O dia pode chegar quando a virgindade do Homem falhará, mas não é este o dia
Sinopse
Data Estelar: desconhecida
Tripulantes da Cerritos trabalham em um centro de comando e controle alienígena no local de uma grande batalha, com Freeman e Ransom coordenando com o comandante local o acondicionamento de AGIMUS, o computador maligno que manteve aquele mundo em guerra por um século, mas que finalmente foi domado e empacotado para despacho ao Instituto Daystrom, na Terra. Após experimentarem o churrasgato local, Freeman e Ransom voltam à Cerritos, onde recebem comunicação da rainha Paolana, de Hysperia, que informa que sua nave-capitânia apresenta problemas técnicos que requerem o expertise da Frota Estelar para resolver, em particular do engenheiro-chefe de Freeman: Andarithio “Andy” Billups, que calhou de ser seu filho.
Acaba cabendo a Mariner a tarefa de transportar AGIMUS ao Instituto Daystrom, utilizando uma nave auxiliar da Cerritos. Já Boimler está todo pimpão por receber uma missão à altura da sua experiência ganha na Titan, um lance de combater centopeias gigantes em um planeta classe M. Mas a alegria dele dura pouco, pois acaba redesignado para acompanhar Mariner na viagem até a Terra.
Enquanto os alferes se dirigem à Terra, a Cerritos encontra e acopla à Monaveen, a capitânia hysperiana, e Billups alerta novamente sua equipe: aquilo pode ser mais uma das tentativas da sua mãe de forçá-lo a assumir o trono de Hysperia, fazendo Billups abrir mão de sua virgindade para isso e, consequentemente, da sua posição na Frota. Hysperia é um planeta que, por ter dragões nativos, foi colonizado por fãs de “idade média mística” em um reino nesse estilo.
Freeman e Paolana chegam à engenharia e a rainha garante a seu filho que eles realmente estão precisando das habilidades dele como engenheiro desta vez, devido a falhas constantes na Monaveen, o que deixa o federado animado para um desafiador problema técnico, tarefa para o qual convoca Rutherford como auxiliar. O alferes fica meio receoso pela natureza grandiosa da tarefa, mas Tendi o convence a agarrar o desafio.
Na nave auxiliar Yosemite, Mariner tenta animar um chateado Boimler por perder a chance de uma excitante missão, mas ambos acabam agitados quando a nave cai em um poço gravitacional que os coloca em rota de colisão com um planetinha. A nave, descontrolada, acaba fazendo um pouso extremamente forçado, sofrendo graves danos. O local tem atmosfera respirável, mas, fora isso, é extremamente inóspito, com a superfície cheia de destroços de outras naves que tiveram o mesmo fim. Boimler está bem, mas Mariner tem o braço fraturado. Sem comunicação de longa distância e com o replicador fornecendo apenas caramelos de alcaçuz, as coisas não parecem boas para os federados, que ainda têm de se preocupar em ficar de olho em AGIMUS, que fica jogando vários xavecos furados para que eles permitam algum acesso a qualquer tecnologia que seja.
Billups e Rutherford se apresentam à Monaveen, cujo projeto e estilo parecem uma trombada entre as áreas de Fantasyland e Tomorrowland de um parque da Disney. Billups tem de ficar desviando dos puxa-sacos para se apresentar à engenharia da nave, onde já começam a trabalhar, com Billups procurando ignorar as cantadas que recebe. Billups rapidamente encontra o defeito, feito celebrado por sua mãe, e é chamado por Freeman. Ela pergunta se a rainha estava aprontando das suas, mas o engenheiro diz que aparentemente ela realmente tinha um problema para ele resolver. Nisso, ambos observam uma grande explosão na Monaveen, sendo que entre as baixas aparentemente estão a rainha e Rutherford.
Enquanto se viram com rações de campanha federadas, Mariner avisa Boimler para ignorar a encheção de saco de AGIMUS. Os alferes têm de rapidamente se abrigar na Yosemite para fugir de um animal selvagem se aproximando, mas na correria, e se distraindo com AGIMUS, esquecem as rações do lado de fora, devoradas pelo animal. AGIMUS consegue um acesso parcial a um PADD de Mariner, mas ela diz para ele parar de gracinhas, enquanto eles bloqueiam a porta da nave. No dia seguinte, ambos saem em busca de alguma fonte de água, tendo que arrastar AGIMUS junto para não arriscar que ele se apodere de algo na nave. Encontram frutas comestíveis, e Mariner tem de aceitar que Boimler está mais apto a subir na árvore para colhê-las.
