Roma não foi feita em um dia, e a Federação também não
Sinopse
Data: 19 de janeiro de 2155
Um misterioso bebê é tratado em uma instalação clandestina, e ele é um híbrido humano-vulcano. Na Terra, a tripulação da Enterprise acompanha a cerimônia de uma reunião interestelar com o objetivo de fundar uma coalizão de planetas. O ministro Nathan Samuels tem todos os holofotes, até que uma pessoa ferida por feiser irrompe na conferência, entrega uma amostra de cabelos a T’Pol e diz que “eles irão matá-la”, morrendo em seguida.
Phlox analisa a amostra e constata que se trata de um bebê de seis meses, filho biológico de T’Pol e Tucker – embora ela jamais tenha ficado grávida. Archer pede que Reed faça contato com a Seção 31 em busca de informações. O capitão também pressiona Samuels. Descobre-se que a mulher morta era membro de um grupo xenófobo chamado Terra Prime. Eles são liderados por John Frederick Paxton, um seguidor dos ensinamentos fascistas do coronel Green, figura central da Terceira Guerra Mundial. Paxton comanda a instalação de mineração Orpheus, na Lua, onde estão muitos dos membros da organização Terra Prime. Trip e T’Pol se infiltram lá, em busca de respostas, mas são identificados e capturados.
Enquanto isso, na Enterprise, Travis Mayweather recebe a visita de uma velha amiga, uma jornalista chamada Gannet. Ela também acaba se revelando uma espiã do grupo Terra Prime. Archer perde contato com T’Pol e Trip e na Lua, e a Enterprise detecta que a própria instalação Orpheus está decolando e parte em dobra para Marte. Lá, ela desce ao lado da instalação de vérterons, armamento de feixe de partículas usado para desviar cometas, e passa a controlá-la. Após um disparo de aviso contra a Lua, Paxton faz uma transmissão, com um ultimato: todo e qualquer alienígena deve deixar o Sistema Solar em 24 horas ou ser destruído…
Comentários
“Demons” é mais um episódio que orna maravilhosamente com a premissa de Enterprise, mostrando o duro trabalho de formar os alicerces do que viria a ser a Federação. Abrindo um segmento em duas partes, ele faz isso sem se descuidar dos personagens e explorar as relações entre eles. Em foco, claro, o casal T’Pol e Trip, enfrentando uma crise pessoal ao mesmo tempo misteriosa e profundamente tocante.
Para além dos dois, vale destacar que praticamente toda a tripulação teve papel importante, ainda que modesto, no episódio. Reed explorou seu elo com a Seção 31; Hoshi foi a responsável por descobrir o “grampo” nos tradutores universais e expor Gannet como espiã; Phlox teve boas cenas revelando a existência do bebê e aconselhando Trip; Archer mostrou mais uma vez seus “calos de explorador” lidando com um político capaz de inspirar pouca confiança, Nathan Samuels; e Mayweather, o mais negligenciado dos personagens de Enterprise, ganha um presentinho aqui, com um papel importante e recheado de cenas em sua relação com Gannet. Infelizmente, Anthony Montgomery não consegue fazer muita coisa com o material, mas pelo menos vimos um pouco mais do piloto da nave.
Quem rouba a cena, contudo, é John Frederick Paxton, interpretado pelo grande Peter Weller. Aqui a ideia é mostrar que a proposta de construir uma Federação Unida de Planetas (neste ponto chamada apenas de Coalizão) seria recebida com desconfiança pelos humanos, ainda mais após o ataque xindi à Terra. A premissa nasce diretamente da ambientação da série, trazendo uma humanidade menos “resolvida” no século 22 e, ao mesmo tempo, explorando as consequências do que vimos na temporada passada.
De quebra, temos mais um retrato à la Jornada nas Estrelas de como as pessoas podem se deixar seduzir por discursos fascistas quando se veem sob a sensação de medo ou ameaça. A escolha de usar o coronel Green como o “ídolo” de Paxton é inteligente para além da fissura do showrunner Manny Coto com a história de Star Trek (Green é um dos facínoras recriados pelos excalbianos no episódio “The Savage Curtain”, da Série Clássica). Sim, temos aqui mais informações sobre onde ele se encaixa na cronologia da saga e como. Mas o maior valor que ele tem é ser essencialmente um desconhecido, por quem a audiência não tem a priori grandes paixões.
