Terror com os gorns, grandes estudos de personagens e uma triste despedida
Sinopse
Data estelar: 2510.6
A Enterprise está em rota para a Estação K-7, onde tem de entregar suprimentos urgentes, quando recebe outro pedido de socorro prioridade um, da nave USS Peregrine, acidentada no planeta classe L Valeo Beta V. As cadetes Uhura e Chia estão encerrando seu período de serviço a bordo, e Pike decide levá-las, junto com o recém-promovido tenente Duke, em uma última missão avançada. Um grupo descerá a Valeo Beta V, em duas naves auxiliares, para prestar auxílio à Peregrine, driblando assim o bloqueio de comunicação, sensores e transporte do planeta, enquanto Una levará a Enterprise à Estação K-7 para cumprir a outra missão.
No planeta, Pike, Spock, Hemmer, La’an, Sam Kirk, Uhura, M’Benga, Chapel, Chia e Duke encontram a tripulação da Peregrine morta. Ao abordarem a nave, um registro do diário da capitão indica o que aconteceu: a nave havia resgatado uma menina humana, acompanhada por um órion e outro alienígena, mas o órion estava infectado com ovos gorns. O contaminado tentou impedir que eles eclodissem detonando uma bomba na engenharia, o que causou a falha geral da nave e propiciou o acidente.
De posse dessa informação, Pike ordena a Spock e Hemmer que se coordenem para efetuar os reparos possíveis na nave, enquanto o resto do grupo vai atrás de dois sinais de vida: um humano e outro desconhecido. Próximo à enfermaria, eles encontram a garota, Oriana, que está sendo protegida por um alienígena que ela chama de Buckley. M’Benga e Chapel prestam assistência aos dois, enquanto Duke, sob a supervisão de Spock, é ferido. No fim das contas, Buckley também está infectado com ovos gorns, que eclodem e o matam, libertando quatro jovens, rápidos e ferozes répteis. Um deles mata outro, e os três matam a cadete Chia. Soltos pela nave, eles atacam o tenente Duke. Pike acerta um deles com um tiro de feiser, mas os dois remanescentes matam Duke e o levam consigo.
Hemmer trabalha com Uhura na engenharia, concluindo quase todos os reparos, até que um dos gorns acaba aparecendo e dispara o que parece ser veneno no aenar. A equipe se reagrupa na enfermaria e planeja os próximos passos. Explorando o fato de que os gorns não se adaptam ao frio, preparam uma armadilha usando o sistema de controle térmico da nave. O plano é, usando a si mesmos como isca, atrair os dois gorns para que enfrentem um ao outro, e depois atrair o último à área de carga, onde será morto por congelamento. A estratégia dá certo, e a Peregrine está no melhor estado possível para a volta ao espaço – mas Hemmer foi contaminado por ovos gorns. Ele decide se sacrificar, para a tristeza de toda a tripulação e em particular de Uhura.
De volta à Enterprise, a tripulação realiza uma cerimônia fúnebre para os três mortos na missão. Uhura decide que quer permanecer na nave, Spock demonstra descontrole de suas emoções e La’an pede uma licença a Pike para seguir uma pista e tentar encontrar a família de Oriana, fora do espaço da Federação.
Comentários
“All Those Who Wander” é a primeira investida de Strange New Worlds no gênero do terror, com uma história que faz uma explícita homenagem ao clássico Alien, o Oitavo Passageiro. Uns diriam até que passou do ponto da referência e beirou o plágio. Mas fato é que, com gorns saindo das vísceras de um alienígena e tudo, tivemos um segmento extremamente efetivo no que se propõe a evocar – o drama e o medo claustrofóbico de estar preso num ambiente fechado, perseguido por monstros.
Em meio à ação, temos um efetivo estudo de personagens, com destaque para Uhura, La’an e Spock, além de uma despedida bastante sentida, com a surpreendente morte de Hemmer. Quando abrimos o episódio conhecendo a cadete Chia e o tenente Duke, é inevitável pensar que os dois personagens, subitamente materializados e jogados aos holofotes, estão marcados para morrer. Mas a perda de Hemmer vem como uma surpresa, meio que para demonstrar que Strange New Worlds, apesar de lidar com tantos personagens cujos destinos são conhecidos, ainda oferece altos riscos.
