ron perceberam que seria extremamente complicado dar um papel relevante a todos os personagens das duas séries. Duas medidas foram tomadas para tentar solucionar a questão: a primeira, que cumpria a dupla função de também deixar claro que aquele filme era de fato da Nova Geração, era limitar a participação dos personagens clássicos (à exceção de Kirk) aos 15 primeiros minutos. A segunda era dispensar o quarteto Uhura, Scotty, Chekov e Sulu, ficando apenas com o trio principal, Kirk, Spock e McCoy.
Foi assim que a história surgiu –mas Rick Berman e seus comandados esqueceram que Leonard Nimoy e DeForest Kelley já não eram mais atores inexperientes. Nimoy, que também foi convidado para dirigir o filme, pulou fora, depois de ver que Spock não era realmente importante e de descobrir que Berman não deixaria que ele pedisse mudanças no roteiro –que de fato estava precisando.
Kelley também não se sentiu bem com o filme, como ele mesmo relatou em entrevista à revista “Star Trek Communicator” de julho/agosto de 1995. “Eu decidi que se eu precisava sair, eu queria sair com Jornada VI em vez de estar apenas no início desse filme como um bonequinho”, disse. “E Leonard também se sentiu assim.”
O ator não era pretensioso, mas não queria ver seu personagem usado apenas como um registro de que estava lá. “Eu não esperava tremendos papéis porque você não pode lidar com tanta gente em duas horas. Eu certamente que seríamos utilizados durante o filme todo. Esse não era o caso de jeito nenhum.”
Como Nimoy e Kelley pularam fora, Berman tratou logo de convocar James Doohan e Walter Koenig para substituí-los. Acostumados a pequenas pontas, mesmo nos filmes da série original, os dois aceitaram sem grandes problemas, apesar de seus desafetos com o colega William Shatner.
Aliás, trazer Shatner para o filme não foi uma coisa das mais difíceis. Oferecer uma cena de morte a um ator sempre é um truque dos mais baixos para deixá-lo interessado. Ainda mais no caso do capitão James T. Kirk, cuja carreira no cinema parecia encerrada em 1991. Com a visão enviesada pela vontade de voltar a interpretar o velho Jim em uma última aventura, Shatner nem se preocupou com a morte que lhe ofereceram.
“Eu não vi sentido naquilo”, disse Kelley. “Eu nunca vi nenhuma razão para matarem Kirk de qualquer modo.” Apesar disso, nas entrelinhas, o ator sugeriu o que isso significava para ele e seus colegas. “Ninguém nunca tentaria fazer um filme com a Jornada nas Estrelas original sem o capitão Kirk.” Para Magro, a Série Clássica estava mesmo “morta, Jim”.
Muitos dos fãs se revoltaram com a morte do ícone máximo de seu seriado favorito –principalmente do modo que foi executada, com o capitão perdendo a vida ao cair de uma ponte. Uma morte tão trivial e evitável que parecia estar ali tirada da cartola de última hora, sem ser fruto de uma grande reflexão. E é exatamente o que ela era.
Depois que o filme foi concluído, a Paramount realizou uma exibição-teste e descobriu que o final estava desagradando a 99% do público. Antecipando uma catástrofe, o estúdio pediu que Rick Berman inventasse um outro final, “melhorando” o clímax da história. Com o relógio tiquetaqueando e a data de estréia marcada, o final que todos conhecemos foi o melhor que o trio Berman, Braga e Moore conseguiu criar.
E, por incrível que pareça, é de fato muito melhor do que a versão original. Pois é, acredite se quiser, mas a primeira morte de Kirk conseguiu ser muito mais estúpida do que a primeira. Lendo a novelização do filme, feita de forma brilhante por J.M. Dillard, nem parecia que o final original (que foi reproduzido no livro) era tão ruim –e essa foi a impressão que ficou entre os fãs durante muito tempo.