Se Paxton estivesse assistindo a um discurso de Hitler ou Mussolini, a audiência provavelmente rolaria os olhos, desprezando a possibilidade de que tal figura pudesse ter ainda seguidores no século 22. Usando Green, o público precisa julgar o discurso (dele e de Paxton) por si só, e é arrepiante ver como ele guarda alguns paralelos com coisas que estivemos ouvindo no século 21 (tanto na época em que o episódio foi produzido, com a xenofobia que brotou nos EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001, como mais adiante, com discursos nacionalistas e eugenistas que conquistaram corações e mentes na década seguinte). Comentário social na veia, ao melhor estilo de Star Trek.
Para além disso, vale destacar como o episódio explora bem cenários do Sistema Solar, sendo parcialmente ambientado na Lua e terminando em Marte. É sempre legal ver como está o nosso “quintal” em Star Trek, e Enterprise é uma série que tem vocação para mostrá-lo mais que suas contrapartes ambientadas nos séculos 23 e 24.
No mais, o segmento termina com um bom cliffhanger e uma série de pontas soltas para atar, mostrando que a Federação, a exemplo de Roma, não foi mesmo construída em um dia…
Avaliação
Citações
“I’m returning Earth to its rightful owners. I am giving Earth back to Humanity, back to Human beings. It is my life’s work. It is what I was born to do, and there is no one, not an alien, not a Human, that will stop me from achieving it.”
(Estou devolvendo a Terra aos legítimos donos. Estou devolvendo a Terra à humanidade, aos seres humanos. É o trabalho da minha vida. É o que nasci para fazer, e não há ninguém, nem alienígena, nem humano, que vai me impedir de realizá-lo.)
John Frederick Paxton
Trivia
- O roteiro final deste episódio ficou pronto em 3 de fevereiro de 2005, um dia depois do anúncio da UPN de que havia cancelado a série. As filmagens ocorreram entre 4 e 14 de fevereiro.
- Este foi o nono e último episódio de Enterprise dirigido por LeVar Burton (Geordi La Forge), que já havia ocupado a função em segmentos de A Nova Geração, Deep Space Nine e Voyager.
- Segundo Manny Coto, o título do episódio se refere aos demônios da intolerância que a humanidade precisa derrotar antes que possa formar a Federação Unida de Planetas.
- Como showrunner desta quarta temporada, Coto tinha como um dos objetivos encaixar o coronel Phillip Green em algum episódio. De início, ele apareceria em “Borderland”, abrindo o arco dos aumentados, mas aquele episódio acabou reescrito para incluir Arik Soong, uma vez que Brent Spiner ficou disponível para o papel.
- O ator Peter Weller é mais conhecido como o ator que interpretou RoboCop, no filme original de 1987. Antes de participar de Enterprise, ele viveu o personagem Chuck Taggart, na série sci-fi Odyssey 5, criada por Coto. Ao comentar este episódio, ele disse: “A coisa boa de todo o legado de Star Trek é que eles criam metáforas, criam alegorias e narram o que está acontecendo no planeta hoje.” Weller voltaria à franquia em Além da Escuridão: Star Trek, de 2013.
- Harry Groener, que aqui faz o ministro Nathan Samuels, era um veterano de Star Trek, tendo vivido Tam Elbrum no episódio “Tin Man”, de A Nova Geração, e o magistrado no episódio “Sacred Ground”, de Voyager.
- O último dia de filmagens foi no Paramount Theatre, que normalmente exibia as estreias das novas temporadas para a equipe do estúdio, e aqui serviu como Salão do Comando da Frota Estelar.
- Este episódio marca a primeira vez que vemos a superfície de Marte em Star Trek. O planeta já havia sido visto de longe algumas vezes antes, e uma versão holográfica das colônias marcianas chegou a aparecer em “Lifesigns”, de Voyager.
- O embaixador coridanita aparece com um visual muito diferente de seus compatriotas de Coridan, como vistos em “Shadows of P’Jem”, da primeira temporada de Enterprise, e em “Far From Home”, da terceira temporada de Discovery. A maquiagem pesada aqui escondeu a ponta do apresentador de game shows Tom Bergeron. E, numa tentativa de alinhar tudo, o romance The Good That Men Do, baseado em Enterprise e publicado em 2007, sugeriu que diplomatas de Coridan usam um pesado adorno que recobre sua cabeça inteiramente.
Ficha Técnica
Escrito por Manny Coto
Dirigido por LeVar Burton
Exibido em 6 de maio de 2005
Títulos em português: “Demônios”
Elenco
Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato
Elenco convidado
Peter Weller como John Frederick Paxton
Harry Groener como Nathan Samuels
Eric Pierpoint como Harris
Peter Mensah como Daniel Greaves
Patrick Fischler como Mercer
Adam Clark como Josiah
Steve Rankin como Phillip Green
Johanna Watts como Gannet
Tom Bergeron como embaixador coridanita
Christine Romeo como Khouri
Enquete
Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Susana Alexandria