Com a agenda do pai apertada, Rick Berman trouxe também Joel, filho de Jerry Goldsmith, para criar a trilha sonora da nova aventura de A Nova Geração.
Não que as músicas para o filme antecessor, Jornada nas Estrelas: Generations (1994), tenham sido ruins. Pelo contrário, o compositor Dennis McCarthy, fazendo sua estreia num longa-metragem de grande orçamento para o cinema após décadas de bons trabalhos na televisão (com grande destaque em A Nova Geração e Deep Space Nine), se saiu muito bem. Mas Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato seria uma produção com uma escala maior para a Paramount, tanto em orçamento quanto em importância, e tudo nela teria de ser de fato cinematográfico. Dentro da franquia, o filme celebrava ainda o aniversário de 30 anos de Star Trek, trazendo a primeira aventura por conta própria da tripulação de Picard nas telonas, sem o chamativo nome de William Shatner ou qualquer outro dos atores da série original como apoio.
O produtor Rick Berman queria Jerry Goldsmith para compor a trilha sonora. Compositor da mais alta prateleira em Hollywood, tinha em seu currículo a música para Planeta dos Macacos (1968), A Profecia (1976), Alien (1979), Poltergeist (1982) e O Vingador do Futuro (1990), entre outros pedaços da história recente do cinema. Sua ligação com Star Trek vinha desde o comecinho da série, quando Gene Roddenberry estava produzindo o episódio piloto “The Cage”, em 1964, e o convidou para compor o tema da abertura e a música do segmento. Ocupado, Goldsmith teve de recusar, e indicou seu amigo e orquestrador Alexander Courage para o trabalho.
Em 1979, Jerry Goldsmith enfim estreou no universo trekker, com a aclamada trilha sonora de Jornada nas Estrelas: O Filme, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Aqui, ele pôde redefinir a marca musical da série com um novo tema, que posteriormente seria adaptado para A Nova Geração. Dez anos depois, retornaria em Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira, a controversa obra dirigida por William Shatner. E, em 1995, faria a música da abertura da série Voyager, ganhando um Emmy por ela.
“Foi uma maravilha quando ele aceitou o nosso convite”, disse Berman. “Só que Jerry estava finalizando seus trabalhos para A Sombra e a Escuridão, dirigido por Stephen Hopkins, e só poderia se juntar a nós em algumas semanas.”
Surgiu a ideia de se contratar um compositor auxiliar para ir tocando as coisas. E o melhor nome era Joel Goldsmith. O músico tinha 38 anos na época, e era o filho mais velho de Jerry (que estava com 67 naquele momento). De estilo diferente do Goldsmith veterano, Joel era fã de música eletrônica, sendo influenciado por nomes como Éric Serra (que havia feito recentemente uma trilha bem diferente em 007 contra Goldeneye).
“Às vezes pensam que estão trazendo um ‘Jerry Goldsmith Júnior’ para trabalhar, mas minha linha é diferente. Claro, aprendi e aprendo todos os dias com meu pai, é um mestre, mas já falei a um produtor: se quer música como a do Jerry, contrate o Jerry. Ou o James Horner”, brincou, com o fato de Horner abertamente ter emulado as obras de seu pai no seu começo de carreira.
Porém, para Primeiro Contato, Joel teve que se enquadrar no tipo de som que o longa precisava, mas com alguma liberdade. “Cheguei à produção quatro dias antes dele e já fui trabalhando, tive de criar músicas essencialmente para os borgs e sequências de ação. Aí usei um pouco de eletrônica, que achei que combinava com os vilões do filme”, revelou.
Jerry enfim se juntou à equipe, trazendo um melódico tema de abertura, diferente do habitual em Jornada. “É nobre, é forte. Um tema principal que tem a dignidade e a potência que esse filme exigia”, elogiou Rick Berman. “Seu uso na sequência do primeiro contato entre humanos e vulcanos também era gentil e belo, e criou aquele momento comovente, sem dúvida um dos mais adoráveis de todos os filmes de Star Trek.”
