LDS 1×08: Veritas

Se vamos ser cozinhados com enguias, então que seja por aquilo que realmente somos

Sinopse

Data estelar: algum tempo após a 57818.4.

Em K’Tuevon Prime, nosso grupo de alferes é repentinamente jogado em um calabouço de uma macabra torre, com todos ali confusos a respeito de qual teria sido a razão de terem sido detidos e qual o destino tiveram os oficiais mais graduados da Cerritos. O grupo contudo é rapidamente elevado em uma plataforma ao meio do que parece ser um sinistro tribunal alienígena, completo com luz indireta, observadores nas sombras e os oficiais da Cerritos suspensos em um feixe energético.

Alferes consertando nave auxiliar no muquifo

O Magistrado Imperial Clar chega com toda pose de promotor e declara que aquele grupo de alferes deverá declarar a verdade a respeito dos eventos que testemunharam, usando para isso a Corneta da Franqueza, o modo sagrado deles para relatos formais. Clar afirma que a primeira a dar seu relato será Mariner, questionando-a sobre os eventos da data estelar 57818.4.

Mariner conta que, enquanto estavam no muquifo tentando dar jeito naquela nave auxiliar largada no local, quase não souberam que a Cerritos estava em alerta vermelho, porque Rutherford havia se metido a fuçar nos autofalantes do local. Ela e Boimler entram de fininho na ponte e encontram Freeman se teleportando direto para lá com um mapa que recebeu do capitão de uma nave alienígena, mas que agora estava invocadissímo pelo desrespeito dela, por ter tido a audácia de agradecê-lo. Freeman pede sugestões aos dois e, enquanto Mariner dá uma de João-Sem-Braço, Boimler taca um monte de coisa na parede para ver o que cola, de sugestões de manobras inadequadas até antigas táticas soviéticas de submarinos. Freeman sugere “mandarem uma mensagem”, o que Mariner interpreta como um tiro de feiser de advertência, e os alienígenas revidam fogo contra a ponte da Cerritos.

Rutherford observando o Vulcan Air and Space Museum

Clar interrompe o relato de Mariner, incrédulo a respeito de que um oficial da Frota não saberia exatamente o que estava ocorrendo, e ameaça tacar a moça no Tanque do Desprezo, com suas enguias. Ele quer saber mais a respeito do mapa, e questiona Rutherford a respeito do que houve em seguida. O alferes está disposto a falar, mas comenta que sua memória daquele período em particular está muito fragmentada.

Isso ocorreu porque Billups e Shaxs o recrutaram apressadamente para uma missão, em razão de o implante ocular dele ter acesso a dados de engenharia romulanos – mas para isso Rutherford teria de fazer atualizações no implante. O processo de atualização envolvia o implante rebootar várias vezes sem muito aviso prévio, o que o deixava totalmente desorientado. Depois do primeiro reboot, Rutherford se encontrou em uma nave auxiliar vulcana, de onde Shaxs o joga de paraquedas em cima de um museu. No museu, ele acorda de novo com Shaxs fuçando em uma antiga ave-de-rapina e, depois de distrair um guarda, um novo reboot o leva a acordar em cima da ave-de-rapina camuflada no espaço. Ele carrega Billups para a nave auxiliar onde estava Shaxs, mas, assim que chega, reboota novamente e cai nos controles mandando a nave descontroladamente em dobra, acabando por cair no meio de um casamento gorn.

Frota romulana escaneia espaço

O relato fragmentado frustra Clar, que pendura Rutherford junto com Mariner em cima do tanque, e Tendi protesta contra o tratamento, o que leva Clar a questioná-la em seguida. Tendi avisa que vai ter de omitir certos nomes e fatos devido à natureza secreta do seu relato. No que ela limpava a sala de conferência da Cerritos, Ransom e outros três agentes de forças especiais da Frota entram e assumem que ela faz parte do time deles por ser “A Limpadora”. Tendi só percebe que eles se enganaram sobre o papel dela ali tarde demais, quando o grupo já estava na ave-de-rapina atravessando a Zona Neutra. E toda vez que ela queria esclarecer as coisas algo a interrompia. Ela e o grupo acabam descendo em uma instalação na capital romulana, onde depois do grupo de Ransom resgatar um pacote, Tendi faz mais do que eles esperavam e passa o rodo em um destacamento inteiro de soldados romulanos. De volta à Cerritos, Ransom cumprimenta a órion pelo serviço bem feito, que volta a apenas limpar a sala de conferências como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Ainda mais frustrado e incrédulo, Clar joga os três no tanque e ainda acende os queimadores embaixo. Boimler tem de intervir. Ele afirma que os alferes simplesmente sabem quase nada dos eventos que Clar exige que eles expliquem, pois são apenas tripulantes dos deques inferiores e nunca recebem todas as informações a respeito do que ocorre com a nave. Clar afirma que aquilo é uma mentira, pois eles são infalíveis membros da Frota Estelar, mas Boimler retruca dizendo que os oficiais não são tão infalíveis assim, dando exemplos de como a tripulação fica frustrada quando Q aparece com seus enigmas, como Ransom negligencia saber mais sobre suas paqueras, como T’Ana acaba embarcando em naves erradas, e assim por diante.

