Não há dúvida de que a introdução de Star Trek: Discovery causou controvérsia entre os fãs. Entre debates sobre canonicidade, estética, personagens e “lacração”, ela rapidamente se tornou a mais polarizante de todas as produções da franquia. Mas, aparentemente, isso não teve grande impacto no sucesso da série, que é classificada entre ok e ótima por praticamente três em cada quatro trekkers. É o que sugere uma interessante enquete global promovida por um fã nos Estados Unidos.
Keith Wilson queria conduzir uma pesquisa informal para investigar o efeito que as gerações pudessem ter na preferência dos trekkers por uma dada série. “Minha hipótese era que a primeira série de Star Trek a que você é exposto cria a nostalgia que faz dela, ou das séries mais parecidas com ela, sua Trek favorita”, explicou, em artigo publicado no Medium.com.
No fim, essa premissa em particular acabou não se confirmando, mas a enquete, lançada nas redes sociais, se espalhou rapidamente pelos cinco continentes, produzindo um conjunto de dados bastante interessantes, com um total de 3.589 participantes, entre 1º e 4 de fevereiro. Além de apresentar gráficos selecionados, ele disponibilizou a planilha com todos os dados brutos. Graças a isso, o Trek Brasilis pôde fazer seu próprio recorte da pesquisa, incluindo alguns dados interessantes da reação do público sul-americano a Discovery e Picard.
Comecemos, contudo, com resultados globais para Discovery, foco principal da investigação de Wilson.
A série estrelada por Sonequa Martin-Green de fato não encontra números muito lisonjeiros quando a pergunta é qual das séries é a menos querida do público. Dos 3.535 participantes, 30,6% apontaram Discovery, seguida por Enterprise (19,2%) e, pasme, pela Série Clássica (15,9%).
Já na avaliação objetiva de Discovery, feita entre 3.003 participantes que assistiram a pelo menos parte da série, classificaram-na como terrível um número um pouco menor de pessoas: 28,7%. Outros 39,8% a descreveram como ok, e 31,5% classificaram-na como ótima. Ou seja, no total, 71,3% dos fãs a percebem como algo entre ok e ótimo. Resumindo, três em cada quatro fãs estão de bem com ela.
Wilson também fez um recorte entre apenas os que viram toda a série até o momento (2.914 participantes), e os percentuais não mudaram muito, com uma pequena margem adicional em favor de Discovery. Nesse subconjunto, ela é ótima para 32,3%, ok para 40,2% (caso você esteja curioso, este escriba foi um dos participantes da pesquisa e está neste grupo), e terrível para 27,5%. A soma de ok e ótimo vai a 72,5%, com ganho de 1,2% com relação aos que viram apenas parcialmente a série.
DESTRINCHANDO O DESGOSTO
Mergulhar nos dados brutos nos ajuda a entender o impacto real de ter um quarto dos fãs declarando desapreço pela série. Para começar, já encontramos algo curioso: dos 900 participantes da enquete que consideram a série terrível, há 60 que jamais viram um episódio sequer. Se não der para classificar essa turminha de hater, não sei mais como chamá-los.
Outros 461 (o equivalente a 51,2% dos que a declararam como terrível) dizem ter começado a série, mas não visto todos os episódios. Seria um sintoma de abandono precoce? Possivelmente, mas nada inédito para este grupo de fãs, dentre os quais apenas 59 (1,7% do total) dizem ter visto integralmente todas as séries anteriores.
O que realmente surpreende é que 379 participantes (42,1% dos que a declararam terrível), mesmo considerando a série deste modo, viram todos os 29 episódios produzidos até o momento. Para efeito de audiência para o CBS All Access e para a Netflix, essa turma conta tanto quanto quem amou a série, reforçando a aura de sucesso.