À noite, Boimler tem que salvar AGIMUS de ser carregado por alguns caranguejos, e o computador aproveita que estão sozinhos para dedurar um fato que aprendeu no PADD de Mariner, que a alferes mexeu os pauzinhos com Ransom para que Boimler fosse redesignado para aquela missão. Boimler confronta Mariner a respeito, o que a coloca na defensiva, tentando explicar suas razões e dizendo que AGIMUS está tentando manipulá-lo para brigarem. Ao chegarem em um dos destroços, Boimler e Mariner acabam indo às vias de fato e o alferes termina por tontear Mariner para poder conseguir levar AGIMUS até a ponte da nave caída no local.
Na Cerritos, Billups informa Freeman que terá de pedir baixa da Frota Estelar para cumprir a sua tarefa de ascender ao trono hysperiano, frente à tragédia de terem perdido a rainha na explosão, e os guardas reais, um musculoso e uma gostosona, levam-no para providenciar sua perda de virgindade. Tendi está arrasada pela perda de Rutherford e, fazendo buscas pela nave hysperiana, acaba localizando-o em um salão afastado, onde ele e a rainha participam de um festejo.
Tendi conta a Rutherford sobre a explosão e eles descobrem as intenções da rainha, com o alferes tendo de correr para avisar Billups antes que seja tarde demais. No que ele finalmente chega ao aposento do engenheiro na Cerritos, o problema já era meramente acadêmico: Billups deu uma bela broxada e acabou não perdendo a virgindade, afinal de contas.
Nos destroços, AGIMUS instrui Boimler em como conectá-lo aos sistemas da nave alienígena despedaçada para conseguir ajuda, mas Boimler pede acesso à bateria dele para realizar a tarefa. AGIMUS ativa vários sistemas da nave e revela aos dois que os enganou e agora pode retomar a construção de seu exército de drones e conquistar inúmeros mundos… até que Boimler revela que foi AGIMUS quem caiu na pegadinha do malandro do alferes, pois Boimler enganou-o e a Mariner, manipulando a situação toda para conseguir usar a bateria de AGIMUS para mandar um sinal de socorro à Frota. O computador malévolo só ficou com o controle das luzes da nave alienígena.
Na Cerritos, Billups passa um sermão na mãe devido à audácia da sua mais nova tentativa de forçá-lo a perder a virgindade, enquanto, em um explorador federado que resgatou Mariner e Boimler, AGIMUS ainda tenta passar a lábia neles para os convencer a deixá-lo entrar para a Frota Estelar, antes de finalmente ser guardado no depósito para computadores malignos do Instituto Daystrom.
Comentários
Com “Where Pleasant Fountains Lie” tivemos mais um episódio que brincou de maneira divertida com vários clichês clássicos de Jornada, como computadores malignos, parentes chatos e espécies bidimensionais. Houve alguns elementos previsíveis (claro que Paolana e AGIMUS tinham planos em andamento que iriam falhar), mas a execução foi bem adequada para isso não ser realmente um demérito.
De saída, foi um episódio dedicado a um dos secundários de Lower Decks com bom potencial, o engenheiro-chefe da Cerritos, Andy Billups, e bastante informação sobre ele foi colocada em campo, como sua nobre origem e sua complicada dinâmica familiar, envolvendo receber o trono de um planeta inteiro caso finalmente abra mão de sua virgindade.
Embora a opção sexual de Billups pareça ser algo mais derivado de necessidade do que qualquer outra coisa (para poder estar na Frota, não ascender ao trono, etc.), ele se mostrou muito confortável com sua opção, que é totalmente aceita por todos a sua volta a ponto de ser um completo não-assunto, tal qual se espera de uma sociedade como a federada. Se formos buscar indícios em outros episódios, dava a impressão de que não seria o caso, como Barnes comentando em “Second Contact” a falta de traquejo dele em conversar com mulheres, por exemplo. Contudo, vemos aqui um Billups bem resolvido em sua postura, dando para incluir nisso até mesmo o fato de não ter conseguido “comparecer” à tarefa quando acreditou ser necessária — reflexo de que a sua opção sexual per se fala mais alto no final das contas, independente de qualquer outro elemento.
