TNG 6×06: True Q

Volta de Q aborda humanidade versus onipotência, mas não impressiona como antes

Sinopse

Data estelar: 46192.3

Enquanto trabalha para salvar o planeta Tagra IV de um colapso ambiental causado por poluição, a tripulação recebe Amanda Rogers, uma jovem estudante que foi agraciada, entre centenas de concorrentes, para servir a bordo da Enterprise. Mas ela tem um segredo que mantém escondido de seus colegas – possui poderes mentais extraordinários, incluindo a habilidade de fazer objetos aparecerem simplesmente ao imaginá-los.

Suas habilidades acabam descobertas ao conter uma uma súbita explosão devastadora na engenharia.  Quando os oficiais se reúnem para discutir o ocorrido, uma visitante surpresa dá o ar da graça para esclarecer tudo: Q. Ele revela que Amanda é uma Q e quer levá-la ao Continuum Q. Picard sente que Amanda deve tomar sua própria decisão, e Q, relutantemente, concorda. Em paralelo, o capitão ordena uma investigação sobre a morte dos pais naturais de Amanda, perdidos em um acidente na Terra quando ela era criança.

Q visita Amanda em seus aposentos e a ensina a ver seus pais mortos. Eles se materializam na frente dela. A sensação é aterradora, e, de repente, Amanda começa a se sentir como um Q. Confusa, ela divide seus sentimentos com Beverly Crusher.

Mais tarde, no bar panorâmico, Amanda encontra Riker com uma outra mulher. Enciumada, ela teleporta o comandante, por quem se sente atraída, para uma de suas fantasias românticas, mas fica desapontada com a artificialidade do resultado. Enquanto isso, Data descobre que o tornado que matou os pais de Amanda era extremamente incomum. Picard confronta Q com a informação, e ele admite que o casal foi executado pelo Continuum Q – e que ele veio à Enterprise para decidir se Amanda deve ser executada também.

Picard e sua tripulação decidem revelar a verdade a Amanda. Furiosa, a jovem confronta Q e exige saber que direito eles tinham de eliminar outras pessoas. Picard ironicamente lembra Q de sua suposta superioridade moral, mas Q responde que decidiu não sacrificar Amanda. Em vez disso, ele oferece a ela uma escolha. Ela pode acompanhá-lo de volta ao Continuum Q ou continuar a viver como uma humana – se prometer não usar seus poderes de Q.

Amanda imediatamente decide ficar a bordo da Enterprise com seus novos amigos. Naquele momento, entretanto, o grupo é alertado para uma emergência – um reator do planeta Tagra IV está em perigo de destruição imediata. Percebendo que milhares de pessoas morrerão, Amanda usa seus poderes e evita a tragédia. Além disso, limpa a atmosfera do planeta, restaurando seus ecossistemas devastados. O evento a força a aceitar o fato de que ela é uma Q, e ela decide, apesar da tristeza, ir ao Continuum Q.

Comentários

“True Q” é um episódio que fala das limitações que cada um de nós tem e das impossibilidade de superá-las, quando elas moram na própria natureza do indivíduo. A premissa é bem abrangente, tornando-se interessante não só para os personagens como também para a audiência, e é abordada com a sutileza necessária para evitar esfregar as mensagens contidas ali na cara do telespectador.

Ao mesmo tempo, a temática é introduzida de forma bem criativa e inusitada – usando justamente uma raça de capacidades supostamente ilimitadas, os Q, para demonstrar que todos encontram limitações, não impostas pelo meio, mas por sua própria existência enquanto ser vivo de uma determinada categoria.

Com a dificuldade de criar uma forma de demonstrar as limitações de um Q, o recurso é usar um truque: o que aparentemente é a força dessa espécie, sua onipotência, se torna sua fraqueza, quando é preciso que Amanda recuse seus poderes e assista passivamente a uma catástrofe ambiental de largas proporções em um planeta alienígena.

Incapaz de ser incapaz, Amanda descobre que sua limitação é justamente negar aquilo que ela é, achando ser possível simplesmente ignorar suas origens e sua natureza. Quando fica claro que não é, ela se reconcilia com suas raízes e aceita ser parte do Continuum Q.

