TOS 1×12: The Menagerie, Part II

Apenas com edição, episódio dá novo significado a piloto perdido

Sinopse

Data estelar: 3013.1.

Após o motim que ocasionou o sequestro da Enterprise para uma viagem não autorizada a Talos IV, Spock é submetido a uma corte marcial. Participam dos procedimentos, como oficiais graduados, o comodoro José Mendez e os capitães James Kirk e Christopher Pike.

Durante a reunião, são mostradas imagens de como, treze anos antes, a Enterprise, então comandada por Pike, interceptou um pedido de socorro de uma antiga nave terrestre, a SS Columbia. Respondendo ao pedido, a Enterprise chega a Talos IV e encontra um grupo de sobreviventes, que logo depois desaparecem, junto com seu acampamento. Pike então é sequestrado por um grupo de talosianos, alienígenas capazes de produzir as mais realistas e sofisticadas ilusões já registradas, graças a seus poderes telepáticos.

Durante a corte marcial, a Enterprise recebe uma mensagem do Comando da Frota Estelar informando que Kirk foi afastado do comando (devido às comunicações detectadas com Talos IV) e dando ordens a Mendez de assumir o controle da nave.

A transmissão prossegue, apesar dos protestos do comodoro, mostrando os detalhes do incidente envolvendo Pike, como ele descobriu e frustrou os planos dos nativos de Talos IV que queriam mantê-lo cativo ao lado da única real sobrevivente da SS Columbia, Vina, para repovoar o seu mundo estéril no melhor estilo “Adão e Eva”.

A Enterprise chega a Talos IV e então Kirk descobre que a corte marcial, a presença de Mendez e tudo mais foram apenas um truque criado pelos talosianos para permitir que Spock levasse Pike a Talos IV sem que Kirk fosse envolvido no problema diretamente.

A Enterprise recebe nova mensagem da Frota Estelar, agora do verdadeiro comodoro Mendez, informando que as restrições de acesso ao planeta ficavam suspensas temporariamente devido à “importância histórica de Pike” e dando permissão ao inválido capitão a ser transportado para lá, onde viveria o resto de seus dias com Vina, como o homem que era anos atrás. Uma ilusão mais gentil que a insuportável existência que estava levando — algo que Spock devia a seu antigo comandante.

Comentários

Não seria exagero dizer que “The Menagerie”, e em particular sua segunda parte, pela primeira vez abriu as portas para o universo ficcional mais amplo de Jornada nas Estrelas. Antes dele, falávamos das aventuras de uma tripulação em uma nave estelar do futuro. Depois dele, já podíamos vislumbrar uma realidade muito mais completa, em que não só os personagens tinham um passado rico e vasto, mas a própria nave também.

“The Menagerie, Part II” é absolutamente minimalista na presença dos tripulantes atuais da Enterprise. Tanto é que nem mesmo McCoy e Scotty aparecem no episódio (salvo assistindo às transmissões de Talos IV), para concentrar a trama no julgamento de Spock e na revelação do que ocorrera com Pike no planeta proibido.

De forma paradoxal, o fato de a atual tripulação não ser o foco acaba valorizando-a ainda mais no contexto do universo ficcional. Vivenciamos o fato de que houve outra tripulação, inteiramente diferente, a bordo da nave, que também era capaz e eficiente. Isso, por tabela, dá à “atual” tripulação uma missão tão importante quanto a de procurar novas formas de vida e novas civilizações: manter as tradições da USS Enterprise, que ganha aqui longevidade e uma história pregressa. É algo como a diferença entre comprar uma casa nova ou uma que já tenha sido usada. Impossível não pensar sobre o que aconteceu antes naquele mesmo local, e de repente começa-se a ter a impressão que aquela é uma entidade viva, testemunha da história. O universo ficcional se expande e, pela primeira vez, os fãs descobrem que há vida em Star Trek para além das aventuras do capitão Kirk.

De forma igualmente intrigante, temos em Pike uma figura trágica clássica, e o poderoso contraste entre a vitalidade do capitão em sua primeira visita a Talos IV e sua versão inválida dos tempos atuais garante a ele um lugar de destaque no coração dos fãs. Transformar “The Cage” em “The Menagerie” eleva Christopher Pike e sua tripulação a um posto relevante na mitologia de Jornada, status mais do que merecido. O acidente de Pike também fala dos perigos do espaço e traz um bem-vindo senso de mortalidade aos capitães estelares. E o evento seria revestido de uma camada adicional de mitologia heroica na segunda temporada de Star Trek: Discovery, fazendo uma ponte ainda mais firme entre o piloto malfadado e o episódio duplo de grande sucesso da Série Clássica.

