Filme dos anos 1950 trouxe algumas inovações ao gênero sci-fi e chamou a atenção de Gene Roddenberry durante a criação de Jornada nas Estrelas.
Um filme diferente de ficção científica, com os pés mais no chão do que o costume para esse tipo de produção, chegou aos cinemas norte-americanos em março de 1956, há 68 anos. Era Planeta Proibido (Forbidden Planet), produção da MGM com um roteiro levemente baseado numa peça de William Shakespeare, A Tempestade, e mostrando seres humanos que conseguiram sair da Terra e colonizar outros planetas. Primeiro, em seu próprio sistema solar. Depois, no espaço profundo.
Com Leslie Nielsen, o comandante J.J. Adams, à frente da tripulação do cruzador espacial C-57-D, Planeta Proibido apresentou uma poderosa nave interestelar, em formato de disco, em viagem rumo ao distante planeta Altair IV. A bordo, um grupo de oficiais militares similar à Marinha norte-americana. Uniformizados, na ponte de comando obedeciam fielmente às ordens de seu comandante, manejando equipamentos, e tendo uma grande tela de observação por perto. Eram armados com pistolas de raios laser que poderiam desintegrar qualquer coisa — se usadas em carga máxima, claro.
“Você deve lembrar que vimos Planeta Proibido da MGM, com Oscar Katz, há algumas semanas. Eu acho que pode ser interessante para o Pato Guzman reassisti-lo e ver com cuidado aquela nave, suas configurações, controles, instrumentações etc., enquanto nós estamos ainda esboçando nossos próprios planos.”
Gene Roddenberry escreveu esse memorando acima para Herb Solow, então o executivo no comando da produtora Desilu, pedindo para que o diretor de arte Pato Guzmán desse uma olhada com cuidado em Planeta Proibido. O ano era 1964, e Gene estava começando a pré-produção de “The Cage”, episódio piloto de Star Trek que jamais iria ao ar, por decisão da NBC. O memorando continua.
“Posso sugerir como fazer melhor? Passe o filme de novo, ou será que é ético pegarmos uma cópia dele e ter nosso próprio pessoal capturando cenas específicas de alguns quadros? Mais para a frente isso pode ser útil. Por favor, quero que entenda que nós não temos nenhuma intenção de copiar, tanto o interior como o exterior da nave. Mas um novo olhar detalhado nela faria muito para estimular nossas próprias ideias.”
A transcrição dessa mensagem interna da Desilu está no livro Star Trek Creator: The Authorized Biography of Gene Roddenberry, escrito por David Alexander e lançado em 1995. Por anos, muitos dos admiradores de Jornada se perguntaram até que ponto Planeta Proibido de fato inspirou Star Trek, e o próprio criador da série acabou respondendo quando o memorando veio a público, embora no passado tivesse negado qualquer influência do filme, “exceto no que não fazer”.
Planeta Proibido foi uma entre várias obras que ajudaram Gene a escrever Jornada. Ele também trouxe elementos diversos que vinham desde Flash Gordon a Caravana (Wagon Train), série de televisão que foi ao ar de 1957 a 1965 com as aventuras de pioneiros desbravando o Velho Oeste. Estrelado por Walter Pidgeon (que esteve no Brasil em 1954 para participar do I Festival Internacional de Cinema de São Paulo), Anne Francis, Leslie Nielsen (décadas depois, um ator muito querido por suas atuações em comédias como Corra que a Polícia Vem Aí, de 1988) e Warren Stevens (que mais tarde viveria Rojan, personagem de “By Any Other Name”, da Série Clássica), Planeta Proibido foi um dos primeiros filmes de ficção científica em que se podia levar o conteúdo mais a sério. Os roteiristas e o diretor Fred M. Wilcox conseguiram criar uma extrapolada realidade futurista com efeitos especiais e cenários, tanto na nave quanto no planeta, bem feitinhos e cuidadosos.
Como Star Trek faria com maestria uma década depois, o filme promoveu também um paralelo com a vida real nos anos 1950 usando alegorias de ficção, numa trama elaborada. O filme apresentou Robbie, o robô, que se tornaria icônico, além do taciturno Dr. Morbius (Pidgeon) e sua bela e misteriosa filha Altaira (Francis). A importância de Planeta Proibido para “The Cage” e a ficção científica foi lembrada nas séries da Jornada com diversas citações, como o comandante J.J. Adams e a nave C-57-D (em uma tela do episódio “Whispers”, de DS9); o sistema Altair (citado na Série Clássica e em A Nova Geração); a nave Bellerophon, citada no filme e que dá nome a uma nave da Federação destruída na Batalha de Wolf 359 em “Emissary”, de DS9, e também como uma nave da Classe Intrepid em “Inter Arma Enim Silent Leges”, na mesma série; e a célula de força krellidiana, em homenagem à civilização krell de Altair IV, em “In Theory” de A Nova Geração e em “The Andorian Incident”, de Enterprise.
Embora já tenha quase 70 anos, Planeta Proibido é um filme que precisa ser visto por todos os fãs de ficção científica, mas principalmente pelos trekkers, que o reconhecerão como o avô da primeira encarnação de Jornada nas Estrelas.
Material publicado originalmente no volume 6 da Coleção Trek Brasilis, de junho de 2020.