Q e a tripulação da Cerritos

Clar insiste que Boimler confirme que eles são heróis infalíveis, mas Boimler já passa a mão na tal Corneta da Franqueza e engata um eloquente discurso defendendo que, embora as tripulações da Frota não sejam tão infalíveis assim, não ter conhecimento de tudo faz parte de ser um explorador e é aquilo que os motiva a seguir ao desconhecido. Emenda dizendo que eles estão sendo injustos para com seus oficiais em os colocar em um julgamento de fachada como aquele.

Nisso, Clar pergunta para eles porque é que eles acreditam que aquilo é um julgamento, quando se trata apenas de uma celebração da tripulação da Cerritos, por tê-lo resgatado dos romulanos, revelando detalhes do local: essencialmente um buffet alienígena decorado com balões, enfeites de festa etc. Inconformados, os quatro alferes insistem que aquela cerimônia tinha todas as características de um julgamento, e Freeman e os demais oficiais acabam tendo de levar os alferes embora por Mariner insistir em ficar batendo boca com Clar a respeito do mal-entendido.

Clad com a tripulação da Cerritos em um feixe de energia

Na Cerritos, Freeman comenta que eles quase conseguiram ser mortos em um jantar de agradecimento, mas reconhece a demonstração de valor do grupo ao ter defendido a postura da Frota Estelar com tanta paixão. A capitão se compromete a ser mais aberta com a tripulação, coisa que faz imediatamente os alferes questionarem a respeito das aparentes inconsistências da história. Sem paciência, Freeman os dispensa e, no que o grupo deixava a sala de conferências, Q aparece para eles, querendo apresentar mais um desafio à humanidade, o que faz Mariner mandar o ser onipresente ir procurar o Picard e parar de encher o saco.

Comentários

“Veritas” é um episódio que nos entregou uma estrutura narrativa inédita até o momento em Lower Decks: teve basicamente apenas uma trama “A”, os quatro protagonistas atuaram juntos e foram centrais tanto na resolução do problema principal como na missão em si (embora nesta última Boimler e Mariner o foram apenas tangencialmente). Tivemos inúmeros momentos isolados aparentemente aleatórios e vários convidados especiais no elenco.

Veritas title card

Se formos procurar algum equivalente deste episódio em outras séries animadas de comédia, talvez poderia encaixar na categoria de, por exemplo, “Cabo Interdimensional”, de Rick and Morty, “You watched it! You can’t unwatch it!” de Futurama, e aqueles episódios de três histórias isoladas alternativas que Os Simpsons e Family Guy costumam fazer. É claro que, por sua natureza dentro do cânone de Jornada, Lower Decks tem um espaço mais limitado em que manobrar para conseguir episódios como esses, mas teve sucesso aqui com “Veritas”, entregando eventos que parecem isolados e amplamente diversos, mas que se mostraram amarrados em uma trama coesa no final.

A trama principal tinha dois momentos distintos, aqueles no “julgamento” e os flashbacks. A escrita do episódio deliberadamente distribuiu aqueles aparente relatos “aleatórios” para sugerir apenas lentamente a relação entre eles, claro, de modo a ilustrar a confusão dos alferes. O ritmo alucinado dos relatos, além de intensificar o humor, ajudava na sensação de que estávamos sendo arrastados junto com eles através de eventos sobre os quais também não tínhamos ideia do todo, algo que se trata de uma das promessas da série: ver as operações de uma nave da Frota do ângulo dos deques inferiores. Se fosse um episódio regular de Jornada, haveria tido umas três sequências na sala de conferências e gabinete da capitão da Cerritos repassando os pormenores do resgate.