O compositor acrescentou à trilha de Primeiro Contato a música principal de O Filme, uma das assinaturas de Jornada nas Estrelas, e o tema da USS Enterprise, da mesma produção. Também não deixou de fora elementos que estiveram em A Última Fronteira, como trechos da faixa A Busy Man, um motivo musical que lá era usado em cenas com Sybok, e agora serviria para outros momentos marcantes.
Algumas notas do tema vulcano de O Filme também estiveram presentes durante o pouso da nave vulcana em Montana. “Eu estava compondo e resolvi usar a música dos klingons de O Filme, um clássico. Falei com Jerry e ele me disse: ‘ei, eu também estou usando!’. Acabou entrando nas cenas com Worf, mais notadamente quando a Defiant surge em tela, dentro da explosiva faixa Red Alert, que meu pai escreveu”, destacou Joel.
Foram 74 minutos de músicas compostas para Primeiro Contato, 22 deles por Joel Goldsmith. Entre as suas faixas estão Locutus, logo no começo, com Picard relembrando sua abdução pelos borgs em “The Best of Both Worlds”, de A Nova Geração; The Phoenix, quando Picard e sua tripulação descobrem a nave de Cochrane; 39.1 Degrees Celsius, momento em que os borgs já estão nas entranhas da Enterprise-E; e Flight of the Phoenix, a bela sequência em que pela primeira vez uma nave da Terra viaja em dobra 1, e com Riker e La Forge dentro dela.
Além do som dos Goldsmiths, duas músicas de rock n’roll fazem parte do longa. Magic Carpet Ride, lançada em 1968 pela banda Steppenwolf, e Ooby Dooby, também dos anos 1960, cantada por Roy Orbison. Enquanto a primeira é um clássico do gênero, a segunda teve sua inclusão em Primeiro Contato criticada pelos roteiristas Brannon Braga e Ron Moore nos comentários do DVD duplo lançado em 2005.
Disco inovador
Quinze dias após a estreia de Primeiro Contato nos Estados Unidos, a gravadora GNP Crescendo colocou nas lojas o CD com a trilha sonora do filme. Assim como havia feito anos antes com Generations, o selo inovou e trouxe um disco caprichado para os fãs.
Além de cerca de 51 minutos de música, o álbum era um Enhanced CD. Tratava-se de um disco híbrido, com 13 faixas musicais (incluindo Magic Carpet Ride e Ooby Dooby) e material audiovisual para ser apreciado num computador com drive de CD-ROM.
O Enhanced CD apresentava um demo de um jogo que poderia ser acessado no site oficial de Star Trek pela internet, algumas telas com atividades virtuais e vídeos com entrevistas com Jerry e Joel Goldsmith, Rick Berman e Jonathan Frakes. Mas o conteúdo mais interessante para o trekker, num momento em que o acesso à internet era precário e limitado, foi a possibilidade de assistir ao trailer de Primeiro Contato, que vinha num arquivo com resolução bem simplória, mas que para 1996 era um grande avanço tecnológico. A arte do CD apresentava todas as músicas como sendo compostas e conduzidas por Jerry Goldsmith. Joel era citado num texto de apoio no encarte e creditado em letras minúsculas como autor de músicas adicionais.
“Eu liguei para o Neil Norman, o dono da GNP Crescendo e produtor do álbum, e disse: parabéns, seu nome saiu enorme no encarte, e o meu quase invisível”, contou Joel Goldsmith em entrevista anos depois. “E devido à capacidade física do CD, muita coisa que compus ficou de fora, como Flight of the Phoenix, que tem em torno de seis minutos.”
Jerry Goldsmith morreu aos 75 anos, em 2004, e Joel nos deixou em 2012, aos 54 anos, após uma dura luta contra um câncer. Algumas semanas antes de seu falecimento, a mesma GNP lançou, de maneira limitada a 10 mil cópias, um CD com a trilha sonora expandida de Primeiro Contato. O novo disco apresentou 79 minutos com 29 faixas de composições para a película, sendo três com material extra. Eram versões um pouco diferentes de The Phoenix, Borg Montage e do tema principal. O álbum não veio com as duas canções de rock n’roll, mas desta vez todos os 22 minutos de Joel estavam à disposição para o ouvinte.
Texto publicado originalmente no volume 32 da Coleção Trek Brasilis, de agosto de 2022.
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