Após a exibição do episódio, o escritor Davy Perez revelou que o plano da sala de roteiristas sempre foi introduzir Hemmer sabendo que ele seria morto ao final da primeira temporada. O ator Bruce Horak foi contratado ciente disso e, embora os produtores tenham voltado a discutir o tema após verem as primeiras aparições de Hemmer e o carisma natural do ator e do personagem, a decisão de sacrificar o engenheiro-chefe da Enterprise foi mantida. O que torna seu sacrifício extremamente efetivo, e com a ressonância certa em todos que buscava atingir: a audiência, Spock e Uhura.
Olhando em retrospecto, é possível enxergar a função de Hemmer no arco da temporada: ele está lá para ajudar Uhura a encontrar seu lugar, aceitar algum senso de propósito e pertencimento. Os dois têm uma interação charmosa em “Children of the Comet”; depois Hemmer estabelece sua relação de mentoria com a jovem cadete em “Memento Mori”, quando telegrafa o que estaria no seu futuro, falando de seu senso de propósito, “consertar o que está quebrado”, e que estava pronto para morrer. Aqui, ao fazer o sacrifício final, tudo aquilo que parecia apenas se referir àquele momento, passa a ter sentido completo. Hemmer foi para Uhura essencialmente o que Obi-Wan Kenobi fora para Luke Skywalker em Star Wars: um guia sábio que ajuda sua pupila a encontrar o caminho rumo ao seu destino – que, todos sabemos, é ficar na Enterprise.
Muito interessante também é ver Spock reagindo ao sacrifício de Hemmer e elogiando a lógica da escolha. Os apaixonados pelo cânone verão aqui alguma inspiração para que, décadas depois, o vulcano tomasse a decisão rápida de se submeter a doses fatais de radiação para salvar a nave e a tripulação da Enterprise da detonação do torpedo Gênesis, em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan. Também é parte do quadro que vai se formando (somado à morte de Duke e à necessidade de deixar aflorar seus sentimentos a fim de atrair os gorns) para deixá-lo furioso e fora de controle, o que culmina com uma cena muito efetiva entre ele e Chapel, em que a química de Ethan Peck e Jess Bush brilha mais uma vez.
Se Hemmer e Uhura encontram seus respectivos destinos, e Spock parece meio deslocado na busca do dele, também vemos aqui outra personagem passar a uma nova etapa da superação de seu trauma de infância: La’an. É muito interessante como se desenrola o arco da personagem neste episódio, em que vemos a conversão do ódio descontrolado dos gorns em um novo senso de propósito, quando ela decide ajudar Oriana a encontrar sua família e, de certa forma, fazer pela menina o que a Frota Estelar e Una fizeram por ela, ajudando-a a superar sua culpa de sobrevivente.
Mais uma vez mostrando o grau de sintonia que os roteiristas desenvolveram rapidamente com sua família de personagens, temos alguns momentos curtos, mas interessantes, com os demais membros do elenco: M’Benga mostra que ainda não superou completamente a perda de sua filha; Sam Kirk deixa transparecer algum descontrole e até mesmo preconceito ao se revoltar com a frieza de Spock em meio a uma situação de extremo perigo; e Ortegas ganha a função de usar sua ironia para prestar homenagem final a Hemmer. Notoriamente fazendo apenas sobrevoo no episódio está o capitão Pike, que se mostra majoritariamente reativo, em vez de proativo, e não tem a chance sequer de demonstrar algum sofrimento pelas escolhas feitas – bem ou mal, suas decisões levaram à perda de três tripulantes.
Tudo isso vem empacotado em uma trama muito bem dirigida por Christopher J. Byrne, que já havia demonstrado seu talento para misturar tensão, drama psicológico, suspense e terror em Discovery e agora volta a emprestar seus talentos a Star Trek com Strange New Worlds. A USS Peregrine, da classe Sombra, convenientemente é quase uma réplica da Enterprise (troca-se apenas o vermelho pelo azul na paleta de cores interna da nave), permitindo o uso dos cenários regulares, apenas redecorados para representarem uma nave acidentada e muito danificada.