A introdução da rainha Paolana ao elenco terciário da série foi uma adição maravilhosa, e a personagem conversa totalmente com o conceito em Jornada de “parente inconveniente de personagem”, Lwaxana Troi em particular. A maneira realizada também foi bem adequada, mostrando que aquele não era o primeiro rodeio da Cerritos com a mãe de Billups, deixando apenas Rutherford (que perdeu a memória) e nós para sermos aqueles a se intrigarem com as peculiaridades da sociedade hysperiana.
As origens do reino de Hysperia foi tocada como piada rápida, mas é boa demais para não desempacotar: pelo jeito, em algum momento entre os séculos 21 e 23, a descoberta de um planeta classe M com dragões incentivou muitos fãs terráqueos de Idade Média Mística (leitores de Tolkien, jogadores de Dungeons & Dragons, frequentadores de Feiras Renascentistas, etc.) a irem criar nesses moldes uma colônia para chamarem de sua.
Além do aspecto cômico do conceito em si, brinca também com a existência em Jornada, em episódios pelas diversas séries, de todas aquelas culturas, pequenas ou grandes, que são meio monotemáticas. E a de Hysperia é ao mesmo tempo algo plausível o bastante para encaixar no cânone de Star Trek e absurdo o bastante para ser a cara do humor de Lower Decks. E, junto disso tudo, ainda tem o fato de que Hysperia é resultado de colonos da Terra que construíram uma civilização avançada (ainda que cafona), plenamente integrada ao Quadrante Alfa e tals, mas sem serem membros da Federação. Eles têm elementos em comum (humanos vindos da Terra, engenharia das naves), mas claramente têm um sistema social, governamental e de defesa próprios.
Na outra ponta do episódio também tivemos ótimos momentos, ao ponto de que não dá para realmente deixar bem claro qual exatamente seria a “trama B” do segmento. Ambas tiveram um peso equivalente, por assim dizer. Nesta, o clichê de Jornada a ser aloprado foi o do “Computador Senciente Maléfico”, com a totalmente adequada voz de Jeffrey Combs para o papel. Lower Decks tem tido uma rotação de talentos vocais muito bons como convidados, como por exemplo Richard Kind como o emissário em “An Embarrassment of Dooplers”, e Jeffrey Combs aqui nos entrega novamente uma atuação à altura de seus vários personagens anteriores na franquia, como Weyoun, Brunt e Shran.
Como diversos outros computadores do mal deste tipo, AGIMUS tinha aquela lábia de pilantra que de muitas maneiras lembrava Weyoun, o que foi bem divertido, em particular depois que ele se viu derrotado por completo e foi jogado no depósito do Instituto Daystrom. Mas a carne do osso nesta trama foi como Boimler mandou uma pegadinha do malandro em Agimus e também em Mariner, usando para sua vantagem até mesmo a revelação da rasteira que a alferes passou nele, ao mexer os pauzinhos com Ransom para mudar sua tarefa.
Isso pode ser em parte justificado por alguma atitude protetora dela para com Boimler, mas ainda assim foi extremamente inadequado e mostra que, apesar de estarem fazendo progresso (“An Embarrassment of Dooplers”), o fantasma da Titan ainda está entre eles, além de outros fatores. Mas claramente temos um Boimler mais amadurecido, ainda que sem perder as características que fazem dele o alferes que é.
Desta forma, Boimler não perdeu o rebolado pela confrontação com Mariner e continuou aplicando o que sabe da Escola de Pensamento James Kirk de Interação Computacional, mantendo-se várias jogadas à frente do computador e de Mariner, até finalmente conseguir usar a bateria de AGIMUS para chamar por socorro. No frigir dos ovos, Mariner neste episódio acabou ficando bem no banco de trás e até mesmo teve foi sorte em ter escalado à revelia Boimler para a missão.
Em itens diversos, tivemos na cena de T’Ana avisando Tendi da suposta morte de Rutherford um bom momento que poderia acabar desapercebido: apesar da ranhetice da gata, já foi estabelecido que trato adequado com pacientes é importante para ela, e isto é apenas reflexo desta característica prévia da personagem. Algo que vimos que a equipe criativa teve cuidado de fazer para os “secundários da ponte”: eles agem dentro de certos “tipos”, mas têm características adicionais que mostram serem personagens mais profundos do que o valor da face do tipo.
