Tediosa caminhada pelo deserto prejudica boa premissa do segmento
Sinopse
Data: 12 de fevereiro de 2152
A Enterprise está novamente a caminho de Risa, para uma merecida licença para a tripulação, mas é desviada de seu curso para atender a um pedido de socorro. Archer concorda em prestar assistência a uma nave alienígena com problemas. O engenheiro Tucker ajuda a resolvê-los, despertando a gratidão de Zobral, o líder alienígena. Ele insiste em ter Archer como seu convidado de honra em um jantar, em seu próprio planeta. O capitão recusa, mas a insistência é tanta que ele acaba aceitando a hospitalidade.
Archer vê na ocasião uma boa chance de estar com seu amigo Tucker. Ele convida o engenheiro a visitar o desértico planeta alienígena e acompanhá-lo no jantar de cortesia de Zobral. Trip a princípio parece reticente –suas lembranças de testes de sobrevivência no deserto com Archer não são muito boas–, mas por fim concorda.
Os dois descem até o planeta, onde são recebidos com toda a hospitalidade e participam do que, para os padrões daquele povo, é um banquete. Depois, divertem-se com os alienígenas jogando uma partida de um esporte local, chamado geskana. Enquanto isso, T’Pol é contatada em órbita por uma autoridade local, o chanceler Trelit. Falando de uma região afastada de onde Archer e Tucker estão, Trelit quer saber de T’Pol o que eles estão fazendo lá. A primeiro oficial da Enterprise informa o chanceler de que Archer e Tucker estão lá em uma visita de cortesia, a convite de um líder chamado Zobral.
Trelit informa que convém que a Enterprise perca as esperanças por seus oficiais. Segundo ele, Zobral é um líder terrorista. T’Pol imediatamente contata Archer e passa a informação que acabou de receber. O capitão não vê grande ameaça por parte de Zobral e seu povo, mas decide voltar a bordo, por precaução. Quando ele informa a Zobral que precisa partir, o líder alienígena se torna agressivo e afirma que tudo que disseram a T’Pol é mentira.
Ele então revela que faz parte de um grupo de excluídos dentro da sociedade local. Tempos atrás, aquela civilização era dividida em castas. Pela lei, tal política já foi excluída, mas o preconceito continua. Segundo Zobral, os membros de sua antiga casta não têm direitos iguais aos dos outros, e é por isso que eles lutam. Mas o combate não vai bem, pois as autoridades têm muito mais poder, força e homens do que eles. É por isso que Zobral trouxe Archer até lá: para pedir ajuda. Ele tinha ouvido sobre a reputação do capitão da Enterprise de um mercador suliban, que contou a ele a história do explorador-guerreiro que combateu um exército inteiro e libertou prisioneiros sulibans das mãos dos tandarans.
Quando Zobral termina sua explicação, seu vilarejo começa a ser bombardeado. O líder local pede que Archer e Tucker se retirem para um abrigo no subsolo, enquanto seus homens preparam a retaliação. Os dois concordam, mas acabam tendo de sair quando o próprio abrigo começa a desabar. Na superfície, eles veem que o vilarejo foi totalmente massacrado. Para não serem os próximos alvos, decidem partir e atravessar o deserto até um abrigo seguro.
Pegando apenas água na cápsula auxiliar, os dois partem para a travessia. Não leva muito, entretanto, para que Tucker acabe com sua água e reviva seus pesadelos do treinamento no deserto. O engenheiro logo está delirando e precisa da ajuda (e da água) de Archer para permanecer vivo. A Enterprise pede autorização ao chanceler para resgatar seus oficiais, mas tudo que T’Pol consegue é que os alienígenas digam que, se uma cápsula auxiliar se aproximar da superfície, será considerada um alvo inimigo. Enquanto isso, uma nave sai da atmosfera e vai na direção da Enterprise –é Zobral, pedindo autorização para atracar.
Sem opção, T’Pol permite que ele venha a bordo. Reed conta ao líder alienígena o que realmente aconteceu no campo de detenção dos sulibans, e Zobral percebe que Archer não é o guerreiro invencível do qual lhe falaram. Reed, que estava estudando um modo de chegar à superfície com uma cápsula auxiliar sem ser detectado, é informado de que a nave de Zobral pode subir por um vão estreito na grade de detecção orbital que aparece a cada 46 minutos e dura um curto espaço de tempo. Zobral insiste que as manobras técnicas exigidas para passar pelo vão sem detecção são muito difíceis, mas T’Pol o convence de sua responsabilidade para com Archer e Trip, e o alienígena decide ajudar.
