Cliff Eidelman e a música de Jornada nas Estrelas VI

Jovem compositor conquistou a confiança de Nicholas Meyer e se juntou ao universo de Star Trek para criar uma das trilhas sonoras mais elogiadas da cinessérie.

Quando assumiu a direção de Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (1982), Nicholas Meyer pensou em contratar um compositor renomado para criar a trilha sonora, só que as restrições orçamentárias fizeram com que ele trouxesse a bordo o ainda iniciante James Horner, o que acabou se mostrando um enorme acerto. Para Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida, Horner já tinha mudado de prateleira para um valor superior no mercado. Jerry Goldsmith, nome lendário da indústria, também foi descartado por motivo semelhante.

Leonard Nimoy, que além de interpretar Spock também figurava como produtor executivo de A Terra Desconhecida, sugeriu seu velho amigo Leonard Rosenman, o mesmo compositor de Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa, mas Meyer não aprovou. Assim como descobriu Horner no começo dos anos 1980, ele sentiu que poderia dar a chance a um novo (e mais barato) talento. Foi aí que começou a ouvir algumas amostras enviadas ao estúdio. Em uma delas, algo chamou a sua atenção.

O músico Cliff Eidelman (reprodução/site do artista)

Com certa experiência em filmes de cinema independente, e passagem pelo teatro, Cliff Eidelman, de 26 anos, mandou uma fita em que usava nuances da suíte O Pássaro de Fogo, balé de 1910 composto pelo russo Igor Stravinsky. Isso cativou o erudito Meyer, pois Jornada nas Estrelas VI era um filme com uma trama mais sombria, envolvendo conspirações, traições e assassinatos, e ele não estava a fim de colocar no longa uma grandiosa marcha, como a dos filmes anteriores. Pensava em algo mais soturno e, às vezes, melancólico. A Paramount fechou então com Eidelman no que seria seu primeiro trabalho em um filme de grande repercussão em Hollywood.

Uma semente de ideia que estava na cabeça de Nicholas Meyer era adaptar a suíte Os Planetas, composta entre 1914 e 1917 pelo inglês Gustav Holst. Tratava-se de uma obra de sucesso, disparado o maior da carreira de Holst, morto em 1934 aos 59 anos. Formada por sete movimentos (faixas), Os Planetas apresenta cada um deles como correspondente a um planeta do Sistema Solar, exceto a Terra e Plutão (descoberto apenas em 1930 e reclassificado desde 2006 como planeta anão). A obra combina mitologia romana com astronomia e representa um marco da música expressionista.

A ideia não prosperou. Primeiro pelos valores, pois seria necessário repassar uma bela quantia para a família de Holst, a fim de usar, mesmo que adaptado, o seu material. Depois, pela originalidade. “Eu estava tentando febrilmente escrever o meu próprio material para mostrar a Meyer e aos produtores e tentar persuadi-los a usar algo novo”, contou Cliff Eidelman. “Fizemos um monte de reuniões, até que eles olharam uns aos outros e enfim disseram: por que gastar com Os Planetas se temos esse material de que gostamos já em mãos?”

Sinfonia dos astros

Aproveitando que estava com Eidelman contratado, a Paramount resolveu passar a ele outro projeto de forma paralela. Durante as comemorações dos 25 anos de Jornada nas Estrelas, em 1991, além do novo filme, o estúdio também iria lançar um álbum com uma coletânea das faixas dos cinco primeiros longas da cinessérie, de Jornada nas Estrelas: O Filme (1979) até Jornada nas  Estrelas V: A Última Fronteira (1989). Chamado de Star Trek: The Astral Symphony, o disco foi colocado nas lojas dos Estados Unidos pela Milan Records ainda em 1991, em LP, fita cassete e CD.

Capa da coletânea Star Trek: The Astral Symphony, lançada em 1991. (Milan Records)

Em 1992, com fabricação da Microservice e distribuição da BMG Ariola, chegou ao mercado brasileiro apenas em CD, sendo encontrado até mesmo em lojas de departamento populares. Star Trek: The Astral Symphony tinha 72 minutos, com 16 músicas. “Tive de separar as faixas dos filmes anteriores para a coletânea, e procurei colocá-las no álbum de uma forma que funcionasse como uma sinfonia”, explicou Eidelman. “Qual foi a ideia: que se  desenvolvesse uma espécie de longo poema, com vários estilos trabalhando juntos.”

