TNG 5×16: Ethics

História traz grande aula de ética médica e espetáculo de Beverly Crusher

Sinopse

Data estelar: 45587.3

Worf é seriamente ferido quando um raio de fixação falha e faz com que um contêiner pesado caia sobre ele. Quando acorda na enfermaria, é recebido com uma notícia terrível – ele está paraplégico da cintura para baixo. Crusher informa que convocou uma especialista, a neurogeneticista Toby Russell, mas avisa a Worf que as chances de recuperar totalmente o movimento das pernas são mínimas. A notícia afeta o orgulho klingon do tenente, e ele se recusa a permitir que qualquer um, incluindo seu filho Alexander, o visite.

Discutindo o caso de Worf com Crusher, Russell propõe a implementação de uma técnica médica radical, que ainda está em estágio experimental. Beverly se recusa, indisposta a arriscar a vida de Worf quando ele não corre risco de morte. Worf, entretanto, acredita que sua vida já acabou. Ele pede a Riker que o ajude em seu suicídio cerimonial, citando a crença de que nenhum klingon deveria viver como objeto de pena ou vergonha, mas o primeiro oficial reluta.

Mais tarde, Crusher e Russell visitam Worf para discutir as opções. Elas apresentam implantes projetados para restaurar parcialmente o movimento de suas pernas, mas Worf recusa, dizendo preferir morrer a ser menos que o homem que era antes. Neste momento, Russell conta a Worf sobre a cirurgia experimental que poderia restaurar totalmente sua mobilidade. O movimento enfurece Crusher, que acredita que Russell está tentando usar Worf como cobaia para testar sua técnica. Eles discutem fora do quarto de Worf até serem chamadas para atender os sobreviventes da queda de uma outra nave estelar. Lá, Beverly fica ainda mais enfurecida quando Russell usa outra técnica experimental, que leva um paciente à morte. Incapaz de confiar em sua colega, Crusher dispensa Russell do serviço.

Worf continua se recusando a considerar os implantes e insiste em querer morrer. Por causa disso, Picard tenta convencer Crusher a permitir que Russell prossiga com a cirurgia experimental, mas Beverly permanece contra. Ao mesmo tempo, Riker confronta Worf, lembrando-o de que a lei klingon dita que é o filho de Worf, e não Riker, quem deve ajudá-lo a cometer o suicídio. Incapaz de negar isso, Worf abandona a ideia de se matar e pede para tentar a cirurgia de Russell.

Relutantemente, Crusher concorda e, juntas, ela e Russell, conduzem a operação. A técnica parece inicialmente estar funcionando, mas Worf repentinamente tem uma parada cardíaca e morre na mesa de cirurgia. Crusher tenta desesperadamente revivê-lo, mas no fim é obrigada a aceitar que ele se foi. Contudo, graças a uma reação bioquímica klingon misteriosa, Worf subitamente revive alguns minutos depois e começa a se recuperar. Crusher, entretanto, é incapaz de perdoar Russell por ter colocado em risco a vida de seu colega e amigo.

Comentários

“Ethics” é um episódio que deveria ser de exibição obrigatória em qualquer curso de medicina. O enredo toca em várias questões polêmicas da profissão, todas extremamente efervescentes nos dias atuais, e a presença marcante de Beverly Crusher, em um dos poucos episódios em que ela recebe um papel significativo, é um exemplo digno de nota para qualquer médico ou aspirante.

Por incrível que possa parecer, o episódio é extremamente verossímil, do começo ao fim. Embora seja difícil, em princípio, acreditar que a neurologia esteja tão pouco desenvolvida no século 24 a ponto de permitir que um homem fique paraplégico após quebrar a coluna, o fato de Worf ser klingon salva a premissa. Graças à cultura dos klingons aplicada aos feridos, mas não mortos, é fácil entender por que esta espécie não se preocupou muito em desenvolver tratamentos para deficientes físicos. Seria muito mais fácil – e honroso, do ponto de vista deles – matar o doente do que tratá-lo.

Com isso, o cenário está pronto para duas discussões centrais. Primeiro, a eutanásia – polêmico procedimento médico em que se exclui o suporte de vida de um paciente, com base no fato de que seu sofrimento não seria justificável, uma vez que estaria apenas adiando sua morte e ampliando uma sobrevida quase insuportável. Claro, aqui a coisa fica mais interessante, pois a eutanásia é elevada a enésima potência – Worf está muito longe de uma condição terminal.