Rutherford em cima da ave de rapina romulana

Embora não necessariamente o mais engraçado per se, o momento mais irônico foi quando os alferes, frente ao comando dizer que vai ser mais transparente com eles, resolvem questionar sobre todas as inconsistências e contradições do episódio – exatamente o que os fãs fazem quando debatem uma trama de um episódio de Star Trek. Podemos dizer então que o comentário da vez em cima de velha trope de Jornada (além de parodiar o conceito em geral de julgamentos alienígenas), brincando com o fato de que nós debatemos todas as escolhas que as equipes criativas fazem para terem as tramas da maneira que desejam, provocando situações aparentemente sem sentido e que precisam de nossas tradicionais racionalizações (que adoramos fazer!) para dar mais coesão aos eventos que ocorreram naquele universo fictício. Foi uma dose interessante de metarreferência, e nem mesmo foi a única – até o diálogo deles enquanto consertavam a nave auxiliar poderia acontecer totalmente verbatim no chão de qualquer convenção de Star Trek.

Outro ponto a destacar também foi o comentário que o episódio faz a respeito da suposta “infalibilidade” das tripulações da Frota Estelar, em particular daquelas que aparecem em séries de TV aqui em nossa realidade. De certa forma foi um momento de metarreferência também, com Boimler parecendo falar não apenas para Clar, mas também para todos que tendem a idealizar demais a figura do “Personagem da Frota Estelar em Jornada“. É sempre importante considerar que eles podem ser bons personagens ainda que errem e tenham defeitos — algo até mesmo fundamental para que de fato sejam bons personagens. A franquia tem parte da responsabilidade disso também, claro, A Nova Geração em particular, que tentava impor aos personagens principais aquele molde de perfeitos humanos evoluídos do futuro que não têm conflito entre si.

Tendi e Clad

Foi também um episódio generoso no sentido de que cada protagonista ganhou um momento épico para chamar de seu: Rutherford e Tendi chutaram bundas nas suas operações especiais, Mariner mandou Q passear e Boimler ficou encarregado do Discurso Eloquente Que Resolve a Trama™, talvez algo que venha a ser a especialidade do rapaz, considerando que ele também salvou o dia em “Temporal Edict” com sua retórica. E todos os momentos dos quatro protagonistas juntos ilustraram bem que esse tipo de interação deles enquanto grupo precisa ser mais explorado, pois funciona muito bem em favor da série.

A missão em si também foi bem interessante, extremamente rica em detalhes e cheia de referências ao universo de Jornada como um todo, sem deixar de fazer sua própria colaboração para a construção de mundo da franquia: aprendemos que Vulcano tem o seu próprio Museu de Ar e Espaço, vimos tropas federadas dedicadas a operações especiais, conhecemos detalhes sociais de espécies novas e antigas etc.

Ransom e forças especiais federadas

As cenas do “julgamento” foram ótimas também, em particular quando se revelaram ser uma confraternização entre espécies alienígenas amigas, incluindo ter sido reservado apenas 22 minutos para tanto, o que foi ainda outra piscadela de metarreferência colocada ali. A respeito da missão eu poderia acrescentar, por exemplo, que o resgate de um importante alienígena de civilização aliada da Federação seria um trabalho de se esperar de uma nave como a Enterprise, em vez de uma turma do fundão como a Cerritos, mas como já comentamos… Boimler adiantou essa lebre aqui para nós, então qualquer consideração adicional a respeito é meramente acadêmica.

Mas para não deixar de ter uma dessas picuinhas aqui, a necessidade deles por um dos MacGuffins do episódio, o mapa da Zona Neutra, deve ser racionalizada na medida que aquele mapa em particular teria detalhamento de onde o pacote se localizava, claro. Uma graça que Ransom instrui sua equipe dizendo que haveria guardas “aqui e aqui” usando para isso o mapa mostrando uma escala de dezenas de anos-luz entre a Federação e o Império Romulano.

Tripulação da USS Alhambra

“Veritas” também se destaca pelos seus convidados especiais, considerando que tivemos talentos como Kurtwood Smith, que entre outros papéis já foi o presidente federado em Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida, e Kenneth Mitchell, que interpretou vários klingons de destaque em Discovery. E é claro, John de Lancie como Q, sendo que esta mais recente aparição deste tradicional personagem de Jornada se deu de uma maneira descontraída e bem encaixada no que o episódio se propõe, e com indícios de que aquela não foi a primeira vez que o Q atazana a paciência da tripulação da Cerritos. Esta familiaridade implícita adiciona um grau de cumplicidade nosso para com os personagens, uma vez que este também não foi o nosso primeiro rodeio com Q.

Mariner manda Q ir passear

No mais, tivemos com este ótimo episódio aqui o ponto alto da temporada até o momento e que indica que a série está encontrando cada vez mais o seu próprio ritmo para se posicionar como a série de comédia animada da franquia.

