TOS 1×25: The Devil in the Dark

“A língua é o alicerce da civilização”

Sinopse

Data estelar: 3196.1.

A Enterprise é enviada para ajudar a colônia de mineração Janus VI, que começa a perder homens, vitimas de uma misteriosa criatura que mata sem deixar vestígios dos corpos e que não é afetada pelas armas dos mineradores locais. Kirk, Spock e McCoy descem ao planeta, a fim de iniciar uma investigação. Os colonos, então, relatam que as mortes começaram nos últimos três meses, imediatamente após as operações atingirem um determinado nível de profundidade no interior do planeta. Além das mortes, também equipamentos vitais passaram a ser atacados por algum tipo de criatura capaz de fazer uso de fortes corrosivos químicos, para os quais não existe defesa. A atenção Spock é atraída por um nódulo de silício que se encontra em cima da mesa do administrador da colônia, o engenheiro Vanderberg, que informa haver milhares destes espalhados nas minas.

Durante a conversa, mais um homem é atacado. O grupo vai investigar e descobre que uma parte vital do equipamento da colônia desapareceu, tornando ainda mais urgente encontrar a criatura. Scott monta um substituto provisório para o dispositivo desaparecido, enquanto as buscas continuam. Spock começa a suspeitar de uma ação deliberada da “criatura” com o propósito de obrigar os colonos a deixar o planeta, entretanto Kirk estranha o fato de que, após cinquenta anos sem incidentes, esses eventos tenham começado a acontecer.

Spock conjectura que a criatura esteja viva e que sua existência seja baseada em silício, o que explicaria não ser detectada pelos sensores ou afetada pelos fêiseres padrão em uso pelos colonos. Embora McCoy permaneça cético, Kirk ordena a descida de um destacamento de segurança armado com fêiseres mais potentes. Spock continua intrigado com os nódulos de silício, porém ainda se nega a informar ao capitão suas suspeitas. Kirk ordena a seus homens que comecem as buscas a partir do nível onde estes nódulos foram encontrados em primeiro lugar.

Durante as buscas Spock ajusta seu tricorder para identificar sinais de silício e consegue, com isso, identificar o que parece ser a criatura, mas, antes que possam encontrá-la, ela ataca mais uma vez e mata um dos membros da equipe de segurança da Enterprise. Kirk e Spock chegam quase imediatamente ao local do ataque, porém não encontram a coisa.

Spock identifica a existência de um novo túnel que não fazia parte dos seus mapas, porémenquanto discutema criatura surge das rochas e tenta atacá-los. Eles conseguem disparar e feri-la e ela foge, abrindo um novo túnel.

Tal disparo feiser consegue arrancar um pedaço da criatura, dando a Spock o dado que faltava para confirmar suas suspeitas sobre a criatura ser uma nova forma de vida baseada em silício. Spock acredita que esta possa ser a última criatura de sua espécie e que, portanto, deve ser preservada, porém Kirk está convencido a matá-la e mesmo Spock, apesar de contrariado, não parece ver alternativas.

Kirk reúne o grupo de buscas e reafirma a intenção de matá-la. Spock sugere que, se possível, ela deve ser capturada, mas Kirk mais uma vez reforça a ordem: atirar para matar. Kirk pede, então, que Spock passe a ajudar Scott na manutenção do reator defeituoso, mas este discorda, alegando que Scott está plenamente capacitado a efetuar a tarefa sem ele. Kirk, então, diz a Spock que ele deve se proteger, a fim de evitar que ambos sejam mortos num hipotético confronto com a criatura, mas Spock convence seu capitão de que as chances de isso acontecer são mínimas.

A essa altura, o substituto construído por Scott para o equipamento avariado quebra em definitivo, deixando Kirk com menos de dez horas para resolver o problema e encontrar a peça original. Ele ordena que os colonos sejam levados para a Enterprise, mas alguns deles resolvem ficar e enfrentar a criatura. Logo depois que o pessoal da segurança deixa o local, Spock tem a sensação de estarem sendo observados. Ele e Kirk se separam para procurar a criatura. Durante a busca, Kirk encontra mais nódulos de silício iguais aos que haviam chamado a atenção de Spock. Enquanto ele relata ao vulcano sua descoberta, acontece um desmoronamento que não o atinge, mas bloqueia seu caminho, forçando-o a um desvio.

