Só trabalho e nenhuma diversão fazem da Cerritos uma nave chata
Sinopse
Data estelar: 57501.4.
Dia de concerto na Cerritos, com Boimler mandando ver no violino, para entusiasmo de poucos no bar. Contudo, o alferes é interrompido por Mariner e Tendi, que chegam apavorando com guitarra e bateria, alto o bastante para ressoar pela nave inteira, interferindo até mesmo na comunicação da capitão Freeman com uma ave-de-rapina Klingon. A capitão invoca com o barulho e Shaxs corre até o bar, onde Boimler, que já havia retomado seu concerto, acaba levando a culpa.
A caminho de Cardássia I, a Cerritos é informada de que a conferência em que iriam participar for transferida para Vulcano e que eles agora só estavam encarregados de levar umas tranqueiras para Gelrak V. A capitão Freeman sobe nas tamancas de raiva e comenta com Ransom que a Frota não lhes dá o devido valor. Entrementes, nossos alferes estão nas celas de prisioneiros calibrando a integridade dos campos de força, tarefa que logo finalizam e celebram com uns gorós replicados, enquanto explicam para Tendi a secular tradição de se exagerar na estimativa de tempo de manutenção para assim poder pagar de sabido.
Zanzando pela nave, Freeman invoca com todos os tripulantes que encontra para exigir mais dedicação nas tarefas. Quando esbarra com Boimler, ele acaba dando com a língua nos dentes sobre o conceito que explicaram mais cedo a Tendi. O resultado é que toda a tripulação recebe notificações em seus padds com a exigência do comando da nave de que todas as tarefas sejam religiosamente finalizadas no tempo que eles alocarem para isso, e nada de conversa fiada.
Sem demora, os corredores da nave viram uma zona completa, com tripulantes por todo lado no meio de suas tarefas, correndo contra o relógio, abrindo painéis, transportando equipamento. No meio segue Boimler, tranquilidade em pessoa, ao ser o único que está curtindo a situação, tendo feito todas suas tarefas e requisitando algumas mais.
Chegando ao hangar, Mariner encontra Ransom dando ordens para um grupo de tripulantes carregar material a uma nave auxiliar, para transporte até Gelrak V. Ramson invoca com o atraso de Mariner e ordena a moça a ajeitar suas mangas do uniforme, enquanto Mariner, durante toda a viagem, resmunga para si mesma incomodada em Ransom querer tanto pagar de Rei do Gagh Preto.
Já no planeta, Ransom lidera o grupo para apresentar aos gelrakianos o cristal cerimonial que a equipe federada de primeiro contato ganhou dos habitantes locais, mas na pressa o alferes Vendome pegou o engradado errado, contendo um toco de madeira de uma civilização rival de Gelrak V. Isso soa como uma afronta aos locais, que ferem Vendome com uma lança, o que leva Mariner a atacar os alienígenas com o que só pode ser chamado de Manobra Mariner, nocauteando quatro de uma só vez. Mas os gelrakianos, em maior número, botam o grupo avançado para correr. Mariner insiste para caírem fora de lá, mas Ransom quer desescalar a situação e esclarecer o mal-entendido. A pose dele não ajuda e todos são capturados.
Na ponte da Cerritos, enquanto a Capitão Freeman fica cada vez mais surtada por um monte de coisas não funcionarem, Shaxs detecta que naves gelrakianas se aproximam, mas os escudos estão falhando e naves de abordagem se prendem ao casco. Freeman avisa pelo intercom que é bom a tripulação não inventar moda de querer parar as tarefas designadas, repelindo os invasores enquanto se mantém nos cronogramas de serviço. Nada resulta disto além de os alienígenas se espalharem pela nave inteira.
Em um calabouço de Gelrak V, Mariner bate boca com Ransom sobre a situação em que se encontram, com a alferes afirmando que ele só sabe pagar de gatão, mas quando a coisa fede fica perdidinho, enquanto o primeiro oficial replica que ela é impulsiva e errática demais e que isso ainda vai custar caro um dia. Gernba, o líder local, chega e os informa de que serão submetidos a julgamento por combate, com um deles lutando contra Vindor, o campeão local. Gernba fica meio confuso quando Ramson e Mariner começam a brigar para ver qual deles será que vai lutar contra o maluco.