Mais brilhante ainda, notem como, apenas fazendo edições ao material original filmado para o desfecho de “The Cage”, temos uma situação inteiramente diferente. No piloto, Pike decide partir, e Vina fica com a ilusão de que ele ficará com ela. Aqui, vemos Pike voltando de fato para ficar com ela e, por meio de ilusão, reconvertido ao seu eu de outrora.

Em “The Cage” – ou no passado, como queira – há uma cena onde Pike queixa-se a Boyce sobre estar sentindo o peso da responsabilidade e de como gostaria de largar a Frota Estelar e trocá-la por uma vida pacata, sem muitas responsabilidades. Depois, quando é capturado pelos talosianos, é exatamente isso que lhe é oferecido, e mais — como o próprio Pike disse, toda uma galáxia de coisas para fazer –, mas ele então resiste, uma vez que o preço seria sua liberdade. Essas passagens são fundamentais para a compreensão do propósito de “The Cage”.

No fim de tudo, em “The Menagerie”, Pike retorna a Talos e aceita de bom grado viver dentro de uma ilusão com Vina. O que treze anos antes era inaceitável para ele de repente se torna uma alternativa de vida acolhedora, se comparada à “prisão” de seus dias, paralisado e praticamente incomunicável.

Esse gancho, embora possa para alguns parecer algum tipo de revisionismo, ou de lógica reversa, faz uma interessante ligação da essência do original “The Cage” com “The Menagerie”, dando uma consistente ideia de continuidade e mantendo aberta a discussão proposta pelo primeiro.

Claro, a despeito da qualidade de ambas as tramas, elas exigem alguma dose de suspensão da descrença. Do que veio do piloto, ficamos a nos perguntar como o líder talosiano foi incapaz de iludir Pike de modo a permitir que as armas trazidas pela ordenança Colt e pela Número Um fossem apreendidas. A tentativa de se esgueirar pela abertura da jaula de forma visível como aconteceu beira uma ingenuidade risível.

O problema mais sério, porém, surge de um efeito colateral da forma como a trama foi reelaborada para “The Menagerie”. A fim de tornar possível o plano de Spock, os poderes dos talosianos são incrivelmente amplificados, a ponto de permitir que Kirk deixasse a Base Estelar 11 – que segundo Spock ficava a “seis dias de viagem em dobra máxima” – acreditando ter a companhia do comodoro Mendez, e ser enganado, junto com toda a tripulação da Enterprise, por toda a viagem. Assumindo-se que a velocidade de cruzeiro da Enterprise seja dobra 6, Talos IV está mais distante da Base Estelar 11 do que a Terra está das estrelas mais próximas.

Uma raça capaz de se projetar telepaticamente a essa distância, com tal eficiência, dificilmente teria sido derrotada por Pike e sua tripulação anos antes. De fato, os poderes dos talosianos foram tão aumentados que não é difícil imaginar um cenário em que mesmo Spock não fosse necessário, ou ao menos não precisasse roubar a Enterprise para ajudar Pike.

Uma absurda “suspensão da Ordem Geral 7 exatamente no momento em que ela era necessária” estica ainda mais essa corda da suspensão da descrença. Curioso também é que Pike consiga produzir sinais “sim” ou “não” (“1” ou “0”) e isso não seja utilizado para melhorar a sua precária interface de comunicação (!), apesar de ele conseguir entender o que lhe é perguntado (!?).

(Aliás, não tinha NADA melhor naquela base estelar para mandar atrás da Enterprise do que uma nave auxiliar? Ainda que consideremos que as imagens enviadas à Enterprise tivessem sido tiradas das mentes dos envolvidos e perdoarmos as “tomadas televisivas” de tais imagens, fica difícil de acreditar que ninguém tenha protestado e parado com a sessão, é simplesmente absurdo demais sob o ponto de vista deles.)

Contudo, se levarmos em conta as dificuldades de realizar o que foi proposto e o sucesso da empreitada (que faturou o primeiro prêmio Hugo da história de Jornada nas Estrelas), o resultado final alcançado enseja um olhar generoso, face ao refinamento e requinte utilizados num exercício de admirável criatividade que proporcionaram a “The Menagerie” grande harmonia entre as partes e fluidez ímpar em condições mais do que adversas.

