Com drama ‘falado’, episódio explora armadilhas de decisões baseadas no medo
Sinopse
Data estelar: Desconhecida
Zora está analisando os dados colhidos pela Discovery ao entrar na fenda subespacial deixada para trás pela anomalia de matéria escura (AME) e identifica as coordenadas de origem da “espécie desconhecida 10-C”, designação provisória da Federação para os criadores do fenômeno que está devastando a Via Láctea. No entanto, ela se recusa a divulgar as coordenadas, com medo de que a tripulação da Discovery se coloque em perigo. O dr. Kovich é chamado a bordo para avaliar e resolver a situação, enquanto Michael Burnham é convocada a comparecer a uma assembleia interestelar organizada pela presidente Rillak para decidir que curso de ação tomar com relação à anomalia.
O evento reúne representantes de potências espalhadas pelos quatro quadrantes da galáxia, e duas possibilidades são apresentadas: atacar a anomalia, sabe-se lá como, ou tentar um primeiro contato diplomático com a espécie 10-C. O cientista Ruon Tarka submete à assembleia seu plano de fazer colapsar a anomalia com uma arma isolítica projetada por ele com base no experimento realizado a bordo da Discovery. Isso, mesmo essa classe de armamentos sendo proibida pelos Acordos de Khitomer, ameaçando causar dano irreparável ao subespaço na região (impedindo viagem de dobra) e podendo afetar diretamente quem está do outro lado do buraco de minhoca da anomalia, a espécie 10-C. Ainda enlutado e desejoso de vingança, Book apoia o plano de Tarka. Burnham, por sua vez, é a favor do caminho diplomático, como Rillak. Cada um faz um discurso apaixonado em torno de sua proposta, e a votação acaba pendendo na direção de um esforço de diplomacia.
Na Discovery, Stamets manifesta a preocupação de que a tripulação toda possa estar à mercê de Zora. Adira e Gray apoiam o computador. Zora considera inaceitável ter sua consciência transferida para fora da Discovery, entidade que ela considera seu próprio corpo. Uma análise dos sistemas revela que ela tem um subconsciente, é capaz de sonhar, tem só boas intenções para com a tripulação e seria uma nova forma de vida senciente. Stamets consegue convencê-la da importância de priorizar o bem-estar de muitos e da Federação, e Zora divulga as coordenadas. Mais ainda, ela decide se juntar à Frota Estelar, com o posto de especialista, aceitando os deveres e a cadeia de comando da instituição.
Gray decide deixar a nave e partir para Trill, a fim de terminar seu treinamento para ser um guardião dos simbiontes, e Adira parte com ele, mas apenas temporariamente, em licença.
No Quartel-General da Frota Estelar, Tarka convence Book a seguir com o plano dele de forma não autorizada. O cientista explica que quer destruir a anomalia para capturar sua fonte de energia, capaz de transportá-lo a um universo alternativo, em que não houve a Queima ou o surgimento da Corrente Esmeralda. Ele leva a bordo da nave de Book um motor de esporos miniaturizado, para que possam saltar para a anomalia e executar o plano. Michael vê a nave partindo do hangar da Discovery, imediatamente entendendo o que Book planeja, sem, no entanto, poder fazer nada.
Comentários
“…But to Connect” é um episódio que traz de volta muitos dos traços clássicos de Star Trek, com duas tramas paralelas interessantes que se sustentam basicamente em um mesmo tema: como lidar com o medo e não permitir que nossas ações sejam cegamente motivadas por ele. E tudo bem termos um segmento inteiro que é baseado em diálogos, sem ação, em pouquíssimos cenários – sabor mais clássico de Star Trek: Reunião, impossível.
O mesmo fio da meada é executado em dois ambientes muito distintos: um deles é a arena da política, envolvendo uma decisão crucial com relação à anomalia, e outro é praticamente um drama de tribunal, envolvendo os direitos (e deveres) de Zora. A entidade-computador está se recusando a obedecer por medo, Stamets está se opondo a ela por medo, e a assembleia precisa decidir se vai agir por medo contra a anomalia, não importam as consequências.
Dessas duas tramas, possivelmente com peso igual dentro do episódio, a mais bem-sucedida é a do computador senciente da Discovery. Era meio que bola cantada que a série fosse chegar a esse impasse, uma vez que vemos a capitão tendo de convencer Zora a executar suas ordens em “Stormy Weather”. Daí para a desobediência, era só um passo. Felizmente, acontece num momento em que a vida da tripulação não está em jogo, e Zora ganha a chance de ser “analisada” de forma equilibrada, sem ser parte de uma emergência em que o pessoal da Discovery se vê obrigado a desativar sua própria versão do HAL 9000, computador rebelde de outra nave chamada Discovery, mas no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço.