De volta para A Terra Desconhecida, Cliff se afastou de muitos aspectos dos outros filmes de Star Trek. Embora tenha usado trechos do clássico tema de Alexander Courage, como seus predecessores também fizeram, efetuou uma abordagem diferente. A pedido do diretor Nick Meyer, nada de marchas heroicas/militares para a abertura do longa, e sim um tema introspectivo, com referências à faixa Marte, de Os Planetas, e também à abertura de O Pássaro de Fogo, do balé de Stravinsky.

O ritmo cadenciado, e com um tom abaixo das óperas espaciais do século 23 vistas nas telonas, trouxe novos temas para a Enterprise, James Kirk, Spock, e para os klingons. Pela primeira vez numa trilha sonora da cinessérie de Jornada nas Estrelas, foi usado um coral, e ainda cantando em “klingonês”.

“Eu queria adicionar um outro tom à orquestra, e percebi que só poderia fazer isso usando vozes. Na sequência em Rura Penthe, o planeta gelado, o coral funciona quase que como um outro instrumento de percussão”, revelou Cliff. No fim de semana da estreia, ele foi assistir à película num grande cinema de Los Angeles. “Ninguém me conhecia, a sala estava cheia, e eu estava lá no meio de todo mundo. Bem no final, a sequência de despedida do elenco original com as assinaturas dos atores acontece e o povo foi à loucura. Aí começaram os créditos finais, com seis minutos e meio, e mais da metade do cinema não foi embora. Estavam lá ouvindo. Isso me fez sentir muito bem.”

Após a participação em Star Trek, o compositor esteve bem ocupado com outros filmes e seriados. Seu trabalho chamou a atenção até de Jerry Goldsmith, que disse certa vez que “Cliff Eidelman é um grande talento, com enorme potencial”. E fazer parte da história trekker marcou a vida do compositor. “Tenho orgulho e uma sensação de realização por ter feito isso. Há algo a ser dito sobre o trabalho em Jornada. É escrever uma ópera espacial. Eu fui capaz até de trazer um pouco da língua klingon na minha partitura. Em geral, é um filme de estilo épico com uma trilha sonora épica”, destacou o músico. “Com outros filmes, como romance, comédia e drama, a trilha não desempenha o mesmo papel. Tem de ser atenuada; está lá, mas você não chama tanta atenção para ela. Jornada nas Estrelas não é assim, então é muito divertido.”

A gravadora MCA Records colocou o álbum de Jornada nas Estrelas VI nas lojas norte-americanas, apenas em LP e CD, na mesma semana da estreia do filme, em dezembro de 1991. Essa edição apresentou 16 faixas em 45 minutos. O disco também saiu no Brasil, pela divisão Sonopress da BMG Ariola, na mesma época, embora o longa A Terra Desconhecida só tenha sido lançado por aqui em março do ano seguinte.

Quase 20 anos depois, em 2012, a gravadora Intrada produziu uma versão expandida do álbum, com dois CDs contendo não apenas toda a composição original de Cliff Eidelman, mas também apresentando como bônus algumas faixas alternativas e uma música feita exclusivamente para o trailer do longa. “Eu achava que teria sido bom colocar a música do trailer no álbum original. Porém, como ela foi incorporada pelo tema de abertura, e pelas faixas ‘The Battle for Peace’ e ‘Escape from Rura Penthe’, acabei deixando para lá”, explicou o artista.

Desta vez, o CD duplo veio com 112 minutos, com 67 deles sendo a nova edição, e outros 45 com a trilha original lançada na época da estreia de Jornada VI. Acompanhando o álbum, um livreto com pequenos textos sobre cada uma das faixas escrito por Lukas Kendall e Jeff Bond (editor da revista especializada Film Score Magazine e autor de vários livros de referência sobre Jornada).

Os Planetas e O Pássaro de Fogo

Obras que se tornaram atemporais, Os Planetas de Gustav Holst e O Pássaro de Fogo de Igor Stravinsky foram algumas das inspirações de Cliff Eidelman para a trilha sonora de Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida, e podem ser facilmente encontradas na internet ou em plataformas musicais pagas de streaming. Nesta página do Trek Brasilis você tem alguns links para ouvir as músicas que ajudaram a construir a atmosfera da despedida do elenco original de Star Trek nos cinemas: trekbrasilis.org/CTB26.

Texto publicado originalmente no volume 26 da Coleção Trek Brasilis, de fevereiro de 2022.

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