Nos últimos anos, alguns fãs mais “quentes” conseguiram copiar “workprints” (versões preliminares dos filmes usadas como referência para apreciação do estúdio ou para futura edição) antigos, que continham muitas cenas perdidas de “Generations”. Entre elas estava a famosa descida suborbital de pára-quedas feita por Kirk, enquanto Scotty e Chekov aguardavam sua descida e algumas esticadas de cenas aqui e ali durante a porção referente à Nova Geração.
Mas, claro, o que todos queriam ver era a morte original de Kirk. Teria finalmente o capitão sua honra e integridade restaurada por uma morte mais adequada? Doce ilusão. Os cinco minutos que antecedem a baixa de Jim na primeira versão são um show de trapalhadas. Não acredita?
Agora chegou a hora de conhecê-la. O Trek Brasilis está disponibilizando o que possivelmente é a melhor versão digitalizada atualmente[1] existente desta seqüência, pois vem de um workprint em que os efeitos especiais já estão incorporados, e há até música provisória nas cenas, retirada de outros filmes. Antes de continuar a ler, se você quer ver por si mesmo o final, sem saber antes do que se trata, é melhor começar o download. Use um programa que permita retomada de download em caso de desconexão, pois o arquivo tem 17,1 Mb, para 7 min 37 s de vídeo. O formato, como sempre é AVI (Divx).
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A Cena
Kirk acaba de voltar com Picard do Nexus para evitar que Soran destrua o sistema Veridian. Kirk confronta o vilão em uma das pontes do complexo, enquanto Picard se encaminha para a plataforma de lançamento. Enquanto Kirk e Soran travam uma troca interminável de socos e pontapés, Picard tenta desativar o míssil. Por total incompetência, o capitão ativa, involuntariamente, o despositivo de camuflagem da plataforma. O painel some diante de seus olhos e não há nada que ele possa fazer[3].
Enquanto isso, Kirk é quase atirado de um penhasco, mas consegue se segurar a uma corda. Ele volta até Soran sem que o vilão o perceba e coloca o inimigo a nocaute. Picard grita para ele: “Pegue o controle remoto na cintura de Soran e desative o dispositivo de camuflagem.” É o que Kirk faz. Picard volta a trabalhar na plataforma e Kirk dispara uma frase para ficar na história: “O século 24 não é tão duro afinal”.
Ele mal completa a frase quando Soran, que até então estava desacordado, volta à consciência e dispara uma arma nas costas do capitão, que cai prostrado no chão. Picard consegue alterar o rumo do míssil, que acaba caindo no próprio planeta[3]. Tendo seu plano frustrado, Soran parte, desarmado, na direção de Picard. Ao ver o Kirk morto, Picard mata o vilão sem dó nem piedade, friamente. Kirk troca suas últimas palavras com Picard, para depois ser enterrado por seu sucessor no comando dos filmes de Jornada. É isso.
Com um final desses, não é à toa que o público-teste ficou decepcionado. A versão que foi ao cinema, apesar de continuar tola e sem sentido, pelo menos não destrói os personagens como a versão original. Picard incompetente, incapaz de desprogramar um míssil? Kirk fazendo uma piadinha besta antes de ser morto pelas costas? Picard matando friamente um inimigo desarmado? Quem escreveu isso seguramente estava com problemas.
E estava mesmo. A mesma dupla que escreveu “Generations” também trabalhou freneticamente no episódio final de A Nova Geração, concluído menos de um ano antes do filme estrear. Com a pressão do estúdio para o lançamento do filme e a dificuldade de equacionar o fim de uma série e a produção de um longa-metragem simultaneamente acabou produzindo este resultado.
Mesmo assim, “Generations” continua sendo lembrado pelos fãs como um filme atraente e divertido do franchise, apesar da triste morte do símbolo máximo da série original. E estarmos aqui, agora, 35 anos depois que tudo começou[1], falando sobre isso é a prova de que é preciso muito mais que uma ponte ou um tiro nas costas para matar James T. Kirk. Ou, como diria McCoy, “ele sempre estará vivo enquanto nos lembrarmos dele”.
Notas de republicação:
[1] Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 2001.
[2] A seqüência final original está disponibilizada no You Tube.
[3] Nesta versão, não está inserido os efeitos especiais de camuflagem, vôo do míssil e da aurora nexus.