Um destaque especial vai para o trabalho de maquiagem prostética, que criou um alienígena muito interessante visualmente com uma prótese animatrônica. A escolha de trabalhar com marionetes para recriar os gorns também foi muito feliz – usando pouca incrementação digital e cenas rápidas, esses alienígenas nunca estiveram tão assustadores.
O que, por outro lado, evoca a questão: é possível reconciliar o que vemos aqui com a continuidade estabelecida na Série Clássica, que mostra um gorn adulto extremamente lento em “Arena”? Francamente, é questão de foro íntimo. Trata-se de mais uma daquelas finas no cânone que Strange New Worlds vem tirando como parte de sua assinatura identitária, e cabe a cada espectador decidir se funciona ou não. Aqui, como são apenas gorns recém-nascidos, em princípio não há nada irremediavelmente incompatível.
Por fim, cabe destacar o uso ousado – mas não totalmente efetivo – do AR Wall a fim de recriar a superfície do planeta gelado Valeo Beta V. Há algumas tomadas bem convincentes, outras nem tanto, mostrando que ainda há o que aprimorar no uso da tecnologia. A melhor definição do uso talvez seja “custo-efetiva”: não chega a dar espetáculo, mas cumpre sua função na história por um preço que a produção pode pagar.
E terminamos o episódio com Uhura convencida a permanecer a bordo, e La’an partindo para uma aventura solo – em ambos os casos, tramas pessoais que ainda ensejam continuações.
Avaliação
Citações
“Hemmer, you don’t have to do this.”
“But, Captain, my sacrifice will save the lives of those I care most about. For me, there is no other choice.”
“A logical conclusion.”
“Live long and prosper, my friend.”
(Hemmer, você não tem de fazer isso.)
(Mas, capitão, meu sacrifício vai salvar as vidas das pessoas com quem mais me importo. Para mim, não há outra escolha.)
(Uma conclusão lógica.)
(Vida longa e próspera, meu amigo.)
Pike, Hemmer e Spock
“I want to leave you with one last piece of advice: open yourself. Make a home for yourself amongst others and you will find joy more often than sadness.”
(Quero deixá-la com um último conselho: se abra. Faça-se à vontade entre os outros e você encontrará alegria muito mais que tristeza.)
Hemmer, para Uhura
Trivia
- Este é o segundo crédito de escrita de Strange New Worlds para o coprodutor executivo Davy Perez, que coescreveu “Memento Mori” e teve experiência neste gênero antes, depois de ter trabalhado em várias temporadas de Supernatural.
- O escritor Davy Perez reconheceu que o episódio foi influenciado por filmes tais como Alien e Predador, A Coisa e Gremlins.
- Este é o quarto crédito de Star Trek para o diretor Christopher J. Byrne, que dirigiu três episódios de Discovery.
- O título do episódio parafraseia o ditado popular cunhado pelo autor J.R.R. Tolkien: “Nem todos os que vagueiam estão perdidos”. Esta frase fazia parte de um poema maior em seu romance de 1954 The Fellowship of the Ring (A Irmandade do Anel): “Tudo o que é ouro não brilha / Nem todos os que vagueiam estão perdidos; / O velho que é forte não murcha, / Raízes profundas não são alcançadas pela geada. / Das cinzas um fogo será despertado, / Uma luz das sombras brotará; / Renovada será a lâmina que foi quebrada, / O sem coroa novamente será rei”. O romance também foi transformado em vários filmes, sendo a versão mais popular O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel.
- Ortegas chama Hemmer de Blue Meanie em uma rara referência dos Beatles no mundo de Star Trek. Os Blue Meanies são um exército fictício de seres ferozes, embora bufões, que odeiam música e os principais antagonistas no surreal filme de animação dos Beatles de 1968, Yellow Submarine.
- Numa nova entrevista com Bruce Horak publicada no The Hollywood Reporter, o ator confirmou que, embora o seu tempo como Hemmer tenha terminado, ele não terminou com o mundo de Star Trek – uma coisa boa para um bom membro deste elenco.
- A USS Peregrine é descrita como uma nave estelar da classe Sombra, construída usando partes da classe Constitution para servir como uma espécie de nave exploradora rápida. Há semelhanças entre os dois designs, embora com algumas diferenças distintas, incluindo as tampas de nacele vermelha mais escura e um casco secundário mais curto.