Os diálogos são afiados e transitam bem entre diversas nuances, desde o humor (quando Stamets entra na sala pedindo música e um abraço de grupo, numa tentativa de cochichar sem ser ouvido por Zora) até o drama (quando Zora oferece um “botão de autodestruição”), passando pelo maravilhamento de testemunhar o subconsciente de uma nova forma de vida emergindo do computador da nave. David Cronenberg faz uma de suas melhores participações como Kovich, e Doug Jones e Anthony Rapp entregam seu costumeiro bom trabalho em seus papéis. E, apesar da estranha intromissão de Gray e Adira na discussão (só funciona se supusermos que Zora estava, ao mesmo tempo, conversando com Gray, embora não cheguemos a ver isso), o desenrolar das discussões avança de forma interessante e encontra um bom desfecho com a “oficialização” de Zora como parte da tripulação. É curioso pensar como a nave de cada série de Star Trek sempre foi considerada uma personagem e, ainda assim, nunca isso tenha se traduzido de forma tão literal quanto em Discovery. Certamente, há muito terreno novo a explorar com esse desenvolvimento, a exemplo do que vemos neste episódio.
A outra trama, envolvendo a assembleia convocada pela Federação, com membros e não membros, não chega a ser ruim, mas o que mais se enxerga nela é o que ela não foi. Diferentemente do tratamento dado à política em “All Is Possible”, sutil mas efetivo, aqui tivemos uma simplificação imensa do que seria o processo, com uma apresentação de argumentos meio repetitiva, por mais que cada reiteração aprofundasse mais cada uma das duas visões, entre atacar a anomalia ou tentar primeiro contato com a espécie 10-C.
Ao mencionar a presença de membros de todos os quadrantes da galáxia, criou-se a expectativa de que veríamos novos “velhos conhecidos”. Com raríssimas exceções, ficamos limitados aos velhos “velhos conhecidos”, que sequer tiveram grande chance de se manifestar em tela. Vale a menção honrosa para a Terra Unida, representada pela (agora) general Ndoye, fazendo um resgate interessante da terceira temporada e telegrafando que a reintegração da Terra à Federação é uma meta importante para a presidente Rillak. Mas não vimos ninguém dos quadrantes Gama e Delta. Cadê esse pessoal? Dominion? E alguém mais aí está preocupado com os klingons no século 32? Eles foram extintos? Eis aí uma excelente oportunidade perdida para reintroduzi-los.
Mais que isso, contudo, o próprio ambiente, com os múltiplos andares e seus representantes, não conseguiu transmitir o que uma assembleia galáctica de fato seria. Talvez os protocolos para filmagem durante a pandemia tenham prejudicado, mas a Via Láctea pareceu bem menor que a “galáxia distante” representada pelo Senado da República nos filmes de Star Wars. Mas isso é, de fato, uma crítica menor.
O que incomoda mais é a ideia de tomar uma decisão por votação. Estamos lidando com entes soberanos. A razão pela qual tratados multilaterais costurados pelas Nações Unidas, como o Acordo de Paris (voltado para as mudanças climáticas) são tão difíceis de formular é porque não basta ter uma maioria de países apoiadores; é preciso que todos concordem com o texto, sob pena de que algum dos votos vencidos decida simplesmente tomar medidas por suas próprias mãos (como, aliás, foi mencionado que vários dos participantes fizeram diante da anomalia no passado recente). Tarka teria facilmente encontrado alguém disposto a executar seu plano à revelia do resultado da votação – e foi exatamente o que aconteceu.
E aí entra a parte que funciona na trama. Começamos a entender por que Tarka foi à Discovery e qual era o interesse que ele tinha em Book, um dos dois únicos operadores de motor de esporos conhecidos. Está claro que era isso que ele queria desde o início, embora todo aquele papo de reencontrar um amigo em um universo paralelo “cor de rosa” ainda pareça bem esquisito. Estaria ele falando a verdade, ou meramente manipulando Book mais uma vez?
Também é interessante que Burnham e Book tenham se visto em lados opostos na questão, criando uma real fissura no relacionamento dos dois. Faz pensar quais serão as consequências disso. Estaria Michael se encaminhando para seu dramático Kobayashi Maru, como telegrafado no primeiro episódio? A conferir.
Saltando para o que seria uma mini “trama C” (mais para um momento de personagem), vemos aqui Gray se despedindo e decidindo partir para Trill, a fim de completar seu treinamento como guardião dos simbiontes. É mais um personagem que aparentemente se despede da Discovery (mas não da série?), depois de Tilly.