Por um lado, foi um golpe de mestre usar os Q dessa forma. Por outro, para criar um legítimo drama humano envolvendo os próprios Q, foi necessário diluir essa espécie, humanizá-la, a fim de aproximar a história da audiência. Esse processo de erosão da singularidade representada por Q começa aqui, em A Nova Geração, mas só vai atingir seu ponto máximo em Voyager, onde descobrimos que a dimensão desses alienígenas tem crises bem provincianas, com direito a guerras civis, lutas pela procriação e coisas parecidas.

Aqui, por exemplo, descobrimos que um casal de Q visitou a Terra e decidiu renunciar a sua natureza e se tornar humano. Desse laço nasceu Amanda, uma Q nascida humana, mas ainda com os poderes de seus ancestrais.

Tendo em vista o fato de os Q já aí terem encontrado e se apaixonado pela humanidade, é difícil entender de onde o nosso famoso Q, interpretado por John de Lancie, tirou aquela ideia de julgar a humanidade, como visto em “Encounter at Farpoint”. Não é totalmente irreconciliável (afinal, para os Q, até o tempo é maleável), mas cria um ruído.

Além disso, o fato de os Q sempre terem uma vontade e uma tendência a se tornarem humanos traz à tona o velho “bairrismo” de Star Trek – apesar de mais primitivos ainda que muitas outras espécies, os humanos são a raça mais complexa e interessante de toda a galáxia! Ao menos, é o que parece pregar a série. (Ela é feita para humanos, então perdoa-se.)

Tudo isso tira um pouco da aura de superioridade e arrogância dos Q, o que não faz muito bem a eles. Felizmente, vira e mexe, os “velhos” Q reaparecem – como podemos verificar no genial “Tapestry”, mais à frente nesta temporada.

Este episódio não procura se concentrar nos personagens regulares – algo realmente raro na série, a essa altura do campeonato. Em vez disso, aposta todas as suas fichas na recém-chegada Amanda e no impagável Q. No primeiro caso, Olivia d’Abo não chega a impressionar (exceto, é claro, pelo charme), mas John de Lancie continua tão brilhante quanto de costume.

A química dele com Patrick Stewart é impressionante, e foi isso provavelmente que manteve Q tão interessante ao longo dos anos. Ao lado de outros capitães, como Sisko e Janeway, ele nunca mais foi o mesmo, apesar da sempre convincente roteirização do personagem e das competentes atuações de De Lancie.

Infelizmente o enredo em si não está à altura de sua interpretação. Recheado com material supérfluo (a subtrama com Amanda apaixonada por Riker soa falsa demais, talvez pela atuação pouco convincente, talvez pela falta de substância mesmo) e com um andamento cadenciado demais para permitir alguma empolgação por parte do público, o episódio acaba ficando como uma esquecível aparição de Q na série. Tendo em vista o potencial do personagem, o resultado poderia ter sido bem melhor. Mesmo assim, toda hora é uma boa hora para rever John de Lancie.

Avaliação

Citações

“Everything was normal and then, suddenly it’s like the laws of physics went right out the window.”
“And why shouldn’t they? They’re so inconvenient.”
(Tudo estava normal e então de repente foi como se as leis da física saíssem pela janela.)
(E por que não deveriam? Elas são tão inconvenientes.)
Geordi La Forge e Q