Está sendo interessante observar que Lower Decks se permite algumas referências a outras obras aqui e ali em seus episódios mais recentes. Entre algumas outras, o mugato procurar os alferes como os nazgûl procuraram os hobbits em O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (“Mugato, Gumato”); a perseguição no shopping center em The Blues Brothers (“An Embarassment of Dooplers”), e agora o esquibunda da Rey em Star Wars: O Despertar da Força, quando Mariner desliza na duna entre os destroços das naves. No passado, comentamos que a série evita referências pop a coisas do século 20 e 21 como muleta fácil, e isso ainda é válido: as referências que vimos recentemente são apenas sutis deixas visuais que não gritam por atenção, sem fazer o episódio parar por uns instantes para serem notadas, como muitas vezes acontece em outras sitcoms e séries animadas.
Saímos deste episódio com bastante elementos adicionais valiosos para a mitologia da série, bem como da franquia como um todo, além de elementos previamente conhecidos nossos terem servido muito bem de pano de fundo para o ótimo humor que “Where Pleasant Fountains Lie” entregou.
Avaliação
Citações
“Ugh. I don’t know why I keep giving alien street food a chance. It’s always such a gamble.”
(Ugh. Eu não sei porque sempre dou chance para comida de rua alienígena. É sempre uma aposta arriscada.)
Freeman para Ransom, depois de almoçarem com um dos alienígenas do planeta onde coletaram AGIMUS
“You belong there as much as anyone else. You need to get outside your comfort zone.”
“But I love my zone. It’s so comfortable.”
(Você merece estar lá tanto quanto qualquer outro. Você precisa sair de sua zona de conforto.)
(Mas eu adoro minha zona. É tão confortável.)
Tendi e Rutherford, com a órion tentando convencer o alferes de ir ajudar Billups
“Stupid AGIMUS. Now we got nothing to eat.”
“It’s fine. My scans indicate you could lose a couple pounds anyway.”
“Excuse me? Oh, you’re gonna go there?”
(AGIMUS estúpido. Agora não temos nada para comer.)
(Tudo bem. Minha análise mostra que você poderia perder uns quilinhos mesmo.)
(Como é? Ah, então você vai apelar pra isso, vai?)
Mariner e AGIMUS, ao computador insinuar que a alferes estaria com sobrepeso
“Your’re too late. My royal guards are trained from birth to skip foreplay.”
(É tarde demais para vocês. Meus guardas reais são treinados desde a infância para ignorar preliminares.)
Paolana para Rutherford, quando ele parte para avisar Billups do plano da rainha
“Uh, I’ve been using your power cell to send a distress signal. Your were too busy scheming to notice. You’ve been Boim’led.”
(Uh, eu estava utilizando sua bateria para mandar um sinal de socorro. Você estava ocupado demais planejando tramoias para notar. Você foi Boimlerado.)
Boimler para Agimus, revelando ao computador que ele sabia o tempo todo das intenções dele
Trivia
- A retratação do Instituto Daystrom foi bem alinhada com o estabelecido em Star Trek: Picard, como a localização em Okinawa, a tomada de estabelecimento das instalações e o logo do instituto.
- Paul Scheer teve a chance de trabalhar com sua esposa neste episódio, June Diane Raphael, que dá voz à rainha Paolana.
- Um dos computadores malignos estocados no Instituto Daystrom tinha o logo da CBS no seu painel frontal.
- Você pode conferir todas as referências e easter eggs do episódio neste artigo de Maria-Lucia Racz no Trek Brasilis.
Ficha Técnica
Escrito por Garrick Bernard
Dirigido por Jason Zurek
Exibido em 23 de setembro de 2021
Elenco
Tawny Newsome como Beckett Mariner
Jack Quaid como Brad Boimler
Noël Wells como D’Vana Tendi
Eugene Cordero como Sam Rutherford
Dawnn Lewis como Carol Freeman
Jerry O’Connell como Jack Ransom
Fred Tatasciore como computador 1
Gillian Vigman como T’Ana
Elenco convidado
Jeffrey Combs como AGIMUS
Paul Scheer como Andy Billups
June Diane Raphael como rainha Paolana
Phil LaMarr como Molmol e L. Playa
Jessica McKenna como Barnes, computador da Cerritos e da Yosemite
Kari Wahlgren como guarda real
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Edição de Leandro Magalhães
Revisão de Salvador Nogueira