Enquanto retorna, Kirk se vê frente a frente com a criatura, que aparece de repente, vinda diretamente da rocha sólida. Ela se dirige a Kirk, mas recua quando ele aponta seu feiser. Spock chega ao local em seguida e, após uma breve conversa entre o primeiro oficial e o capitão da Enterprise, os dois decidem que o vulcano deve tentar usar o elo mental para estabelecer contato. Após uma tentativa, eles conseguem descobrir que a horta, como a criatura se chama, é um ser inteligente, porém está agonizando devido ao ferimento. Kirk chama McCoy para o local, a fim de que o médico tente curá-la e, assim, ganhar sua confiança para reaver a peça desaparecida do equipamento gerador da colônia. Enquanto isso, Spock tenta um novo elo com a criatura, dessa vez tocando-a, e descobre que ela é a última de sua espécie e que tem como missão proteger os ovos da nova geração.

Enquanto isso, o pessoal da colônia se encontra próximo ao local e pressionando para chegar à horta e destruí-la, sem saber o que esta acontecendo dentro da caverna. Spock consegue descobrir o local onde o equipamento está escondido e Kirk vai buscá-lo. Além da peça que procura, Kirk encontra centenas de “ovos” da horta quebrados dentro da caverna. Nesse momento, o pessoal da mina engana a segurança da Enterprise e invade a caverna, mas Kirk impede que eles a ataquem e explica que as mortes causadas por ela só aconteceram por que a horta estava tentando defender sua “cria”.

Kirk propõe que eles utilizem as novas “hortas” como cavadores de túneis e que ambas as espécies passem a compartilhar o planeta, entretanto Spock está reticente quanto às chances da criatura ferida.

Apesar da desconfiança de Spock, McCoy consegue “suturar” a ferida da criatura com concreto. Ela aceita a proposta de Kirk e a Enterprise deixa o planeta com hortas e humanos convivendo em harmonia.

Comentários

Qual é a essência de Jornadas nas Estrelas? Essa pergunta é fonte de intensos debates ao longo de toda a existência da franquia desde seu nascimento, sem que nenhuma resposta seja efetivamente conclusiva, ou mesmo certa ou errada. E, provavelmente, jamais será. Mas “The Devil in the Dark” é um bom lugar para começar esse debate pois nos traz pistas interessantes sobre esse Santo Graal do fandom.

Se quiséssemos criar um modelo para Jornada, poderíamos tirar daqui um bastante significativo desse processo. Começamos com algo ameaçador. Uma criatura desconhecida que ataca seres humanos sem piedade e terminamos com a percepção de alguma coisa muito parecida com nós mesmos. Aqui, no caso, uma mãe protegendo seus filhos, talvez o sentimento humano mais básico, genuíno e profundo. No meio dessa jornada de entendimento, a comunicação é o elemento chave que pode nos unir ou separar, dependendo da forma como é alcançada. Um ótimo exemplo da mecânica criativa que envolve a Série Clássica e o cerne do espirito real da franquia: não só entender, mas abraçar as diferenças.

Mas esse também é um exemplo de como o argumento sci-fi não impede que a série navegue por vários gêneros na sua forma de contar histórias. O episódio começa com a estrutura típica de filmes de detetive e mistério. Uma série de assassinatos, que leva a uma investigação que pretende revelar o culpado e isso é feito de forma eficiente, com as pistas sendo plantadas em momentos chave da história, permitindo que esta avance, de forma a manter o interesse da audiência pela solução do mistério. Spock além de detetive, é também o elemento que irá conectar os pontos do quebra-cabeças.

De forma lógica e racional (é claro), ele conecta os pontos de forma equilibrada, usando seu conhecimento científico e a razão, livre de preconceitos, na busca de entender o outro e compreender as suas verdadeiras motivações, sem simplesmente reagir de forma violenta, mas criando um movimento contrário, que acaba por levar à solução real do problema, preservando a todos, inclusive a horta.

Nesse sentido, é importante notar que o conceito de vida inteligente e vida senciente é algo que também norteia os princípios mais básicos da franquia, que não define “o outro” apenas como aquilo que nos é semelhante, mas tudo aquilo que tem consciência do que está ao redor e de si mesmo.

Um pouco de technobabble é aplicado aqui, algo do qual não havia como escapar, dada a construção do roteiro. No entanto, o mais interessante é que boa parte disso vem realmente dos consultores científicos da serie, que deram várias contribuições que foram incorporadas ao texto, que não cansa. Visto que a mensagem principal do segmento é essencialmente humanista e as explicações cientificas servem apenas como suporte ao enredo, o peso delas parece adequadamente distribuído ao longo da história.

Mas, se o comportamento de Spock é adequado à persona que já havia sido estabelecida até aqui para o vulcano, o de Kirk também, embora oposto. O capitão da Enterprise, até de forma correta com o contexto, tem como foco a proteção dos mineiros e a recuperação das operações da instalação — e não poderia ser diferente. Mesmo assim, ele consegue, mesmo colocando a própria vida em perigo, frente aos fatos, perceber que seu curso de ação era inadequado e percebe que a criatura não era, na verdade, um perigo, passando inclusive a defendê-la . Essa mudança de Kirk também faz parte da mensagem embutida nesse roteiro.