Por fim, vale mencionar que o desfecho do episódio é excelente e cria um cliffhanger poderoso, a exemplo do que Discovery já havia feito nesta temporada ao final de “The Examples” – esse parece ser o superpoder de Tarka na série, criar esses desenlaces de tensão ao final dos segmentos.
Avaliação
Citações
“One should never confuse ‘friendly’ with ‘friendship’.”
(Ninguém deveria confundir ‘amigável’ com ‘amizade’.)
Ruon Tarka
“Our experiences shape us. That’s what makes this so difficult. Before we head down a path that could lead to destruction, on both sides, we need to reach first for understanding. For generations, the Federation has sought out new life, new civilizations, not to destroy but to connect. Even in the face of uncertainty. And we are not all Federation members, but those ideals can still guide us, especially now. We cannot let fear define us in this moment. We’re all in this together, wherever we come from, whatever our experiences, and the only way we get through this. We need to decide who do we want to be. Do we lash out blindly, no matter the risk? Or do we proceed thoughtfully, work toward the future we want to live in? I believe that’s who we are. We wouldn’t be here otherwise.”
(Nossas experiências nos moldam. Isso é o que torna isso tão difícil. Antes de mergulharmos num caminho que pode levar à destruição, de ambos os lados, precisamos buscar primeiro entendimento. Por gerações, a Federação buscou novas vidas, novas civilizações, não para destruir, mas para conectar. Mesmo em face da incerteza. E não somos todos membros da Federação, mas esses ideais ainda podem nos guiar, especialmente agora. Não podemos deixar o medo nos definir nesse momento. Estamos todos nisso juntos, de onde quer que tenhamos vindo, quaisquer que tenham sido nossas experiências, e é o único modo pelo qual atravessaremos isso. Precisamos decidir quem queremos ser. Saímos chicoteando cegamente, qualquer que seja o risco? Ou procedemos com consciência, trabalhando na direção do futuro em que queremos viver? Acredito que isso é quem nós somos. Não estaríamos aqui se fosse de outra maneira.)
Michael Burnham
Trivia
- Este episódio foi rotulado como um “final de meio de temporada” pelo Paramount+, abrindo um hiato de cinco semanas até a exibição de novos segmentos da quarta temporada.
- O título “…But to Connect” vem de uma fala de Burnham, em que ela descreve a missão da Frota Estelar e destaca que é “não para destruir, mas para conectar”.
- É a quarta participação de Lee Rose na direção de Discovery, a segunda dela nesta temporada. Também é o segundo episódio escrito por Terri Hughes Burton, que se juntou à série no quarto ano, e o primeiro para Carlos Cisco, que chegou à produção como assistente dos roteiristas na terceira temporada.
- A expressão em latim usada por Kovich, experto credite, é uma citação do poema épico Eneida, de Virgílio, e significa “confie em quem tem experiência”. A variação Experto Crede é o mote da 89th Airlift Wing da Força Aérea dos EUA, responsável por operar o avião presidencial, o Air Force One.
- A Federação neste episódio tem 60 membros. São os 59 mencionados em “Kobayashi Maru”, mais a adição de Ni’Var, em “All Is Possible”.
- David Cronenberg faz sua sexta aparição como Kovich, a terceira nesta temporada. Também vemos os retornos de Phumzile Sitole, como Ndoye (de “People of Earth”), e Alex McCooeye, como o imperador Lee’U dos alshains (de “Kobayashi Maru”).
- A assembleia vista neste episódio tem representantes de espécies dos quatro quadrantes da Via Láctea. Entre as vistas, estão humanos, vulcanos, cardassianos, ferengis, órions, andorianos, risianos, kwejians, lurianos, trills, alshains, osnullus, schlerms, saurianos e betazoides. Artes de produção revelaram ainda as presenças de barrotheyns, ckaptirs, deakohns, facians, hornish e insectoides xindis.
Ficha Técnica
Escrito por Terri Hughs Burton & Carlos Cisco
Dirigido por Lee Rose
Exibido em 30 de dezembro de 2021
Título em português: “Conexão”
Elenco
Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Doug Jones como Saru
Anthony Rapp como Paul Stamets
Wilson Cruz como Hugh Culber
Blu del Barrio como Adira Tal
David Ajala como Cleveland “Book” Booker
Elenco convidado
Ian Alexander como Gray Tal
David Cronenberg como Kovich
Shawn Doyle como Ruon Tarka
Chelah Horsdal como Laira Rillak
Tara Rosling como T’Rina
Phumzile Sitole como Ndoye
Annabelle Wallis como Zora
Andreas Apergis como guardião Xi
Nicole Dickinson como delegada órion
Alex McCooeye como Lee’U
Giovanni Spina como Sta’Kiar
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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Nívea Doria