Ransom argumenta que a responsabilidade dele como oficial sênior é defender seus subordinados, no que Mariner responde mostrando suas várias cicatrizes para provar que é durona o bastante para a tarefa. Ransom concorda com ela sobre a necessidade de fazer o que não deve às vezes e fere Mariner no pé, para ela não ter opção. No que a luta começa, Ransom começa a aplicar um Kirk-fu honesto no gorila, deixando Mariner admirada e, para seu horror, até mesmo excitada. No que a luta termina e os federados são libertados, Mariner ainda insiste em continuar enchendo o saco, mas Ransom apenas a carrega no colo para voltarem à nave.
Na Cerritos, Boimler percebe que os gelrakianos são uns manés, ao tontear vários deles com facilidade, e vai para a ponte, onde encontra Freeman tentando tripular sozinha cada posto enquanto ainda reclama sobre tempos de cronograma. Boimler argumenta que a intenção dela é boa, mas nem toda a tripulação é composta por maníacos por protocolos como ele e que precisam de flexibilidade para trabalhar. Freeman anuncia pelo comunicador que eles estão autorizados a fazerem o que julgarem adequado para tomarem a Cerritos de volta, o que eleva os ânimos da tripulação, que rapidamente retoma a nave. Depois no planeta, Vendome e Shaxs mostram o cristal correto para os gelrakianos, restaurando a paz entre eles.
Enquanto a tripulação faz reparos e apaga as pichações dos gelrakianos na Cerritos, Ransom visita Mariner na enfermaria e diz que entende se ela o acusar de má-conduta em seu relatório. Mariner responde que acredita que ele até se acha demais, mas achou bacana da parte dele fazer o que foi necessário para cumprir seu dever. Ransom agradece, mas isso não o impede de mandá-la para a cadeia pela violação de regra sobre as mangas do uniforme, o que faz Mariner rodar a bajoriana e quase acabar com a enfermaria de raiva.
No seu gabinete, Freeman agradece a Boimler pelas observações que ajudaram a salvar a nave e até formaliza o conceito como o Efeito Boimler, uma honraria um tanto quanto duvidosa para ele, mas que ainda será lembrada no futuro distante, onde Boimler é celebrado entre outros heróis federados, como Miles O’Brien.
Comentários
“Temporal Edict” é um episódio com sabores de Série Clássica e A Nova Geração, moldados para o formato desta nova série animada. Na nave, vimos que rigidez exagerada em procedimentos pode ser nociva. No planeta, vimos que rigidez exagerada na improvisação pode ser nociva.
A trama na Cerritos gravita em torno do desequilibro de eficiência na tripulação, que se vê diante de uma situação atípica ao lidar não com prazos realistas, mas sim com prazos arbitrários impostos de cima para baixo. Boimler é o único que brilha, uma vez que ele se encontra naturalmente no estado de espírito necessário para a situação.
Não devemos assumir que o engraçado da coisa seria o aparente óbvio: a capitão botou a turma para trabalhar, então eles se mostrariam uns idiotas. O ponto da coisa não foi nem perto disso. É claro que a decisão de cabeça-quente da capitão Freeman foi arbitrária e exagerada, pois a trama necessitava jogar a situação para um outro extremo. E, apesar de não ficar totalmente claro durante a execução, mas sim apenas quando Boimler argumenta com a capitão, o exagero não foi apenas na questão do tempo, mas também se tratava de aderir aos procedimentos de maneira completamente cega.
Esta foi a combinação explosiva que a tripulação teve para si: não podiam violar os prazos e não podiam usar de procedimentos alternativos criativos que talvez tornassem possíveis os prazos arbitrários. Como sabemos, você não consegue eficiência de uma tripulação federada na base da canetada. Os melhores líderes da Frota sabem que um dos elementos para isso é ter flexibilidade com os procedimentos quando a ocasião exige. A citação ao chefe O’Brien no final do episódio não é apenas para evocar as mangas arregaçadas da Mariner, afinal de contas.
Então o cenário foi de misturar uma tirinha do Dilbert ao dia a dia de operações da Frota. A isso somou-se Boimler tirando de letra as tarefas e alienígenas invadirem a nave, elementos que, quando se encontraram, levaram à resolução da situação, com Boimler descobrindo que os gelrakianos eram todos uns zé ruelas que não valiam nem o tiro de feiser necessário para dominá-los. Foi uma piscadela na direção das situações onde naves federadas já foram dominadas por bandos de dorme-sujos de quinta categoria, como em “Rascals”, por exemplo. Até Boimler teria conseguido impedir aqueles ferengis de tomar a Enterprise naquela ocasião.