Avaliação

Citações

“Roga Danar? Are you nuts? I said ‘Who’s the all-time biggest badass?’ not ‘Who’s a dude nobody’s heard about?'”
(Roga Danar? Você está doido? Eu perguntei ‘Quem é o maior durão?’ e não ‘Quem é um sujeito de quem ninguém ouviu falar?’)
Mariner para Boimler

“Updating Klingon fonts.”
“What? Why do I even need that?”

(Atualizando fontes klingons.)
(O quê? Para que eu sequer preciso disso?)
Sistema operacional do seu implante e Rutherford, sobre o processo de atualização

“Sorry.”
“Apologizing to the enemy? That’s cold, Cleaner.”

(Desculpa.)
(Se desculpando para o inimigo? Isto é mesmo frieza, Limpadora.)
Tendi e Ransom, depois de neutralizarem romulanos

“I need you to tell me that your senior officers are infallible heroes!”
“Well they’re not, and that’s okay. We all joined Starfleet to dive first into the unknown. We’re explorers, of course we don’t always know what’s going on. Did Picard know about the Borg? Did Kirk know about that giant Spock on Phylos? Did Dr. Crusher know about that ghost in the lamp thing from the Scottish planet that she hooked up with that one time? That whole thing. You clearly want us to say that the captain and her crew messed up, but we simply don’t have the full story, and that’s the truth! Whatever they did, I guarantee you it was all for good. You have shown no evidence that they’re guilty of a crime, in fact, I find you guilty of trying to take them down with this sham of a trial! Drumhead!”

(Eu preciso que você diga que os seus oficiais superiores são heróis infalíveis!)
(Bem, eles não são, e não há problema nisso. Nós todos nos juntamos à Frota Estelar para entrarmos de cabeça no desconhecido. Nós somos exploradores, então é claro que nós nem sempre sabemos o que está acontecendo. Picard sabia sobre os borgs? Kirk sabia sobre aquele Spock gigante em Phylos? A doutora Crusher sabia de algo sobre aquele fantasma naquele lanterna daquele planeta escocês onde ela ficou uma vez? Aquilo tudo. Você claramente quer que confirmemos que a capitão e a tripulação erraram, mas nós simplesmente não temos a história toda, e esta é a verdade! Seja lá o que eles fizeram, eu lhes garanto que foi para o bem maior. Vocês não demonstraram evidência alguma de que eles sejam culpados de algum crime e, na realidade, eu os declaro culpados de tentarem derrubá-los com este julgamento fajuto! Inquisição!)
Clar e Boimler

“Go find Picard.”
“Oh, Picard. He’s no fun, he’s always quoting Shakespeare, he’s always making wine…”

(Vai achar o Picard.)
(Oh, Picard. Ele não é divertido, ele está sempre citando Shakespeare, ele está sempre fazendo vinho…)
Mariner e Q

Trivia

  • A nave auxiliar utilizada por Shaxs, Billups e Rutherford para sua incursão em vulcano é da mesma classe de nave utilizada por Spock para chegar à Enterprise em Jornada nas Estrelas: O Filme.
  • O episódio conta com a aparição do primeiro personagem legado de Star Trek, com a participação de John de Lancie como Q. É a primeira vez que o ator reprisa seu papel na franquia desde suas aparições em Voyager.
  • O gerente do estabelecimento dizer a Clar que ele pagou por apenas 22 minutos de atividades refere-se indiretamente à duração típica de um episódio de comédia animada para TV, de modo a encaixá-lo num espaço de meia hora de TV, se intercalado com comerciais.
  • Este foi o décimo segundo episódio de Star Trek até o momento que tem o seu título em latim.
  • O fato de Roga Danar ser o vilão favorito do showrunner Mike McMahan é uma piada interna da equipe de escritores da série, aqui inserida no diálogo dos personagens.
  • Você pode conferir todas as referências e easter eggs do episódio neste artigo de Maria-Lucia Racz no Trek Brasilis.

Ficha Técnica

Escrito por Garrick Bernard
Dirigido por Kim Arndt

Exibido em 24 de setembro de 2020

Elenco

Tawny Newsome como Beckett Mariner
Jack Quaid como Brad Boimler
Noël Wells como D’Vana Tendi
Eugene Cordero como Sam Rutherford
Dawnn Lewis como Carol Freeman
Jerry O’Connell como Jack Ransom
Fred Tatasciore como Shaxs
Gillian Vigman como T’Ana

Elenco convidado

John de Lancie como Q
Kenneth Mitchell como capitão Seartave e soldados federado e romulano
Kurtwood Smith como Clar
Paul Scheer como Andy Billups

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