Aproveitando a deixa sobre os Romulanos que comentei no mês passado, resolvi fazer uma revisão sobre os “vilões” de Jornada e a sua contribuição para as histórias contadas na tela grande.
Na indústria do cinema, os produtores vivem um certo dilema em inovar ou relativizar algumas questões relacionadas ao gosto do público ou tentar agradá-lo sempre. Existe a possibilidade de criar mais calor do que luz, provocar uma reação negativa e, com isso, levar um filme a um relativo fracasso nas bilheterias. Ao mesmo tempo, se tenta seguir um padrão, se busca criar algo de novo ou específico para marcar um certo tipo de produção.
Jornada nas Estrelas é um tipo que não tem o hábito de fazer distinção clara entre bem e mal, justo e injusto, certo e errado. Por esta razão, ela está longe de ser considerada maniqueísta, ao contrário de muitas coisas que vemos por aí. Desde o início, e até hoje, há uma certa zona nebulosa e não-concluída nas aventuras vividas na televisão e no cinema.
Digo isto, porque assim foi o seu espírito criador, que é mantido em linhas gerais pelos co-produtores das suas franquias atuais. Apesar do fato de que muita gente continua achando a Federação sempre representando o bem e os demais povos representando o mal. Não é bem assim! Jornada conta a história da Federação através da Frota Estelar e a busca por se relacionar com novas formas de vida, aprendendo com elas e ensinando-as alguma coisa também. É claro que a humanidade é representada pelo melhor dos seus exemplos através da tripulação da(s) Enterprise(s), DS9 e Voyager, mas ela está em contínuo aperfeiçoamento à medida experimenta novos relacionamentos e tenta manter ou defender os seus interesses. Para uma organização pacifista como a Federação, não há inimigos, mas adversários.
Assim, tendo feito essa ressalva, podemos botar para quebrar e falar dos “vilões” mostrados pelas séries na televisão e no cinema. Em primeiro lugar, vamos dar uma repassada na Série Clássica, deixando a Nova Geração para depois.
Naquela problemática estréia no cinema, em Jornada nas Estrelas – O Filme”, não há um vilão propriamente dito, pois a V’Ger está à procura de seu criador e não admite que nada se ponha no seu caminho. Esta é uma das origens da confusão responsável por impedir uma aceitação mais popular desse filme. No caso de “A Ira de Khan”, este problema foi melhor tratado, embora Khan não seja, em si mesmo, uma reencarnação do mal. Ele foi um erro de engenharia genética, que tentou criar um ser superior artificialmente. O resultado foi a sua busca de poder excessivo e a tentativa de conquistar a Terra. Daí, o exílio no espaço com um bando de seguidores. Encontrado casualmente por Kirk, ele buscou perseguir o seu intuito ao se apossar da nave. O próprio Kirk reconheceu a complexidade do problema e quebrou o galho de Khan, deixando-o no planeta Ceti Alfa 5 como demonstração de respeito e forma de lhe dar uma segunda chance.
Na versão do cinema, um acidente astronômico traz Khan de volta à cena e o envolve na trama pelo controle do Projeto Genesis. A recriação de vida num planeta morto serve como metáfora para a nova oportunidade de Khan se reerguer e conquistar espaço. Isto está somado à sua imensa amargura por ter perdido a sua mulher e ao sentimento de vingança em relação a Kirk.
Então, vemos a batalha dos espíritos em conflito representada pelo confronto entre a Enterprise e a Reliant. Não tendo como destruir o seu inimigo sem ser destruído também, Khan só não teve sucesso por conta da intervenção de Spock.
Nos outros filmes, não há um “vilão” digno deste nome, nem mesmo próximo do drama vivido por Khan, através da maravilhosa atuação de Ricardo Montalban. Não dá para levar a sério o que aparece depois, como aquele Klingon que matou David, o filho de Kirk, para obter o segredo do Genesis, em “À Procura de Spock”.
O ser totalmente equivocado de “A Última Fronteira” que se faz passar por Deus é uma piada de mau gosto. Em “A Volta para Casa”, a “vilania” é próxima do primeiro filme. A verdade é que a falta de visão dos terráqueos quase faz a vaca ir pro brejo, por conta da volta da sonda alienígena.