No planeta, Archer e Trip finalmente chegam a uma estrutura abandonada no deserto. O engenheiro luta contra a desidratação e alucinações causadas pelo calor, e Archer tenta manter seu amigo consciente, para evitar que ele caia um coma. Sua conversa é interrompida, entretanto, quando o abrigo é atacado. Eles voltam a fugir para o deserto e a esperança de sobrevivência parece pequena.
Antes de serem alvejados, entretanto, eles são encontrados por T’Pol, Reed e Zobral em uma cápsula auxiliar que ataca os alienígenas e resgata os oficiais. T’Pol ajuda os dois a entrarem na nave e então volta a decolar. Todos voltam à Enterprise, e T’Pol e Archer desejam boa sorte a Zobral. Embora o capitão reconheça que a causa de Zobral é justa, ele sabe que não pode se envolver.
A Enterprise retoma seu curso para Risa.
Comentários
“Desert Crossing” conta com uma boa história, firmemente calcada em eventos contemporâneos. Infelizmente, o andamento acaba prejudicando muito a impressão final que temos do episódio. Tudo vai bem até Archer e Tucker precisarem iniciar a tal da “travessia do deserto”. Aí o episódio adquire um outro ritmo, que até é adequado para trazer a sensação de exaustão e tédio da sofrida caminhada da dupla, mas deixa o telespectador impaciente e insatisfeito.
Não fosse por isso, o segmento realmente seria muito bom. A história é interessante e tem paralelos óbvios (mas nem por isso inválidos) com a atual disputa entre palestinos e israelenses no Oriente Médio. Além da própria história em si, o visual reforça o paralelismo: basta citar o fato de Zobral e seus colegas usarem panos sobre as cabeças (como os árabes) para compensar o calor escaldante (como os árabes), ou o de Trelit falar à Enterprise com uma parede de pedra bege ao fundo (exatamente como a maioria das construções em Jerusalém).
É especialmente audacioso da parte dos produtores pintarem os alienígenas “palestinos” como os mocinhos, dado o então recente trauma americano com o terrorismo, com o ataque às torres gêmeas em Nova York, em 2001. Não se afirma no episódio que Zobral e seus homens usem as mesmas táticas dos terroristas contemporâneos, mas também não há qualquer afirmação ou evidência em contrário. Apesar disso, eles recebem toda a simpatia por parte de Archer (e do roteiro).
Claro, fica muito mais fácil fazer algo assim na versão pasteurizada que Jornada nas Estrelas tem de conflitos e guerras. Apesar do tema inerentemente violento, o episódio é conduzido com a costumeira política familiar da franquia, sem derramamento de sangue ou cenas muito agressivas. Essa pasteurização torna impossível uma real avaliação (tanto para Archer e cia. quanto para a audiência) sobre quem tem razão na disputa interna no planeta.
Isso seria um ponto negativo do episódio, se sua temática principal fosse essa. Mas o uso da metáfora Palestina/Israel é apenas o pano de fundo para o verdadeiro drama do episódio: Archer precisa lidar com as consequências de seus atos. Ele só está ali, naquele momento, precisando escolher entre duas facções alienígenas, porque resolveu libertar os sulibans da prisão Tandaran (como visto em “Detained”).
O uso da referência a “Detained” como setup para esta história é um verdadeiro colírio para os olhos, por duas razões. Em primeiro lugar, porque mais uma vez volta à premissa da série e aborda o fato de como a inexperiência de Archer está afetando seu desempenho na missão de exploração da Enterprise. Isso é algo que os produtores procuraram trabalhar desde o início e que aqui cai como uma luva.
Em segundo lugar, porque simplesmente é muito agradável vermos a continuidade operando. Neste episódio não só temos uma continuação direta de “Fallen Hero” (quando o pessoal da Enterprise decidiu ir para Risa) como também temos referência a “Detained”, mostrando que os tripulantes da Enterprise não se esquecem tão rápido do que aconteceu na semana passada. Ponto positivo para os produtores.
É uma pena aqui que todo esse trabalho não tenha se convertido em benefício para os personagens. Os principais dessa sequência, Archer e Tucker, não saem nem um pouco melhores do que entraram. É interessante vermos a amizade dos dois e sua relação profissional se sobrepondo, principalmente em uma situação extrema, como a sobrevivência num deserto, mas não há nada que faça os dois crescerem. A única coisa sobre os personagens que vale a pena realmente ser observada vem com Archer, muito mais pelo bom desempenho de Scott Bakula do que pelo roteiro.