Interessante notar que as atitudes de Kirk e Spock, nesse momento, se cruzam e se alteram. Quando Kirk está ameaçado, Spock não hesita em pedir ao capitão que se defenda. Mais do que uma fraqueza de caráter, aqui vemos o tamanho do apreço que Spock tem por seu oficial comandante e vemos também como Kirk consegue ir além de seus conceitos e preconceitos iniciais, aumentando em muito o tamanho do personagem.

Como em todo segmento de Jornada nas Estrelas, sempre se faz necessário acionar o modo de suspensão de descrença e aqui é justamente na questão da forma como a comunicação é feita entre Spock e a horta. O próprio Leonard Nimoy viria a ter, muitos anos depois, uma conversa com o físico Philip Morrison quando preparava o roteiro para Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa . Morrison disse que a ele que, num eventual encontro com alienígenas, o problema da comunicação talvez fosse insolúvel. “Os alienígenas podem ter construções orgânicas totalmente diversas, suas mentes podem funcionar de maneira diferente, talvez nem consigamos dialogar com eles.”

Essa questão parece sobrepor em muito o que poderíamos esperar da capacidades do elo mental vulcano e, mais do que isso, o quanto uma mente alienígena se parece tanto com o pensamento humano. Mas essa observação, apesar de obrigatória, de forma alguma diminui o episódio naquilo que lhe é essencial no alcance de sua mensagem. Além disso, o elo acaba sendo uma solução mais elegante do que uma solução mecânica como um tradutor universal, uma solução ainda menos crível e sem a dramaticidade que encontramos aqui.

Saindo das questões filosóficas e passando às práticas, temos aqui um importante adendo à geografia social e política da Federação. O episódio deixa claro a importância comercial das operações da colônia, estabelecendo que, ao menos no século 23, a economia ainda é um fator importante, apesar de, ao longo dos anos, a discussão sobre o uso do dinheiro em Jornada ter sido um dos assuntos favoritos na mesa dos fãs. Pelo menos na “era TOS” fica claro, aqui, que ainda existem necessidades orçamentárias a serem satisfeitas e este deixou apenas de ser um tema central na vida das pessoas, mas não das instituições.

O segmento tem outros pequenos problemas, como o fato de não existirem peças de reposição para as partes principais do principal equipamento da colônia, algo que coloca em risco não só as operações de uma das mais importantes colônias mineradoras, mas também coloca em risco a vida das pessoas presentes.

Shatner e Nimoy funcionam bem aqui mais uma vez, equilibrando as ações ao longo da história e com performances competentes. DeForest Kelley e James Doohan têm cada um seu momento importante, de pouco tempo em tela, mas vital para o enredo, sendo que Kelley tem um material um pouco mais saboroso que Scott. Sua atuação como médico/pedreiro, sem dúvida, está nos anais da Frota Estelar. No mais, os convidados dessa semana tem atuações corretas mas sem grande destaque, incluindo Ken Lynch (Chefe Vanderberg).

Uma mente descuidada poderia passar por esse episódio sem perceber o quanto ele fala do coração da franquia e do que ela é feita em seu sentido mais puro, mas “The Devil in the Dark” é muito mais que um diversão semanal e, não à toa, tornou-se um dos episódios mais queridos entre os fãs.

Avaliação

Citações

Captain, there are approximately 100 of us engaged in this search against one creature.The odds against you and I both being killed are 2,228.7 to 1.
2,228.7 to 1? Those are pretty good odds, Mr. Spock.
(Capitão, há aproximadamente 100 dos nossos empenhados nessa busca contra uma criatura. As chances de o senhor e eu sermos mortos são de 2.228,7 para 1.)
(2.228,7 para 1? As chances são boas, Sr. Spock.)
Spock e Kirk

Jim, I remind you that this is a silicon-based form of life. Dr. McCoy’s medical knowledge will be useless.
He’s a healer, let him heal.
(Jim, devo lembrar que esta é uma forma de vida baseada em silício. Os conhecimentos médicos do Dr. McCoy serão inúteis.)
(Ele cura. Deixe-o curar.)
Spock e Kirk

Help that? You can’t be serious.That thing is virtually made out of stone!
Help it. Treat it.
“I’m a doctor, not a bricklayer.”
You’re a healer. There’s a patient. That’s an order.”
(Ajudar aquilo? Não pode estar falando sério. Aquela coisa é virtualmente feita de pedra!)
(Ajude-a. Trate-a.)
(Eu sou um médico, não um pedreiro.)
(Você cura. Lá está um paciente. É uma ordem.)
McCoy e Kirk