Mas em “A Terra Desconhecida” o prêmio de melhor atuação vai para o general Klingon Chang, por conta da grande interpretação de Cristopher Plummer. Neste filme, a “vilania” é dividida entre os Klingons e alguns dos oficiais da Frota Estelar, que não queriam a construção da paz. Embora isto tenha desagradado a Gene Roddenberry, há quem goste, dizendo que a revolta funcionou bem para a boa aceitação do filme pelo público.
Em termos de vilania, o que a Nova Geração apresentou até agora dá o primeiro lugar para a Rainha Borg, interpretada por Alice Krige. O Doutor Soran ocupa a segunda posição, com o bom desempenho de Malcolm McDowell, veterano do gênero e tio de Alexander “Bashir” Siddig, de acordo com fontes autorizadas.
F. Murray Abraham e seu personagem So’na, o malvado Ru’afo, içou a lanterninha, apesar de já ter sido vilão em outros filmes com tremendo sucesso, como em “Amadeus” e “O Nome da Rosa”.
O sucesso da Rainha Borg está relacionado à fama que este povo ganhou desde a produção do seriado na televisão. Os Borgs apresentaram uma boa dose de ação, efeitos especiais, luta e uma seríssima ameaça à boa vida da Federação –principalmente a partir de “The Best of Both Worlds”, na passagem do terceiro para o quarto ano de vida da série.
Sua aceitação foi tanta que eles serviram de rivais para o melhor filme da Nova Geração até agora. Com a Voyager batendo pino pelo Quadrante Delta, Rick Berman e sua equipe resolveram requentar os Borgs para ajudar a salvar a pátria e a audiência das aventuras de Janeway e sua turma. Eles apareceram e retornaram várias vezes, como um trunfo a ser usado quando necessário, inclusive, nos dois últimos episódios.
Tanto foi assim que Seven of Nine passou a ser um membro da tripulação da nave e a Rainha Borg visitou-a algumas vezes.
A maldade da Rainha! Isto não é meio parecido com as historinhas dos contos de fadas? Mas não podemos negar que o confronto dela com Picard/Locutus e Data causou uma boa linha de ação na trama registrada no roteiro. O seu comportamento malicioso e sensual gerou arrepios não só no andróide, como também, na maioria da galera.
Não é demais lembrar a cena de sua montagem na área invadida por ela no interior da Enterprise. Isto valeu uma indicação de premiação de melhor maquiagem.
Soran pareceu perdido no tempo/espaço com aquela cara de garoto malvado e ressentido. Ele entrou no filme só para matar Kirk, apesar da justificativa do roteiro que envolvia a tentativa de sua entrada no Nexus. Na época da estréia do filme, ouvi dizer por aí que Marlon Brando tinha se oferecido para o papel, mas Rick Berman recusou-o. Melhor para Brando…
As irmãs Duras, francamente, pareciam ser membros da família dos Irmãos Metralha. O negócio delas era derrubar a Enterprise, só para deixar Picard irritado. Como as cenas de tortura de La Forge foram cortadas, não deu nem pra dizer que elas tinham um jeito tão malvado assim. Tudo bem que o trilítio estava na barganha com a finalidade de tentar outro golpe de Estado no Império Klingon. Mas, nem de longe, podemos levar a sério o jeito pelo qual elas foram aproveitadas.
Em “Insurreição”, temos um Ru’afo vingativo e preocupado em rejuvenescer passando a perna na Federação, e boa parte da Frota Estelar. Eu já disse aqui: foi uma briguinha de família mal-contada. Como se já não bastasse a sua maldade, tivemos que aturar seus gritos e trejeitos.
Tudo foi estereotipado demais! É possível que, no futuro, venhamos a saber com mais detalhes porque Frakes dirigiu um filme tão problemático. Especula-se que a sua ausência da cadeira de diretor no próximo filme tenha a ver com isso.
Minha esperança ainda repousa nos Romulanos. Quem sabe um dia poderemos ver suas características e seus personagens marcantes revividos e desenvolvidos na tela grande de um jeito que as pessoas merecem.
Falando nisso, aproveito o momento e aviso que tratarei da próxima vez em diante daquilo que temos sabido por aí a respeito do próximo filme. Sinceramente, já adianto que tenho uma forte impressão de que, num certo sentido, a vaca tá indo pro brejo…
Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis.