O Grande Irmão está observando você
Sinopse
Data estelar: 3156.2
A Enterprise está em órbita do planeta Beta 3, investigando o desaparecimento de outra nave, a USS Archon, naquele local 100 anos antes. Em terra, um grupo de descida, formado pelos tenentes Sulu e O’Neil é atacado por locais vestidos em túnicas e agindo de forma semelhante a zumbis. O’Neil se desespera e foge pelas ruas, enquanto Sulu é transportado de volta à nave, mas não sem antes ser atingido por uma estranha arma em forma de bastão usada por seu perseguidor.
Sulu chega à nave com a memória afetada e agindo de forma de estranha, como se tivesse sido vítima de algum tipo de lavagem cerebral. Kirk, então, resolve formar um novo grupo de busca e descer ao planeta para procurar por O’Neil e descobrir o que houve com o piloto da Enterprise.
Uma vez em terra, eles se deparam com uma população extremamente pacífica e submissa. Um dos transeuntes interpela o grupo de descida, curioso sobre se a tripulação da Enterprise havia vindo para o “festival” e avisando que a “hora rubra” se aproxima. Ele chama uma mulher que passa, de nome Tula, perguntando se seu pai poderia receber Kirk e seu pessoal. De repente, assim que o relógio da praça toca, indicando dezoito horas, toda a população, até então calma, enlouquece, iniciando uma indiscriminada onda de violência, saques e roubos.
Os membros dos grupos de descida fogem por entre a multidão até uma casa pertencente a um homem de nome Reger, que, a despeito das suspeitas dos outros presentes, especialmente um de nome Hacom, aceita o grupo de Kirk e lhes fornece um quarto. Hacom protesta e deixa o local, fazendo ameaças.
Reger instala os membros do grupo de Kirk, mas estranha quando este diz que não pretende participar do festival e se nega a responder perguntas sobre uma entidade que parece controlar o lugar e que é referida apenas como Landru. Do lado de fora, a confusão continua. Na manhã seguinte, exatamente às seis horas, a convulsão coletiva termina e todos os habitantes voltam à condição de calmaria anterior ao festival. Tula retorna à sua casa em choque, o que leva um dos membros da equipe de Kirk, o sociólogo Lindstrom, a criticar Reger, pai da moça, por não ter feito nada para resgatá-la.
Enquanto McCoy ministra um sedativo em Tula, o ainda mais desconfiado Reger e seu amigo Tamar ficam atônitos ao concluir que os recém chegados não são parte do “grupo” (alguma espécie de consciência coletiva – ou algo parecido – reinante na sociedade local) e pergunta se eles são “archons”. Kirk não responde, mas, neste momento, Hacom retorna, trazendo consigo dois dos “inspetores”, seres iguais aos que haviam atacado Sulu e O’Neil anteriormente. Eles matam Tamar por este ter duvidado dos inspetores e ordenam que Kirk e seu pessoal os acompanhem, mas este se nega, o que deixa os inspetores confusos.
Aproveitando a hesitação dos inspetores, Reger deixa o local, dizendo que os levaria para um lugar seguro. Contudo, enquanto caminham, eles são atacados pela população, aparentemente controlados por Landru. Kirk, então, ordena o uso dos fêiseres em tonteio. Eles encontram o tripulante O’Neil entre as pessoas que atingem e o trazem junto.
Eles finalmente atingem o tal “lugar seguro”. Após estranharem alguns itens de tecnologia que parecem discrepantes com o nível de desenvolvimento aparente do lugar, Reger revela que toda a população do planeta faz parte do referido “grupo”, pelo qual todos são “absorvidos”, e que teria sido este o destino da tripulação da desaparecida nave estelar USS Archon, um século antes.
Reger fala que os “archons” (como ficaram conhecidos os tripulantes da antiga nave) vieram anos antes e atacaram o “grupo”, rebelando-se contra o controle de Landru e unindo-se a uma pequena resistência local. Essa resistência resumia-se até o momento ao próprio Reger, a Tamar, agora morto, e por uma terceira pessoa a quem ele não conhece.
Só então Kirk se dá conta de que Landru poderia ter poder para destruir uma nave (afinal a Archon não deixou vestígio na órbita do planeta). Então, ele contata Scott, no comando, que lhe informa que estão sob ataque de um tipo de raio de calor, que exige que toda a força da nave, inclusive dos propulsores, seja redirecionada para os escudos, a fim de evitar sua destruição. Entretanto, sem propulsores, a órbita da nave começa a decair, o que deixa a Kirk doze horas para resolver o mistério antes que a Enterprise queime na atmosfera.
Após perderem a comunicação, um sinal sensor é detectado por Spock. Em seguida, uma projeção que se identifica como Landru aparece. Kirk tenta comunicar-se, mas esta tentativa mostra-se inútil, e em seguida todos os presentes são colocados inconscientes por algum tipo de ondas sonoras.
Quando Kirk recobra a consciência, descobre que McCoy não está mais entre eles e que foram removidos para uma espécie de cela e desarmados. Kirk e Spock começam a fazer conjecturas sobre a natureza dos inspetores, de que estes poderiam ser máquinas e não humanos. Nesse momento, McCoy reaparece trazido por um dos inspetores, transformado como a população de Beta 3.
Os inspetores retornam e ordenam a Kirk que este os siga, ameaçando-o de morte. Sem opções, ele obedece, sendo levado a um local conhecido como sala de absorção. Lá, um homem chamado Marplon aparece e prepara o que seria a “conversão” de Kirk. Em seguida, os inspetores buscam Spock para efetuar o mesmo procedimento no vulcano.
Este cruza com um aparentemente convertido Kirk e, depois, é preso ao equipamento que realizará o processo. Entretanto, quando o inspetor que acompanhava Spock deixa o local, Marplon revela ao primeiro oficial da Enterprise ser ele o “terceiro rebelde” de quem Reger havia falado, e devolve as armas que lhe haviam sido tiradas. Ele evita que o vulcano seja convertido e diz que Kirk também está a salvo.
Spock encontra Kirk e Lindstrom e ambos concluem que Landru é, na verdade, uma máquina e decidem encontrá-la e desativá-la, mesmo que, para isso, precisem passar por cima da Primeira Diretriz, a qual Kirk afirma não se aplicar na presente questão. Reger reaparece acompanhado de Marplon, que agora lhes devolve também os comunicadores.
Enquanto Kirk tenta convencer Reger e Marplon a ajudá-los a achar Landru, McCoy, transformado, percebe que os dois não foram afetados e começa a gritar de forma histérica, obrigando Spock a adormecê-lo com o toque vulcano.
Reger e Marplon estão aterrorizados com a possibilidade de serem descobertos por Landru. Kirk entra em contato com Scott, que informa que a situação na nave ainda é critica, adicionando um sentimento maior de urgência ao capitão, que pressiona mais fortemente os amotinados. Reger se descontrola e entra em pânico, mas Marplon acaba levando Kirk ao local onde supostamente Landru poderia ser contatado.
Uma projeção do mesmo homem que havia se apresentado anteriormente reaparece, disposta a eliminar Kirk e Spock e todos os que tiveram contato com o pessoal da Enterprise. Eles atiram na parede atrás da projeção, tendo, então, a visão do atual Landru, um computador projetado e construído pelo verdadeiro Landru, morto 600 anos antes. Eles tentam destruir a máquina usando os fêiseres, mas um campo de força impede que isso seja feito.
Kirk começa, então, um duelo de eloquência com o computador, acusando-o de ser prejudicial ao “grupo”, fazendo com que a máquina, incapaz de responder aquelas críticas, entre num ciclo de autodestruição, deixando toda a população livre da influência de Landru. Kirk e a Enterprise partem, mas deixam no planeta o sociólogo Lindstrom junto com uma equipe para ajudar na adaptação da população à sua nova situação.
Comentários
Em 1949, George Orwell lançou seu famoso e Último romance, 1984. Em um futuro distópico, o Estado impõe um regime totalitário para a sociedade, que é constantemente vigiada pelo Grande Irmão. Oceania, país fictício onde se passa a história, é dominado pelo medo e pela repressão e quem desafiasse o regime era acusado de rebelião. 1984 foi inspirado em regimes totalitários das décadas de 1930 e 1940, como o nazismo e o stalinismo, trazendo reflexão e crítica ao fato de cidadãos serem reduzidos a peças para servir o Estado, através do controle total.
O romance de Orwell inspirou várias obras, tanto na TV como no cinema, e “The Return of the Archons” é a versão de Jornada nas Estrelas dessa obra, tanto clássica quanto perturbadora. Embora seu tom panfletário tenha se esvaído um pouco com as mudanças acontecidas na grande maioria dos países comunistas nas últimas décadas, o tema continua absolutamente atual.
A referência à obra de Orwell é tão forte que não cabe aqui crítica ou comentário sobre a história em si. A tripulação da Enterprise chega a Beta 3 (Oceania), cuja população é mantida numa espécie de transe mental e obediência cega a um ser conhecido como Landru (Estado), dominados pelo medo e pela repressão, todos são vigiados o tempo todo (Big Brother) e não há espaço para individualidades.
Não se trata de acusar o roteiro de cópia, mas de reconhecer como consegue captar o tema central do tema proposto por Orwell e entregar um episódio rico em sua discussão politico-social, que critica, de forma sutil, um Estado manipulador que vive apenas em benefício próprio.
Essa historia é, ainda hoje, atual e representativa, numa sociedade em que vivemos cada vez mais sob a vigilância de câmeras expondo nossas vidas em redes sociais, através das lentes de celulares e computadores, e na qual o debate sobre a questão da privacidade e vigilância na Internet é repleto de perguntas mal respondidas. Somos vigiados todo o tempo, quase que da mesma forma como as tele-telas de 1984, que transmitiam as imagens de propagandas do regime e, ao mesmo tempo, invadiam a privacidade na casa das pessoas.
Mas um conceito igualmente interessante inserido no episódio é chamada “hora rubra” ou “festival”. Embora uma sociedade altamente organizada e pacífica possa parecer algo benéfico, o ser humano é definido por suas individualidades. A repressão artificial desses impulsos humanos pode, em dado momento criar momentos de tensão social, o que poderia, em última analise, retornar contra o próprio Estado.
Nesse sentido, a “hora rubra” nada mais é que mais um instrumento de manipulação social. Ao permitir que a população, que é obrigada a reprimir seus sentimentos mais íntimos e pessoais, extravase todas essas angústias e insatisfações acumuladas — de forma controlada — na verdade, acaba por impedir que essa insatisfação se transforme em revolta.
Por último, o fato de Landru ser uma máquina é também um ponto de reflexão quando, nos dias atuais, o tema da inteligência artificial está em alta e já temos diversas experiências cada vez mais avançadas (e algumas até mesmo invasivas) com esse tipo de tecnologia.
Apesar do truque da evolução paralela ser usado para baratear os custos, com uma população de humanos que convenientemente fala inglês, esse episódio tem alguns méritos de produção. Embora possa parecer simples, “The Return of the Archons” é um episódio caro em função dos cenários, dos efeitos especiais e da grande quantidade de atores necessários à trama, algo incomum nos episódios da série.
O elenco principal trabalha de forma eficiente aqui. Shatner, Nimoy e Kelley estão muito bem em seus personagens. Nota para Kirk interpretando a primeira diretriz mais uma vez à sua maneira, e, embora possamos concordar com ele nesse caso, não dá para deixar passar em branco. Sulu tem uma pequena participação sem relevância ao segmento, mas essa é a primeira vez que vemos Scott no comando da Enterprise.
“The Return of the Archons” é um dos episódios com a assinatura do que seria a essência de Jornada nas Estrelas: crítica social relevante, disfarçada de (boa) ficção científica e, justamente por isso, continua uma história atemporal.
P.S: No episódio de Lower Decks, “No Small Parts” a USS Cerritos retorna a Beta 3. Os detalhes dessa visita podem ser encontrados aqui, mas, sem entrar em detalhes, o segmento de LDS amplifica ainda mais e estende a discussão iniciada nesse episódio da Série Clássica.
Avaliação
Citações
“Do you say that Landru is not everywhere?”
(Você diz que Landru não está em todo lugar?)
Hacom
“Mr. Spock, the plug must be pulled.”
(Sr. Spock, a tomada deve ser puxada.)
Kirk
“It’s time you learned that freedom is never a gift. It has to be earned.”
(É hora de você aprender que a liberdade nunca é um presente. Tem que ser conquistada.)
Kirk
The good of the body is the prime directive.”
(O bem do corpo é a principal diretriz.)
Landru
You would make a splendid computer, Mr. Spock.”
(Você daria um computador esplêndido, Sr. Spock.)
Kirk
Trivia
- Jon Lormer (7 de maio de 1906 – 19 de março de 1986) que interpreta Tamar, atuou em “The Cage” e em “The Menagerie” como o Dr. Theodore Haskins, um dos supostos sobreviventes da SS Columbia. Ele retornaria à série em seu terceiro ano, no episódio “For the World is Hollow and I Have Touched the Sky”.
- Charles Macauley (26 de Setembro de 1927 – 13 de Agost0 de 1999), o Landru, também voltaria em “Wolf in the Fold”, como Jarvis.
- O rascunho inicial do roteiro trazia um romance entre Lindstrom e Tula. Algo que foi abandonado na última versão.
- Esse é o primeiro de quatro episódios em que Kirk convence um computador a se “suicidar”. Isso aconteceria novamente em “The Changeling”, “I, Mudd” e “The Ultimate Computer”.
Ficha Técnica
História de Gene Roddenberry
Roteiro de Boris Sobelman
Dirigido por Joseph Pevney
Exibido em 9 de fevereiro de 1967
Título em português: “A Hora Rubra” (AIC-SP), “A Hora Rubra” (VTI-Rio)
Elenco
William Shatner como James T. Kirk
Leonard Nimoy como Spock
George Takei como Hikaru Sulu
James Doohan como Montgomery Scott
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
Nichelle Nichols como Uhura
Elenco convidado
Brioni Farrell as Tula como Tula
Charles Macauley como Landru
Jon Lormer como Hacon
Christopher Held como Lindstrom
Revisitando
Enquete
Edição de Carlos H.B Santos
Revisão de Nívea Doria