Enfim com liberdade criativa e uma orquestra inteira à disposição, o compositor veterano em Star Trek honra o legado de seus antecessores na cinessérie.
Realizado na sequência do final de A Nova Geração para a televisão, Jornada nas Estrelas: Generations trouxe para os cinemas não apenas os atores que trabalharam no seriado desde 1987, mas também um diretor oriundo da telinha, David Carson, e, pela primeira vez na cinessérie de Star Trek, um compositor saído também direto de trabalhos em televisão.
Músico com mais participações na franquia até aquele momento (com 88 episódios em A Nova Geração e duas dezenas, naquela época, em Deep Space Nine), o nome de Dennis McCarthy como autor da trilha sonora do novo longa trazia um dilema para o cerne do debate entre os trekkers. Reconhecidamente competente, e até com certos destaques na telinha, Dennis cedeu lá atrás à imposição de Rick Berman para criar músicas sem muita presença para as aventuras da USS Enterprise-D, a fim de que elas não chamassem mais a atenção do que as cenas em si. Com essa obediência, ele criou muita coisa insossa, mas assegurou a confiança do novo chefão de Star Trek, designado em 1988 por um cansado Gene Roddenberry.
É verdade que houve momentos de liberdade mais tarde, com a música de abertura de Deep Space Nine que até ganhou o Emmy, e algumas partituras de segmentos logo no começo da série situada na longínqua estação colada na fenda espacial. Mas estaria McCarthy apto a ocupar o lugar que já havia pertencido ao monstro Jerry Goldsmith e à revelação James Horner (sem contar ainda o veterano Leonard Rosenman e o bem-vindo estreante Cliff Eidelman)?
A maioria dos trekkers achou que sim: McCarthy fez uma grande trilha. Com inovações na estrutura já consagrada pelos filmes, usando bastante a fanfarra histórica de Alexander Courage para a Série Clássica, e trazendo todo o seu conhecimento de sete temporadas lidando com esse universo, conseguiu efetuar muito bem a transição de A Nova Geração para a tela grande e deu continuidade às óperas espaciais iniciadas em 1979 por Goldsmith.
CONVOCADO
“Rick Berman me ligou um dia fazendo o convite. Eu disse sem pensar duas vezes: vamos nessa! De repente eu estava lá, olhando para uma orquestra com 80 músicos e um coral de 24 vozes”, revelou Dennis McCarthy. “Admito: foi assustador. Mas o fato de eu estar lidando com produtores e um diretor [David Carson] que já conhecia há anos ajudou bastante. Era um grupo muito bom de se conviver.”
O compositor conta que para criar o tema de abertura decidiu que não usaria uma fanfarra explosiva como já havia sido feito em outros filmes de Jornada nas Estrelas. Definitivamente, o tema de A Nova Geração na televisão, uma adaptação que o próprio McCarthy fez na icônica obra de Jerry Goldsmith em O Filme, não seria ouvido na sétima aventura da franquia para os cinemas.
Mais moderada, reflexiva e com um clima de expectativa, a música dos créditos iniciais acompanha uma garrafa de champanhe pelo espaço até ela se espatifar no casco da recém-comissionada USS Enterprise-B, batizando a nave estelar na melhor tradição marítima. É a primeira vez que o coro de vozes pode ser ouvido no longa, e a melodia termina com ecos do tema da série original.
Dennis seguiu o caminho iniciado em Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida, três anos antes, quando Cliff Eidelman utilizou também um coro na trilha do filme, algo até então jamais tentado na sequência cinematográfica da série.
Outro destaque é a música na sequência em que James T. Kirk vai à sala do defletor da Enterprise-B para salvar o dia — e supostamente morrer por conta disso. O uso de percussão e metais, com destaque para as trompas, tornou a cena ainda mais memorável. Para as diversas sequências de ação, como a explosão da ave de rapina klingon comandada pelas irmãs Duras ou a queda da seção disco da Enterprise-D em Veridian III, McCarthy entrou em acordo com o pessoal dos efeitos sonoros; a música iria até certo ponto, para que a edição de som pudesse brilhar. “Era o momento para eles aparecerem, e eu saí do caminho”, brincou.
