Leonard Rosenman, velho amigo de Leonard Nimoy, foi chamado para criar a música de Jornada nas Estrelas IV, que trouxe também jazz, punk e quase levou um Oscar.
Quando assumiu a cadeira de diretor em Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock, Leonard Nimoy pensou em chamar o compositor Leonard Rosenman, seu amigo de décadas, para criar a trilha sonora do longa. Harve Bennett, o produtor executivo e chefão de Star Trek nas telonas após o afastamento de Gene Roddenberry, não concordou, pois queria continuar com James Horner à frente da orquestra. Nimoy assentiu, mas depois, em Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa, já com mais peso junto aos executivos da Paramount, Rosenman foi convidado e aceitou ser o compositor da trilha sonora do filme que fechava a trilogia da cinessérie naquele momento.
Ele já era um premiado músico, veterano em Hollywood. Nascido na cidade de Nova York em 1924, esteve na Segunda Guerra Mundial e quando retornou aos Estados Unidos foi estudar música na Universidade da Califórnia em Berkeley. Começou sua carreira no cinema nos anos 1950, com dois filmes estrelados por James Dean, que era um de seus grandes amigos. Nos anos 1960 trabalhou bastante, com destaque para o filme Viagem Fantástica (1966). Entre outras obras importantes, em 1970 compôs para De Volta ao Planeta dos Macacos e em 1973 para A Batalha no Planeta dos Macacos.
Foi também o responsável pela trilha sonora da clássica animação O Senhor dos Anéis (1978), dirigida por Ralph Bakshi. Rosenman ganhou dois prêmios Oscar em anos consecutivos, por seu trabalho em Barry Lyndon (1975), filme de Stanley Kubrick, e por Bound for Glory, de 1976, que no Brasil foi chamado como Esta Terra é Minha Terra.
“Sou amigo de Leonard Nimoy há muito tempo, e este filme era o que ele achava que seria o melhor para eu trabalhar, pois era algo original, diferente dos outros, e onde eu poderia utilizar minhas
habilidades particulares e meus 30 anos de experiência e aprendizado no ramo”, contou Leonard Rosenman numa entrevista logo após o lançamento de Jornada nas Estrelas IV nos cinemas, no final de 1986.
A Volta para Casa era uma ficção científica, porém seguia bem as características próprias de Star Trek, ao permitir uma flexibilização a ponto de apresentar a história como uma leve comédia, mas com o valor intelectual e social tradicional da marca. O compositor então deixou de lado o caminho seguido anteriormente por Jerry Goldsmith em Jornada nas Estrelas: O Filme (1979) e por James Horner nas duas sequências (A Ira de Khan, em 1982, e À Procura de Spock, em 1984), para criar algo de sabor diferente. Rosenman apresentou ao diretor Nimoy a música dos créditos de abertura e do encerramento do filme. A do começo era o tema clássico de Jornada nas Estrelas dos anos 1960, escrito por Alexander Courage, com uma nova roupagem, mesclando-se timidamente com o tema central do novo longa, esse sim uma criação de Leonard Rosenman, que tocaria inteira no final.
“Criar um novo tema para Jornada era como nadar contra as ondas”, resumiu Rosenman. “Minha ideia original, e na verdade até mesmo era algo que o roteiro pedia, seria o tema de Courage no início. Eu pensei: ‘bem, se eu tiver que ir por esse rumo, farei um arranjo fantástico, do tipo que eles nunca ouviram antes’. Mas Leonard Nimoy achou que a melodia para os créditos finais tinha tanta energia que resolveu colocá-la também no começo. Mantive a famosa fanfarra da série de televisão, e o resto é todo meu.”
Vibrante e otimista, a música da abertura difere bastante dos temas dos filmes anteriores, porém lembra em vários momentos trechos do tema que Rosenman criou no passado para a animação O Senhor dos Anéis. “Embora pegue emprestado uma boa semelhança com a música do desenho animado, o resultado no geral é ótimo”, destacou o especialista em música de cinema Jeff Bond, no livro The Music of Star Trek. “Ela captura as qualidades de heróis que ainda têm o ímpeto de saírem vitoriosos em tarefas impossíveis.”