Isso aproxima o klingon muito mais do suicídio do que da eutanásia – e permite a introdução de um fator muito interessante nos casos suicidas: o egoísmo inerente ao ato. Worf, ao querer a própria morte, está ignorando todos os seus amigos e familiares, inclusive o filhinho Alexander, que querem que ele siga vivendo.

Por esta razão, o diálogo de Riker com Worf é bastante tocante, assim como a reação do klingon ao desistir do procedimento, principalmente por seu filho. As cenas entre Worf e Alexander funcionam de forma bonita e genuína. É impossível ficar alheio à sequência em que Worf conta a Alexander que desistiu do suicídio e irá tentar o procedimento médico experimental. Quando o menino, ao sair, se volta para olhar para seu pai, é possível ver lágrimas brotando dos olhos dos telespectadores mais sensíveis.

Tão pungente quanto é a cena em que Alexander confronta seu pai morto. E a “ressurreição” de Worf, embora seja um pouco forçada, funciona bem como um fechamento para o episódio, pois demonstra o quanto estava errada a posição de Russell (e ainda assim dá uma chance à série de não perder seu oficial de segurança favorito).

O segundo tema médico do episódio, e o mais interessante e atual, é o da chamada medicina experimental com seres humanos. Produzido em 1991, ele trata um tema recorrente. Nos fim dos anos 1990, experimentos de terapia genética com enorme potencial, mas risco alto, começaram a aparecer e exigiram ação enérgica de comitês de ética, sobretudo após a morte do voluntário americano Jesse Gelsinger, que tinha uma doença grave, mas não letal, no fígado e passou por um procedimento de terapia gênica que o levaria à morte, em 1999. Duas décadas depois, durante a pandemia de Covid, o uso indiscriminado de drogas sem eficácia comprovada, como cloroquina e ivermectina, em virtuais experimentos descontrolados e maciços na população brasileira, mostrou que a discussão da ética médica ainda parecia à margem da atuação de muitos desses profissionais.

É óbvio que a única forma definitiva de confirmar a eficácia de um tratamento é testando-o em seres humanos. Mas, antes disso, uma longa jornada de testes de laboratório, in vitro e in vivo com animais, precisa ser percorrida. Basta, de novo, lembrar o caminho percorrido pelas vacinas durante a pandemia de Covid, testadas em animais e em grupos de humanos ao longo de várias fases, antes de serem liberadas para uso populacional. No episódio, a técnica da dra. Russell claramente ainda tinha muitos passos a percorrer antes de chegar ao ponto de ser testável em humanos.

Entretanto, ela comete um erro que muitos cientistas correm o risco de cometer (e alguns cometem com frequência): colocar a pesquisa à frente do bem-estar dos pacientes. Crusher faz muito bem ao citar o princípio de Hipócrates para a medicina, “não fazer mal”. Um médico jamais pode pregar qualquer tratamento que possa colocar em risco a vida de um paciente sem antes ter a certeza de que ele tem uma chance razoável de sucesso e de que ele é a melhor opção viável. Claramente não era o caso na técnica de Russell.

Nesse ponto, somos colocados em uma posição incomum: acabamos ficando mais do lado da dra. Crusher do que do capitão Picard, que defende abertamente o modo de vida klingon como uma opção viável para Riker, e advoga que Beverly devesse dar a Worf a chance de optar pelo tratamento experimental. Claro que isso não faz com que Jean-Luc seja um “vilão” da história (papel claramente atribuído a Russell, principalmente na cena em que ela “mata” um paciente ao usar um tratamento experimental), mas nos deixa na cômoda situação de vê-lo se equivocar – o que é muito raro ao longo da série.

Embora ele tome posições muito sensatas e aparentemente defensáveis, é óbvio que ele desprezou dois fatores fundamentais. Com Beverly, jogou a ética médica pela latrina, julgando-a flexível o suficiente para adaptar-se ao modo de vida klingon. Fosse isso verdade, não seria necessário nenhum esforço para tratar Worf – klingons desprezam feridos como ele, e o procedimento correto seria ajudá-lo a se matar.

Com Riker, colocou os direitos individuais de Worf à sua própria morte acima dos do primeiro oficial, para não falar nos interesses da nave e de sua tripulação, que perderia um amigo querido, um colega e um oficial competente, que poderia muito bem recuperar suas funções ao usar os implantes que devolveriam 60% de sua mobilidade.