- O nome da classe de naves, Sombra, é uma alusão apropriada aos tons escuros deste episódio.
- M’Benga serviu anteriormente em uma nave da classe Sombra.
- O esquema de cores internas da Peregrine – uma correção dos conjuntos da Enterprise usando azuis e cinza em vez das laranjas e pretos brilhantes – pode ser uma homenagem ao esquema original de cores da ponte da Enterprise, definida em “The Cage”.
- Também como em “The Cage”, as jaquetas de missão do grupo de desembarque incluem capuzes para proteger os tripulantes do ambiente, juntamente com óculos de proteção que lembram os usados pela Número Um e pelo Dr. Boyce nessa produção original.
- O principal destino da Enterprise esta semana foi a Estação Espacial Profunda K-7, o cenário principal de “The Trouble With Tribbles”. A proximidade da K-7 ao planeta Valeo Beta V implica que este espaço, potencialmente ocupado pelos gorns, pode estar bastante próximo das fronteiras do Império Klingon.
- Emma Ho, que interpreta a jovem sobrevivente Oriana, é irmã gêmea de Ian Ho, que retratou o jovem Primeiro Servo de Majalus em “Lift Us Where Suffering Cannot Reach” há apenas algumas semanas. A dupla também apareceu junta como irmão e irmã no prólogo Strange Dogs na temporada final de The Expanse.
- Este episódio marca a quarta ocasião em que uma série de Star Trek matou um de seus personagens principais em sua primeira temporada. A primeira instância foi o episódio “Skin of Evil” de A Nova Geração, no qual a tenente Natasha Yar foi morta pela entidade conhecida como Armus. A segunda instância foi a morte de Gabriel Lorca no episódio “What’s Past Is Prologue” de Star Trek: Discovery. A terceira instância foi o episódio final da primeira temporada de Lower Decks, “No Small Parts”, no qual o tenente Shaxs foi morto em uma batalha contra os pakleds, embora Shaxs tenha sido ressuscitado mais tarde na segunda temporada.
- A Enterprise tem um conselheiro, apelidado “encolhedor de cabeças” por La’na, chamado Dr. Sanchez para “Assistência à Recuperação da Frota Estelar”.
- As células de energia da estação K-7 usaram vidium, uma nova substância de Star Trek possivelmente relacionada com invidium, utilizada no século 24 para contenção biológica, vista no episódio “Hollow Pursuits” de A Nova Geração.
- Valeo Beta V é classe L, o segundo planeta deste tipo pouco habitável visto na série. O primeiro foi Prospecto VII do 6º episódio.
- O código de comando do Pike é 246810, que M’Benga reconheceu como usado durante algum tempo.
- Tem havido múltiplos navios nos EUA e na Marinha Real com o nome de Peregrine, em referência a um tipo de falcão. No século 24, os maquis utilizam naves de correio da classe Peregrine.
- Aprendemos um pouco mais sobre Oriana. O nome de sua mãe é Machalka e ela estava viajando no Gallouch/Gallough, um cargueiro modificado semelhante à classe Antares, de Meslah V para as Colônias Betteen.
Ficha Técnica
Escrito por Davy Perez
Dirigido por Christopher J. Byrne
Exibido em 30 de junho de 2022
Título em português: “Aqueles Que Vagam”
Elenco
Anson Mount como capitão Christopher Pike
Ethan Peck como oficial de ciências Spock
Jess Bush como enfermeira Christine Chapel
Christina Chong como La’an Noonien-Singh
Celia Rose Gooding como cadete Nyota Uhura
Melissa Navia como tenente Erica Ortegas
Babs Olusanmokun como Dr. M’Benga
Bruce Horak como Hemmer
Rebecca Romijn como Una Chin-Riley
Elenco convidado
Dan Jeannotte como George Samuel Kirk
Carlos Albornoz como Buckley
André Dae Kim como chefe Kyle
Jessica Danecker como cadete Chia
Emma Ho como Oriana
Jennifer Hui como alferes Christina
Ted Kellogg como alferes/tenente Duke
Cameron Roberts como Manu
Liza Seneca como capitã Alice Gavin
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Trivia de Maria Lucia Racz
Revisão de Susana Alexandria