A resolução veio com Boimler, que tira Freeman do transe em que se encontrava, ao ressaltar os valores positivos da mentalidade que envolve a tripulação ter espaço para encontrar o seu melhor ritmo, dentro do adequado para a condução ordeira da nave. Freeman fica tão enamorada com a ideia que produz um momento de glória um tanto quanto distorcido para o alferes. A cena no futuro é boa, pois não se compromete o bastante para evitar quaisquer deduções sobre o restante da carreira de Boimler, ao mesmo tempo em que entrega a ironia pretendida. E tivemos a primeira visualização da versão de Lower Decks de um personagem legado, com a holoimagem da estátua do Chefe O’Brien.
Rutherford e Tendi, tanto quanto T’Ana e Shaxs, tiveram participações basicamente protocolares. No caso de Rutherford, não vejo problema, pois teve bom destaque nos dois primeiros, mas uma participação maior de Tendi está começando a ficar devida. A órion tem grande potencial e precisa receber mais tempo de tela para a vermos em situações mais centrais.
No planeta, o destaque ficou para Ransom mostrar serviço. A maneira como ele foi retratado no início era para simpatizarmos com Mariner, que se ressentia de ter que ser condescendente com as atitudes do comandante. Quando a situação ficou feia, ambos colocaram suas cartas na mesa, e a conversa de Ransom com Mariner na prisão tem várias coisas interessantes para desempacotar.
Ransom argumenta que, como oficial superior, tem responsabilidades, e as vidas do grupo dependem de suas ações – ele preferiria morrer a permitir que Mariner se arriscasse desnecessariamente por ele. E Ransom genuinamente demonstra preferir uma saída diplomática para o enrosco. Ele pode até ser um Riker da 25 de março, mas tem de se efetivamente ter um pouco mesmo de Riker para isso ser válido, afinal de contas. Novamente, tal qual foi no episódio anterior, tivemos aqui uma demonstração de membro do elenco de apoio que é retratado dentro de um certo “tipo”, mas que demonstra ter tintas mais profundas, evitando que ele seja um personagem superficial demais.
Mariner argumenta sobre a suposta incapacidade de Ransom de lidar com a situação enquanto ela própria saberia ser hábil e durona. Mariner de fato é capaz, mas ela claramente exagera muito o seu ponto de que pode resolver tudo improvisando no calor do momento, especialmente ao mostrar as cicatrizes. Ela teve de encarar que outras pessoas na Frota também são habilidosas e capazes, e todas essas habilidades têm seus devidos lugares em uma cadeia de comando.
Foi um interessante contraste com o episódio anterior, pois naquele ela observou que Boimler tem potencial, apesar de não aparentar. Neste, ela observou que Ransom tem potencial, apesar de aparentar demais. Naquele, Boimler a “salvou”. Neste, Ramson a salvou pra valer. Ela portanto não deve assumir automaticamente que somente o jeito dela é o jeito correto. Foi uma boa crítica ao típico comportamento da Mariner em querer pagar de gostosa demais, e ela tem de aprender a dar espaço a seus colegas e mesmo seus superiores.
A irônica bola curva foi claramente a luta contra Vindor: Ramson ganhou do gorilão, e sem pegadinha – ele realmente ganhou, até de maneira fácil. Inverteu a expectativa de que ganharia com muita dificuldade ou de que Mariner teria que salvar o rabo dele. A parte onde Mariner fica se odiando por ter de admitir que estava até excitada pela demonstração também foi bem divertida.
Os alienígenas da vez não foram particularmente memoráveis, apesar de todo o ar de Série Clássica que eles tinham, o que acabou sendo em detrimento do episódio como um todo. Exceto por Gernba e Vindor, os demais soavam mais irritantes que qualquer outra coisa.
O teaser foi mais um vez bem divertido, com uso dessas oportunidades para algumas alopradas aleatórias em conceitos prévios da franquia, sendo a bola da vez os concertos a bordo da Enterprise. Alguém poderia acabar invocando com o fato de que Mariner optou por um amplificador de fins do século 20, mas pode muito bem ser um capaz amplificador de meados do século 24 com cara retrô. O desapego dela ao equipamento pode indicar que ela montou a parada de partes replicadas e pronto, cumpriram o serviço. Mas divago.