O ator consegue transmitir de forma bastante clara a sensação do capitão de que ele não tem a menor ideia do que seria a coisa certa a fazer. Ele decide por não ajudar Zobral ao final do episódio, mas sua decisão é muito mais baseada no fato de que suas ações podem ter repercussões imprevisíveis (como aconteceu em “Detained”) do que na justiça da situação em si. Ou seja, a Primeira Diretriz, em espírito, já está consolidada na mente de Archer, por mais que ele se sinta desconfortável com ela. Essa evolução do modo de pensar do capitão, nascida de forma um tanto artificial em “Dear Doctor”, aqui se encaixa perfeitamente.
O resto do elenco cumpre apenas sua obrigação, mas o roteiro nem se esforça em dar muito para eles fazerem. O episódio é mesmo de Archer e Tucker. E, claro, de Zobral. Clancy Brown faz um excelente trabalho encarnando o “Yasser Arafat pasteurizado de Jornada” –um líder excepcionalmente carismático, simpático e aparentemente justo. Assim como aconteceu com Archer, é difícil a audiência não ver com bons olhos esse sujeito.
O diretor David Straiton faz um belíssimo trabalho à frente do episódio. Até as cenas da travessia no deserto, apesar de sonolentas, poderiam ter sido muito piores, não fosse o competente trabalho de posição das câmeras executado pelo diretor (quantas formas diferentes de filmar dois caras andando pelo deserto no meio de lugar nenhum você consegue imaginar?). E a sequência da turma jogando geskana é sensacional, ajudada também por uma trilha sonora excepcionalmente criativa, que consegue conciliar a sensação de prática esportiva com costume alienígena. Parabéns ao músico Velton Ray Bunch.
No fim das contas, “Desert Crossing” é um bom episódio. Não tão bom quanto poderia ter sido, mas ainda assim consistente e com bom uso da continuidade da série. Se não fosse por tantas andanças e por infinitas dunas de areia…
Avaliação
Citações
“Even if I were the warrior you thought I was, that’s not why we’re out here.”
(Mesmo que eu fosse o guerreiro que você pensou que eu fosse, não é por isso que estamos aqui.)
Archer
“I wouldn’t be a very good host if I allowed you to get killed.”
(Eu não seria um anfitrião muito bom se permitisse que vocês fossem mortos.)
Zobral
Trivia
- O episódio conta com uma aparição ilustre, mas discreta. Três marinheiros reais do porta-aviões americano USS Enterprise participaram do episódio como tripulantes figurantes da ponte. Foram eles Robert Pickering, Timothy Whittington e Sara Elizabeth Pizzo.
- O ator Clancy Brown é mais conhecido do público por seus papéis em Highlander e Starship Troopers. Charles Dennis apareceu antes em Jornada como o comandante Sunad, em “Transfigurations” (da terceira temporada de A Nova Geração).
- Scott Bakula falou sobre o episódio pouco depois da produção. “Estamos em ritmo de deserto”, disse. “Fomos a um deserto real. Nos divertimos, mas foi uma loucura. Há um deserto no sul da Califórnia, pertinho do México. Parece o Saara. É inacreditável. Foi ótimo.”
- Em um bate-papo com os fãs, Andre Bormanis também contou um pouquinho sobre os bastidores do episódio. “Escrevi o roteiro do episódio 23 baseado em uma história desenvolvida por Rick [Berman] e Brannon [Braga]. Fizemos uns dois dias de filmagens no deserto, o que ficou ótimo. Sem contar demais, suponho que posso dizer que o episódio explora o impacto de algumas das decisões anteriores de Archer em suas interações com certas culturas alienígenas.”
Ficha Técnica
História de Rick Berman & Brannon Braga & Andre Bormanis
Roteiro de Andre Bormanis
Dirigido por David Straiton
Exibido em 8 de maio de 2002
Títulos em português: “Travessia no Deserto”
Elenco
Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato
Elenco convidado
Charles Dennis como chanceler Trelit
Clancy Brown como Zobral
Brandon Karrer como alienígena
Robert Pickering como oficial da ponte
Timothy Whittington como oficial da ponte
Sara Elizabeth Pizzo como oficial da ponte
Enquete
Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Susana Alexandria