“Algumas das músicas curtas que escrevi foram minha preferidas, como quando Data acha Spot bem em meio aos destroços da nave, já no final, ou os 30 segundos que mostram o estado do disco após a queda na superfície do planeta, com o domo da ponte quebrado possibilitando a Riker ver o céu. Sempre que me pedem algum material demo para avaliação, eu incluo essas faixas”, destacou o compositor.
Por pouco que Picard não se encontrou com uma obra do compositor Gustav Mahler (1860-1911) no Nexus. Inicialmente, Dennis pensou em usar a famosa quinta sinfonia do músico para a cena em que o capitão da Enterprise é levado para o local extradimensional e encontra sua hipotética família celebrando o Natal (e depois acha Guinan por lá também). Porém a ideia não prevaleceu. Em vez disso, o coral entrou em ação. “Assim, pude manter também a música ao fundo, enquanto ocorriam os diálogos”, explicou.
Com a decisão da produção de refazer o final de Generations após as exibições de teste, McCarthy teve também de regravar os últimos 17 minutos do filme, na maior parte sequências de ação com Picard, Soran e Kirk. “Agora era ponte se partindo e caindo em cima de um pobre Shatner, Malcolm McDowell sendo explodido… Tive de reescrever tudo em apenas um dia. A cena da morte de Kirk também foi alterada, claro, e tive a chance de melhorar o que já havia criado anteriormente.”
Desta vez, a música contagiante dos créditos iniciais foi guardada para os finais. Após as naves que resgatam a tripulação da despedaçada Enterprise em Veridian III entrarem em dobra, é possível ouvir uma suíte (composição musical que consiste numa sucessão de peças) de todos os temas criados para Generations: o da Frota Estelar, o da cavalgada com os capitães, do Nexus, de James Kirk, entre outros, e que termina com a famosa fanfarra de Alexander Courage dos anos 1960, talvez a maior assinatura musical de Jornada nas Estrelas.
“Após a estreia de Generations, fui surpreendido com a demanda para que eu transformasse partes da trilha numa partitura para concertos em orquestras sinfônicas pelos Estados Unidos e ao redor do globo. Foi um imenso prazer ouvir minha música sendo tocada em locais como o famoso Hollywood Bowl”, celebrou McCarthy.
OS ÁLBUNS
Lançado praticamente ao mesmo tempo que o filme, o álbum com a trilha sonora de Generations chegou às lojas norte-americanas em dezembro de 1994 e foi um presente de Natal para os fãs. A gravadora GNP Crescendo caprichou no CD, que veio com 38 faixas, sendo 15 de músicas do longa, e 22 delas com efeitos sonoros, como o barulho de fundo da ponte da Enterprise (B e D), disparos de torpedos, feisers, naves entrando em dobra espacial, entre muitos outros.
As primeiras tiragens do álbum também trouxeram de brinde um broche exclusivo (também conhecido como pin) de Generations e um adesivo metalizado com a arte oficial do filme. Também acompanhou um livreto mais elaborado do que de costume, com diversas fotos e textos de apoio. Foram 60 minutos de áudio, somando as músicas e os efeitos sonoros.
Quase 20 anos depois, no final de outubro de 2012, a mesma gravadora GNP colocou à venda, de maneira limitada a 10 mil cópias, a versão expandida da trilha do filme, num CD duplo com impressionantes 141 minutos de áudio. O primeiro disco apresentou a versão expandida propriamente dita, com 25 faixas em 75 minutos, trazendo tudo o que foi ouvido em tela durante o longa, e até mais, como a faixa intitulada “Torture”, que não constou na edição final de Generations (a cena foi cortada e trazia Geordi sendo torturado por Soran).
No segundo disco, o mesmo material do CD lançado em 1994, mas com três faixas de bônus, entre elas os 17 segundos de Data cantando “Life Forms”, como fez na ponte da Enterprise-D após ter seu chip de emoções ativado.
Essa edição do álbum traz também um livreto, desta vez com 16 páginas, escrito pelos especialistas Jeff Bond e Lukas Kendall, com notas e detalhes sobre todas as faixas dos discos. O material está disponível no site da GNP Crescendo, e você pode acessá-lo aqui. É possível ouvir o CD original de Generations em plataformas de streaming como o Spotify; já a versão expandida, cuja distribuição foi limitada, não está disponível neste formato.
Texto publicado originalmente no volume 29 da Coleção Trek Brasilis, de maio de 2022.
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