Trivia

  • A história se originou de um roteiro especulativo submetido por Matthew Corey, que tinha então apenas 17 anos. A premissa entusiasmou René Echevarria, que a descobriu ao ver uma estagiária lendo o roteiro. “Eu achei que havia um charme quando ela me disse que uma criança descobre que é Q.”
  • O roteiro de Corey tinha Wesley Crusher, um romance adolescente e gravidez indesejada. Embora os elementos não tenham sido aproveitados, Echevarria achou que o roteiro era “bem bom”.
  • Q não havia aparecido na quinta temporada. Duas histórias potenciais dele chegaram a ser desenvolvidas entre a quinta e o começo da sexta temporada, mas não funcionaram. Uma delas se chamava “Q Olympics”. E Jeri Taylor relembrou que outra dessas histórias, “Q Makes Two” foi uma “debacle” que levou “Man of the People” a ser acelerado para produção. Por conta disso, ela estava hesitante em considerar outra história de Q. Entretanto, achou que essa era “uma ideia maravilhosa, grande conceito”, e comprou a premissa.
  • Este foi o primeiro episódio de Echevarria como membro da equipe fixa de roteiristas. Ele ficou empolgado de poder contar a Corey da venda. “Foi meio que o espelho de três anos antes, quando Michael Piller me ligou um dia – depois de mais de um ano mandando roteiros para Star Trek e sendo rejeitado – e então eles dizerem que o queriam.”
  • Corey centrava sua história em um adolescente, o que Taylor presumiu que foi o jeito que encontrou para que ele mesmo pudesse fazer o papel.
  • O roteiro original dele se chamava “Q Me?”, e o título só mudou depois que as filmagens haviam sido concluídas.
  • Echevarria via similaridades entre o episódio e a série A Feiticeira, a ponto de batizar a jovem Q de Samantha em versões preliminares do roteiro. Rick Berman insistiu em que isso fosse mudado.
  • A subtrama de que Q talvez tivesse de matar Amanda foi incluída por Michael Piller, depois que várias cenas já haviam sido filmadas, inclusive a fantasia com Riker. Piller achou que era necessário adicionar tensão, e aí criou a cena em que Q encontra uma sombra no corredor. Echevarria diz que, se a equipe tivesse pensado nisso antes, o quarto ato provavelmente teria sido escrito de maneira diferente, com tons mais sinistros. Entretanto, ele não ficou insatisfeito com o resultado final.
  • Uma cena deletada trazia Deanna Troi levando um cachorro chamado Henry para Amanda cuidar, enquanto seu dono estava ocupado. A sequência foi perdida, mas o cachorro ainda pode ser visto brevemente no episódio.
  • A brecha no reator de dobra foi criada usando nitrogênio líquido e luzes piscantes especialmente preparadas. O efeito foi aprimorado em pós-produção com animação produzida pela empresa Digital Magic.
  • Depois de passar a quinta temporada em branco, John de Lancie trabalharia muito para Star Trek no biênio 1992-1993: começa aqui, com “True Q”, seguido por “Q-Less”, de Deep Space Nine, e terminando com “Tapestry”, de novo em A Nova Geração.
  • Michael Piller esperava trazer a malevolência inicial de Q neste episódio, mas acabou achando que ficou aquém do desejado.
  • A tentação de Amanda para usar os poderes do Q lembra o que aconteceu a Riker em “Hide and Q”, da primeira temporada. Disse Echevarria: “A premissa era similar, mas tentamos não nos sentir presos ao material da primeira temporada, porque muito não foi bem executado, e essa história era muito melhor. A reação dela era mais crível e foi uma escolha deliberada não trazer a questão da situação de Riker, já que algumas das escolhas e coisas pelas quais passou foram tão estranhas que era melhor esperar que muita gente não tivesse visto.”
  • Q diz aqui que o “o júri ainda está fora naquilo”, com referência ao julgamento iniciado em “Encounter at Farpoint”. De fato, o episódio final da série, “All Good Things…”, traria a continuação do julgamento. E, na segunda temporada de Picard, Q voltaria para assombrar Jean-Luc, dizendo que “o julgamento nunca termina”.
  • Crusher aparece com um novo penteado aqui, o que seria mantido para o resto da série. A peruca mais longa deixou de ser usada, e aqui vemos o cabelo de Gates McFadden, mais curto.
  • René Echevarria encarou assim o resultado final: “Q não era o meu negócio. Eu não o vivia e respirava como fazia com outros elementos da série. Mas eu gostei desse episódio em particular porque tinha uma pegada diferente. O personagem Q tinha uma presença maligna e trapaceira, mas era mais sobre a garota e a jornada dela. Tinha elementos de A Feiticeira e uma adolescente desabrochando e se empoderando e todo esse material bom. E uma atuação amável de Olivia d’Abo.”

Ficha Técnica

Escrito por René Echevarria
Dirigido por Robert Scheerer

Exibido em 26 de outubro de 1992

Título em português: “Poder Absoluto”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher

Elenco convidado

Olivia d’Abo como Amanda Rogers
John P. Connolly como Orn Lote
John de Lancie como Q

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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