E se Picard teve a perder defendendo essas posições, quem saiu ganhando mais, de longe, foi Beverly Crusher. Normalmente relegada a um papel nulo ao longo dos episódios, em “Ethics” vemos um momento especial para a doutora, que pôde mostrar todos os seus princípios médicos, sua integridade de caráter e sua competência. Gates McFadden não perde a oportunidade e nos dá uma de suas melhores interpretações. A frustração de Beverly ao perder Worf na sala de cirurgia é indescritível.

“Ethics” não tem os tiroteios de “The Best of Both Worlds”, as complexidades técnicas de “Yesterday’s Enterprise”, a nostalgia de “Unification” ou a trama política de “Redemption”. Mesmo assim, torna-se um episódio especialíssimo pela verdade das questões que aborda e a honestidade e o discernimento com que as discute. Mais que uma hora de entretenimento, é um aviso para médicos, cientistas e opinião pública. É Star Trek exercendo seu papel na sociedade, como idealizava seu criador, Gene Roddenberry.

Avaliação

Citações

“I’ve done dozens of holo-simulations. The success rate is up to 37 percent.”
“Even a holographic patient would balk at those odds.”
(Eu fiz dezenas de holossimulações. A taxa de sucesso chega a 37 porcento.)
(Até um paciente holográfico hesitaria com essas chances.)
Toby Russell e Beverly Crusher

Trivia

  • Ronald D. Moore considerou uma tarefa difícil escrever o episódio. “Eu não era grande fã de fazer episódios médicos para começar, e esse em particular tinha uma tonelada de jargão médico e tecnologia e ética médica.”
  • Herbert J. Wright chegou a sugerir que o procedimento experimental fosse mais grotesco, envolvendo criaturas liberadas na corrente sanguínea de Worf para comer as partes danificadas de seu corpo. A ideia foi rejeitada para que os elementos de ficção científica não distraíssem do drama.
  • Houve debates internos entre a produção sobre como lidar com a questão da eutanásia e viver com uma condição especial. Para Moore, a posição de Worf era óbvia. “Ele não iria querer viver daquele jeito. Ele é um klingon, e um klingon iria querer ser morto.” Contudo, tanto para o dilema de Worf como para o conflito entre as médicas, ele buscou mostrar as diferentes posições de forma justa. Ele comentou: “O equilíbrio era garantir que ambos os lados da discussão tivessem validade, fossem posições reais e convincentes.”
  • O showrunner Michael Piller comentou: “Eu adoro cinzas. Não gosto de preto e branco. Não gosto de responder perguntas tão facilmente para a audiência. […] Com ‘Ethics’, de novo, fomos bem longe para não tornar fácil para a audiência saber qual era a coisa certa a fazer. Acho que tivemos muito sucesso com esse.”
  • O diretor Chip Chalmers revelou que a cena em que Riker e Worf discutem era para ser ainda mais acalorada, com os dois atores gritando “nariz com nariz”. No último minuto, isso foi cortado, por julgarem que foi longe demais. Ainda assim, Chalmers ficou feliz de como as coisas esquentaram entre os personagens no episódio, contrariando o padrão da série.
  • “Ethics” foi filmado entre 11 e 20 de dezembro de 1991, nos galpões 8, 9 e 16 da Paramount. Foi o último episódio filmado naquele ano.
  • Durante a maior parte da cirurgia, Worf foi vivido pelo dublê Al Foster.
  • Os contêineres que caíram sobre Worf (na verdade o dublê Rusty McClennon) eram feitos de isopor.
  • Numa realidade alternativa mostrada no episódio “Parallels”, da sétima temporada, Troi e Worf se apaixonam após a cirurgia dele e se casam logo depois.
  • Enquanto o capitão Picard encoraja Riker a considerar participar do suicídio ritual de Worf, Odo detém Worf, e Sisko passa um sabão nele por tentar um procedimento similar com seu irmão Kurn, em “Sons of Mogh”, de Deep Space Nine.
  • Os uniformes cirúrgicos vermelhos voltam neste episódio, depois de terem sido vistos em “Samaritan Snare”, da segunda temporada.

Ficha Técnica

História de Sara Charno & Stuart Charno
Roteiro de Ronald D. Moore
Dirigido por Chip Chalmers

Exibido em 2 de março de 1992

Título em português: “Ética”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher

Elenco convidado

Caroline Kava como Toby Russell
Brian Bonsall como Alexander Rozhenko
Patti Yasutake como Alyssa Ogawa

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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