Rosenman trabalha bem o drama nas faixas que envolvem as baleias no século 20 e apresenta uma verdadeira valsa quando os mamíferos marinhos enfim estão livres da interferência do ser humano, após a viagem no tempo. Além disso, a trilha conta com faixas que trazem temas para a estadia da tripulação de Kirk em Vulcano, para o personagem Spock, e tem duas músicas envolvendo o navegador russo Pavel Chekov, um ponto alto na obra. “Chekov’s Run” é o título de uma delas, que toca enquanto o personagem vivido por Walter Koenig tenta se safar de agentes em seu encalço dentro do porta-aviões USS Enterprise CVN-65, atracado na Base Naval de Alameda. Com um som do estilo de Tchaikovsky do começo ao fim, a música é complementada por outra faixa, “Hospital Chase”, que ilustra a fuga de Kirk (William Shatner), McCoy (DeForest Kelley), Gillian (Catherine Hicks) e Chekov do hospital, num divertido tom circense que tira um
sorriso do rosto do espectador.
“Rosenman construiu uma trilha sonora que homenageia as raízes de Jornada na televisão. Sua música russa para Chekov lembra até a música irlandesa para Finnegan no episódio ‘Shore Leave’ do primeiro ano da Série Clássica”, afirmou o também compositor Joe Kraemer (de Missão Impossível: Nação Secreta, filme de 2015, entre outros trabalhos) em entrevista aos autores Edward Gross e Mark A. Altman, para o livro The Fifty-Year Mission – The First 25 Years.
Como boa parte do filme se passaria num cenário urbano, Nimoy sugeriu a utilização de alguma obra do compositor George Gershwin, porém Rosenman o lembrou de que o músico combinava mais com Nova York, como Woody Allen demonstrou algumas vezes, com mais ênfase em seu filme Manhattan (1979). O compositor trouxe então a bordo a banda Yellowjackets, que criou duas músicas no estilo jazz fusion, um gênero amplo que combina a musicalidade do jazz com elementos de outros estilos. Uma delas está no longa, e a outra apenas no álbum da trilha sonora. A que faz parte do filme tem o nome de “Market Street”, e toca quando Kirk e sua tripulação pousam em São Francisco e vão para as ruas atrás de informações sobre baleias-jubarte em cativeiro e navios com reatores nucleares.
Uma das sequências mais cômicas do filme de Jornada nas Estrelas é a pinça vulcana que Spock dá no “punk do ônibus”. O ator que interpretava o tal punk era Kirk Thatcher, também um dos produtores. Ele pediu a Nimoy para fazer a cena, pois tinha até o figurino ideal. Porém, era preciso uma música ofensiva o bastante para irritar Kirk e Spock dentro do transporte coletivo, já que o punk estava ouvindo um som alto em seu enorme rádio, típico dos anos 1980. Thatcher escreveu então “I Hate You”, junto com o designer de som do filme, Mark Mangini, e em tempo recorde reuniu uma banda, que chamou de Edge of Etiquette, para gravá-la. A cena foi filmada em 3 de maio de 1986.
Rosenman concluiu o filme novamente com parte do tema de Alexander Courage, quando a USS Enterprise-A é revelada. A trilha sonora de Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa acabou sendo indicada ao Oscar em 1987, perdendo para o filme Por Volta da Meia-Noite, com a música composta por Herbie Hancock. Após sua passagem por Star Trek, Leonard Rosenman ainda trabalhou em dezenas de filmes, entre eles Robocop 2, em 1990. O músico nos deixou em março de 2008, aos 83 anos, após sofrer um infarto.
Nas lojas – Junto do lançamento original de Jornada nas Estrelas IV nos Estados Unidos em novembro de 1986, a MCA Records colocou nas lojas a trilha sonora, em LP e fita cassete. Posteriormente, também a disponibilizou em CD. Esse álbum apresenta 11 faixas, com apenas 36 minutos de músicas. Com os temas de Leonard Rosenman, traz de bônus as duas músicas do grupo Yellowjackets. Além de “Market Street”, também vem com “Ballad of the Whale”, um jazz com muito saxofone, ao estilo de Kenny G, com cinco minutos de duração.
Em 2011 a gravadora Intrada lançou a versão expandida da trilha de A Volta Para Casa. Desta vez com 72 minutos de músicas em 24 faixas, o CD apresentou novidades, como a punk “I Hate You”, versões mais completas das melodias do filme e músicas alternativas, entre elas o primeiro tema para os créditos iniciais composto por Rosenman (e que você pode ouvir aqui) . O álbum trouxe um livreto caprichado de cerca de 20 páginas com todas as faixas comentadas pelos especialistas Lukas Candall e Jeff Bond.
Texto publicado originalmente no volume 21 da Coleção Trek Brasilis, de setembro de 2021.