Avaliação

Citações

“I’m willing to bet you created an illusion this laser is empty. I think it just blasted a hole in that window and you’re keeping us from seeing it. You want me to test my theory out on your head?”
(“Estou querendo apostar que você criou uma ilusão de que esse laser está esgotado. Acho que ele abriu um buraco naquela janela que você está nos impedindo de ver. Quer que eu teste minha teoria na sua cabeça?”)
Christopher Pike

“Captain Pike has illusion, and you have reality. May you find your way as pleasant.”
(“O capitão Pike tem ilusão, e você tem realidade. Que você ache seu modo mais agradável.”)
Líder talosiano

“When dreams become more important than reality, you give up travel, building, creating; you even forget how to repair the machines left behind by your ancestors. You just sit living and reliving other lives left behind in the thought records.”
(“Quando sonhos se tornam mais importantes que realidade, você desiste de viajar, construir, criar; você até se esquece de como reparar as máquinas deixadas por seus ancestrais. Você só se senta vivendo e revivendo outras vidas deixadas para trás em registros de pensamento.”)
Vina

“A person’s strongest dreams are about what he can’t do.”
(“Os sonhos mais fortes de uma pessoa são sobre o que ela não pode fazer.”)
Vina

“Sometimes a man will tell his bartender things he’ll never tell his doctor.”
(“Algumas vezes um homem dirá a seu barman coisas que nunca diria a seu médico.”)
Phillip Boyce

“We [Doctors and Bartenders] both get the same two kinds of customers — the living and the dying.” 
(“Nós [médicos e barmen] pegamos os mesmos tipos de clientes – os vivos e os moribundos.”)
Phillip Boyce

Trivia

  • “The Menagerie” recebeu o Prêmio Hugo de ficção cientifica em 1967 por “melhor apresentação dramática”. No ano seguinte, na mesma categoria, seria a vez do clássico absoluto “The City on the Edge of Forever” ganhar o mesmo prêmio.
  • A Série Clássica de Jornada nas Estrelas recebeu Hugos por “The Menagerie” (1967) e “The City on the Edge of Forever” (1968). Gene Roddenberry recebeu um Hugo especial por Jornada (1968). “The Corbomite Maneuver” (1967), “The Naked Time” (1967), “Amok Time” (1968), “Mirror, Mirror” (1968), “The Doomsday Machine” (1968) e “The Trouble With Tribbles” (1968) foram todos indicados.
  • Este foi o único episódio da Série Clássica a ser exibido em duas partes.
  • Malachi Throne voltaria a aparecer em Jornada no episódio duplo “Unification” (que contou com a participação de Spock), da quinta temporada de A Nova Geração, como o senador romulano Pardek. Ele participou do clássico absoluto “The Coming of Shadows” de Babylon 5 como o primeiro-ministro centauri Malachi. Throne dublou o líder talosiano em “The Cage”, mas a voz do personagem foi alterada para “The Menagerie”.
  • Jeffrey Hunter aparece apenas via o material tirado de “The Cage”. O ator Sean Kenney, que viveu o Pike debilitado, seria visto como um navegador da Enterprise em “Arena” e “A Taste of Armageddon”.
  • Alguns diálogos do filme Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock são largamente baseados em “The Menagerie”.
  • “Obviamente esse episódio tem muita lenda por trás dele e é verdade que veio como resultado do fato de que muito dinheiro havia sido investido na produção do piloto original e que havia um desejo de encontrar um meio de usar esse piloto original dentro da série”, contou Leonard Nimoy. “Eu acho que Roddenberry fez um trabalho brilhante contornando o piloto original com uma nova história que o transformou num par utilizável de episódios.”

Ficha Técnica

Escrito por Gene Roddenberry
Dirigido por Robert Butler

Exibido em 24 de novembro de 1966

Títulos em português: “As Selvagens, Parte II” (AIC-SP), “A Coleção, Parte II” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James T. Kirk
Leonard Nimoy 
como Spock
DeForest Kelley 
como Leonard H. McCoy
James Doohan como Montgomery Scott
Nichelle Nichols como Uhura

Elenco convidado

Sean Kenney como capitão Pike ferido
Malachi Throne como comodoro Mendez
Hagan Beggs como tenente Hansen
Julie Parrish como ordenança Piper
Jeffrey Hunter como capitão Pike
Susan Oliver como Vina
M. Leigh Hudec como Número Um
Peter Duryea como tenente Tyler
John Hoyt como Phillip Boyce
Meg Wyllie como líder talosiano
Adam Roarke como Garrison

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Edição e revisão de SALVADOR NOGUEIRA

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