“I also found about a million of these… silicon nodules. They’re eggs, aren’t they?”
“Yes, Captain, eggs…”
(Eu também encontrei cerca de um milhão desses… nódulos de silício. Eles são ovos, não são?)
(Sim, capitão, ovos…)
Kirk e Spock

“Did she happen to make any comment about those ears?”
“Not specifically. But I did get the distinct impression she found them the most attractive human characteristic of all. I couldn’t bear to tell her that only I have…”
“Mr. Spock I suspect you’re becoming more and more human all the time. You…”
“Captain, I see no reason to stand here and be insulted.”
(Ela fez algum comentário sobre essas orelhas?)
(Não especificamente. Mas tive a distinta impressão de que ela as achou a mais atraente característica humana. Eu não podia dizer a ela que tenho apenas…)
(Sr. Spock, eu suspeito que você está se tornando cada vez mais humano o tempo todo. Você…)
(Capitão, não vejo razões para ficar aqui e ser insultado.)

Trivia

  • O tema da comunicação seria revisitado algumas vezes em Jornada nas Estrelas e na ficção cientifica em geral. Dois exemplos celebres são Darmok, episódio de A Nova Geração, onde este tema é tratado com propriedade e o no maravilhoso filme de Denis Villeneuve, A Chegada. Vale conferir as duas abordagens.
  • Salvador Nogueira entrevista Leonard Nimoy — nesse texto do conteúdo clássico do TB, você pode ler na íntegra a entrevista concedida por Leonard Nimoy a Salvador Nogueira em 2003.
  • Janos Prohaska: A horta foi planejada, construída e interpretada por Janos Prohaska. Nascido em Budapeste, Hungria, em 10 de outubro de 1919 e falecido em 13 de março de 1974 na Califórnia nos EUA, em um acidente de avião. Prohaska também “atuou” em “A Private Little War” como o Mugato, e em “The Savage Curtain” como Yarnek. Ele também esteve presente no primeiro piloto da série, “The Cage”.
  • Mais sobre Prohaska: O mesmo Prohaska foi responsável por conceber também uma criatura (uma espécie de micro-organismo superdesenvolvido na realidade) para o último episódio de The Outer Limits (versão original), intitulado “The Probe”. Reza a lenda que, da visita de Prohaska “acompanhado de tal criatura” ao escritório de Gene Coon, que nasceu “The Devil In the Dark”. Em três dias, a versão final do roteiro estava pronta.
  • Morte do pai de Shatner: Durante as filmagens deste segmento, o ator William Shatner recebeu a notícia do falecimento do seu pai. Apesar do apelo geral, ele insistiu em terminar as cenas do dia. Leonard Nimoy foi um grande apoio para Shatner (que costuma citar com carinho este segmento) nesse momento de grande dor. De volta ao trabalho algum tempo depois, Shatner tinha que fazer as tomadas de reação ao que Nimoy já tinha gravado, especialmente as cenas do elo mental com a horta. Nimoy estava no set para refazer a performance e dar ao seu amigo algo a que reagir, enquanto Kirk seria capturado em vídeo. Em meio à total concentração de Nimoy, falando “dor, dor, dor…”, Shatner soltou o absurdo “Ninguém aí tem uma aspirina para dar para este vulcano?”. Toda a equipe caiu na gargalhada e demorou um bom tempo para se recompor e Nimoy ficou algum tempo sem falar com Shatner depois do “incidente”.
  • Hortas: Pelo menos na literatura de Jornada as hortas entraram para a Federação. No pocket book My Enemy, My Ally, a Enterprise tem um alferes de nome Naraht, um dos filhos da criatura encontrada por Jim Kirk em Janus VI. Sua especialidade? Biomatemática.
  • Barry Russo: O ator do tenente comandante Giotto aqui viria a “ganhar uma promoção” no segundo ano da série, interpretando o comodoro Wesley em “The Ultimate Computer”.

Ficha Técnica

Escrito por Gene L Coon
Dirigido por Joseph Pevney

Exibido em 09 de março de 1967

Título em português: “O Demônio da Escuridão” (AIC-SP), “O Demônio da Escuridão” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James Tiberius Kirk
Leonard Nimoy 
como Spock
DeForest Kelley 
como Leonard H. McCoy

Elenco convidado

Janos Prohaska como horta
Ken Lynch como Vanderberg
Frank Vinci como tenente Osborne
Brad Weston como Ed Appel
Biff Elliot como Schmitter
Barry Russo como comandante Giotto

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Edição de Carlos Santos
Revisão de Nívea Doria

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