De 3.386 participantes, 2.198 (64,9%) viram todos os episódios de Star Trek: Discovery (dos quais 1.414, dois terços, estão na América do Norte, ou seja, ponto para a CBS All Access e para a CraveTV, que dependem mais de Star Trek para adesões do que a Netflix no resto do mundo). Outros 805 (23,8%) viram pelo menos alguns episódios. Ou seja, entre os fãs mais fervorosos (que certamente são os que respondem a enquetes sobre coisas como TOS e TNG na internet), a adesão ao menos parcial a Discovery é imensa, ao redor de 88,7%. (Não temos ideia de como a série vai com o público casual, que é o que realmente conta, já que os serviços de streaming não costumam divulgar estatísticas, mas Discovery já apareceu uma vez numa lista da Netflix como uma das séries mais vistas em família e bateu duas vezes o recorde de inscrições no CBS All Access na estreia de suas temporadas, então mal não deve estar.)
Claro que os números da enquete não têm qualquer validade científica, dada a forma aleatória e descontrolada como foram coletados. Mas eles ajudam a vislumbrar duas conclusões que, mesmo intuitivamente, já seria possível tirar:
1) a maioria dos fãs curte Discovery (entre dois terços e três quartos), ainda que ela seja a favorita absoluta para apenas um percentual pequeno deles (entre os que responderam “todas são igualmente perfeitas” e os que declararam Discovery a favorita, temos apenas 179 participantes, o equivalente a aproximadamente 5% do total).
2) a CBS não precisa perder muito tempo se preocupando com o que os fãs apaixonados pensam da série, porque mesmo entre os que a descrevem como terrível, mais ou menos metade assistirá a todos os episódios de qualquer jeito.
PICARD ENTRA EM CENA, DS9 VALORIZADA
Embora a mais nova série estrelada por Patrick Stewart tivesse apenas dois episódios exibidos no momento da realização da enquete, os números que ela traz mostram um entusiasmo maior que o ligado a Discovery.
Entre 3.410 participantes que declararam sua opinião sobre Picard, 1.846 (54,1%) classificam a série como ótima, 759 (22,3%) como ok e apenas 217 (6,4%) a consideram terrível. Os mais sábios aqui somaram 588 (17,2%), dizendo-se incapazes de opinar.
Descartando esses 588, dá para dizer que 86,3% dos fãs consideram a volta de Jean-Luc entre ok e ótima, mostrando nesta largada mais “muque” que Discovery, com seus 71,3%.
E o resultado mais contundente de toda a pesquisa veio para Deep Space Nine, que aparece como a mais bem escrita de todas as séries para 58,2% de 3.433 participantes (embora seja a favorita para apenas um terço dos fãs, veja você). Em segundo lugar, vem A Nova Geração, com 24,6% dos votos (embora tenha sido eleita a maior favorita, apontada por 40% dos fãs).
E A AMÉRICA DO SUL?
Como seria de se esperar, não houve muitos participantes da América do Sul, subcontinente que historicamente não costuma ter grande presença trekker. Apenas 68 saíram dessas bandas, o que certamente gera algumas distorções nos dados, dada a pequena amostra. Mas vemos alguns fenômenos interessantes.
Por exemplo, nossos fãs parecem ter uma média de idade superior à global. Enquanto a faixa etária predominante no mundo parece ser a dos 22 aos 37 anos (55,8%), seguida pela dos 38 aos 53 anos (26,8%), na América do Sul temos uma inversão: apenas 25% dos fãs estão na faixa entre 22 a 37 anos, enquanto a faixa dos 38 aos 53 anos responde por 63,2%.
Quanto ao desempenho das novas séries com os fãs sul-americanos, a enquete mostrou que, além de mais velhos, somos muito mais amargos. Assusta em particular o resultado de Picard. Numa inversão completa dos resultados vistos na média global, 55,9% dos participantes consideraram a série terrível. Para 26,5% deles ela foi vista como ótima, e outros 7,3% classificaram-na como ok. Sete participantes (10,3%) disseram não saber responder ainda.
Os números de Picard foram apenas um pouco melhores que os de Discovery. Dentre os 68 participantes, 44 apontaram a série de Michael Burnham como terrível (64,7%), 14 classificaram como ok (20,6%) e 9 apontaram como ótima (13,2%). Apenas um deles (1,5%) se disse incapaz de responder.
A discrepância com relação aos números globais sugere que ou somos o continente mais ranzinza (e conservador?) do universo, ou a enquete acabou sendo predominantemente distribuída na América do Sul entre grupos que nutrem desapreço sistemático pelas novas produções de Star Trek. Estou apostando na segunda hipótese, e você?