É interessante que tenham mencionado nominalmente O’Brien, pois estou curioso para saber como (e se) Lower Decks lidará com o fato de que nossos alferes aqui não são realmente o nível mais baixo na cadeia de comando da Frota, uma vez que é cânone que a Frota tem oficiais não-comissionados, ou seja, praças, ainda que a franquia não demonstre isso nas quantidades que seriam de se esperar.
Um dos velhos mistérios dos procedimentos federados: se a nave auxiliar estava bem ali, para que correrem fugindo para o outro lado? Só dá para justificar com a fala em seguida do Ransom, dizendo que não queria apenas sair dali, mas sim desescalar a situação do mal-entendido.
Esse episódio tem mais uma variação de frase que me incomodou muito no piloto, com Ransom dizendo que eles “acabaram de admitir [aqueles alienígenas] na Federação”. Novamente, é apenas uma frase jogada, mas deixa implícito que eles já teriam dado ingresso à Federação para uma espécie que mal descobriram e que obviamente não está preparada para se juntar a nada. Temos que aplicar a velha e boa Racionalização de Elemento Sem Sentido™ para considerar que foi apenas força de expressão na maneira que a frase foi dita. Problema vai ser se toda vez tivermos que aplicar isso para todo santo segundo contato que fizerem.
No mais, um episódio razoável para bom, e ainda que não seja o melhor que tivemos até aqui, sinaliza os pontos fortes da série e os caminhos que ela deve continuar a seguir.
Avaliação
Citações
“Yeah. Delta shift is the worst. They think they’re so much better than us, just because they’re so much better than us.”
(É. O turno Delta é um saco. Eles se acham muito melhores do que nós, só porque eles são muito melhores do que nós.)
Tendi, comentando sobre quem teria falado sobre o período tampão para a Capitão
“Space: the funnest frontier?”
(Espaço: a fronteira mais divertida?)
Boimler
“Repel all intruders, but do not use it as an excuse to stop doing what you are doing.”
(Revidem contra os invasores, mas não usem isso como desculpa para pararem de fazer o que estiverem fazendo.)
Freeman, para a tripulação
“Damn it, man! If you’re trying to inspire some sort of resolution, then inspire it now!”
(Droga, cara! Se você está tentando inspirar algum tipo de solução, então inspire agora!)
Shaxs, para Boimler
“Sometimes I forget what Starfleet’s all about, and today you reminded me.”
(Algumas vezes eu esqueço sobre o que a Frota Estelar é, e hoje você me lembrou disso.)
Mariner, para Ransom
Trivia
- É interessante considerar que Boimler assobiar o tema de A Nova Geração no turboelevador canoniza a existência daquela música dentro do universo de Star Trek.
- A imagem da estátua de O’Brien mostra ele em seu console de teleporte na Enterprise, com o uniforme apropriado da época, mas a equipe de produção fez variações da imagem, divulgadas na internet, com vários tipos de uniforme já usados pelo personagem antes.
- 65,2 datas estelares se passaram entre o piloto e este episódio. Levando em consideração o típico período de mil datas estelares representarem um ano terráqueo, estilo usado de A Nova Geração em diante, uma conta de padaria nos mostra que tivemos cerca de três semanas entre estes três episódios. Uma passagem de tempo similar ao que se teve nos episódios das séries anteriores nesta mesma época.
- O episódio foi disponibilizado no CBS All Access no dia seguinte ao aniversário de 99 anos de Gene Roddenberry. E nele há uma menção a um grande pássaro da galáxia, apelido dado ao criador de Star Trek.
- Tendi mencionar o turno Delta deixa implícito que a Cerritos opera em um modo de quatro turnos, semelhante ao que o Capitão Jellico quis implementar na Enterprise durante o breve período que teve comando da nave, como visto em “Chain of Command”.
Ficha Técnica
Escrito por Dave Ihlenfeld & David Wright
Dirigido por Bob Suarez
Exibido em 20/08/2020
Elenco
Tawny Newsome como Beckett Mariner
Jack Quaid como Brad Boimler
Noël Wells como D’Vana Tendi
Eugene Cordero como Sam Rutherford
Dawnn Lewis como Carol Freeman
Jerry O’Connell como Jack Ransom
Fred Tatasciore como Shaxs
Gillian Vigman como T’Ana
Elenco convidado
Kevin Michael Richardson como Vindor
Sam Richardson como alferes Vendome
Jessica McKenna como alferes Barnes
Michelle Wong como almirante da Frota