Dilema com a Primeira Diretriz leva Discovery a um formato “velha escola”
Sinopse
Data estelar: 1027.32
Michael Burnham revela ao capitão Pike o que descobrira nos aposentos de Spock a bordo da Enterprise — que seu irmão adotivo registrou com impressionante exatidão os sete sinais vermelhos dois meses antes que eles aparecessem. Pike, por outro lado, também tem um segredo para contar: ele sabe onde Spock está — internado voluntariamente numa unidade psiquiátrica na Base Estelar 5. O capitão sugere a Burnham que faça uma trégua com o irmão no interesse da missão, mas ela indica que Spock provavelmente não estará disposto a ouvi-la.
Na ponte, a tripulação da Discovery acaba de detectar a posição de uma explosão vermelha. A distância precisa é difícil de estimar, mas Tilly tem uma sugestão, implementada a seguir com a ajuda de Burnham. O sinal está a 51.450 anos-luz dali, nas profundezas do quadrante Beta. Ir até lá em dobra máxima levaria proibitivos 150 anos, e por isso Saru sugere o uso do motor de esporos. Alegando que a missão das explosões vermelhas se impõe sobre o embargo imposto à tecnologia pela Frota Estelar, Pike ordena Stamets a reativar o motor.
O tenente-comandante, contudo, não está animado pela perspectiva. Ele conta a Tilly que viu Culber na rede micelial e que a perspectiva de reencontrá-lo — ou não — é dolorosa demais. Mas ordens são ordens, e a Discovery salta para a fonte da explosão vermelha. A exemplo da missão anterior, ao chegarem, ela não estava mais lá. Em seu lugar, um planeta classe M com belos anéis e habitantes humanos. Uma transmissão de socorro é captada, e a análise do sinal indica que ela está sendo repetida ininterruptamente há mais de 200 anos. Uma olhada na fonte, contudo, só revela uma pacata igreja.
Pike, Burnham e Saru discutem como proceder, e o capitão está determinado a aplicar a Ordem Geral Um e não interferir com a cultura dos habitantes do planeta — a hipótese de trabalho é que eles foram abduzidos da Terra cerca de dois séculos antes e se mantiveram como uma civilização pré-dobra. A fim de prosseguir com a investigação, Pike decide comandar um grupo de descida disfarçado. Burnham sugere a inclusão de Joann Owosekun, que teria vivido num coletivo ludita na Terra quando era jovem e assim poderia ter informações valiosas de como lidar com humanos vivendo em condições tecnológicas precárias.
O trio desce ao planeta e investiga a igreja, que parece combinar numa só religião sete dos credos mais comuns da Terra — cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo, xintoísmo, hinduísmo e wicca —, além de um culto a uma criatura angelical. Eles são encontrados por um habitante local, Jacob, que questiona de onde eles vieram (resposta: do norte) e os leva até a sacerdotiza Amesha, conhecida como Grande Mãe.
Enquanto isso, na Discovery, Tilly tenta extrair um testemunho do asteroide de matéria escura armazenado no hangar da nave e acaba sofrendo um acidente sério. Na enfermaria, ela leva uma bronca de Saru e começa a ver uma tripulante que lhe parece familiar. Na ponte, uma descoberta chocante: asteroides radioativos em órbita do planeta estão para cair e causar um evento de extinção em massa. Saru trabalha com a hipótese de que a explosão vermelha os trouxe até lá para impedir a catástrofe e pede opções à tripulação antes que seja tarde demais.
Em Terralísio, nome que os residentes deram ao planeta, Pike descobre que estão na cidade de Novo Éden, e que a tradição sugere que os humanos foram transportados da Terra em 2053, a bordo da Igreja Branca, por um ser angelical, que os salvou de um bombardeio atômico na III Guerra Mundial e permitiu que eles refundassem a civilização humana em seu novo lar, adotando um combinado das religiões praticadas pelos Primeiros Salvos. A Terra, para eles, foi destruída, e seus erros ficaram no passado.
Ao ouvir tudo isso, Pike decide que seria um erro interferir com o desenvolvimento natural dessa cultura. Ele pretende apenas desligar o sinal de socorro, que acredita estar operando sem o conhecimento dos moradores de Terralísio, e partir em seguida. Burnham discorda e defende que a verdade sobre a Terra e o futuro da humanidade lhes fosse contada. Mas Pike está convencido de que o certo é partir e ordena suas comandadas que não revelem seu disfarce de modo algum.
Na Discovery, mais uma vez Tilly encontra a resposta para o dilema — usar o asteroide de matéria escura como um trator gravitacional para afastar os fragmentos radioativos do planeta. A manobra exigirá o motor de esporos e muita perícia da tenente Detmer, mas o plano dá certo e o planeta é salvo, sob efusivos aplausos a bordo.
No planeta, um grande revés: Jacob flagra o grupo de descida desativando o sinal, no porão da igreja. Ele revela que é descendente de cientistas e que aposta que eles são enviados da Terra, que afinal não só não foi destruída como prosperou. Pike nega, mas Jacob não compra a história dele e usa uma granada de tonteio para apreender os equipamentos do grupo de descida e trancá-los lá.
Ao acordarem, eles conseguem escapar graças a Owosekun, que abre a tranca com um ímã, e os três vão confrontar Jacob. A essa altura, ele já estava mostrando à Grande Mãe as peças de tecnologia que apreendera, mas não convencia ninguém. Só que, em meio a essa distração, uma menina pegou um dos feisers e o colocou em sobrecarga. Quando Pike percebeu, correu para pegar a arma e usou o próprio corpo para abafar a detonação. Ele está à beira da morte.
Burnham, mantendo o disfarce e seguindo as ordens de Pike, pede ajuda para levá-lo à igreja para pedir um milagre. Todos concordam, e o grupo de descida se tranca lá dentro, para fazer um teletransporte longe da vista dos habitantes de Terralísio. Mas Jacob força a porta bem a tempo de ver a desmaterialização. Para ele, prova contundente do que ele dizia; para a Grande Mãe, um milagre.
A bordo da Discovery, Pike é salvo, e Tilly faz uma descoberta chocante: a amiga que ela tem visto, May Ahearn, estudou com ela no passado, mas não só nunca esteve a bordo como está morta há cinco anos!
Burnham, por sua vez, finalmente toma coragem para dizer ao capitão que viu um ser similar ao “Anjo” adorado no planeta durante o resgate da USS Hiawatha. Claramente, há uma conexão entre as aparições “angelicais” e as explosões vermelhas. Como avançar no mistério? Burnham sugere a Pike que ele volte ao planeta e conte a verdade a Jacob, trocando com ele uma câmera do capacete de um soldado que estava entre os Primeiros Salvos por uma bateria que permitisse a Jacob voltar a acender as luzes da igreja, há muito apagadas.
Julgando que a investigação do mistério é prioritária, Pike decide “torcer” a Primeira Diretriz e se revelar a Jacob. O homem fica encantado de saber que estava certo sobre a Terra e aceita na hora a troca proposta. O capitão retorna à nave e extrai as imagens da câmera com sucesso: elas revelam como uma igreja presbiteriana em Richmond, Indiana, foi salva de uma hecatombe nuclear em 2053. E o vídeo mostra com clareza a misteriosa presença do tal “Anjo”…
Comentários
Fãs da velha guarda que anseiam por uma aproximação entre Star Trek: Discovery e o estilo mais clássico da franquia não têm como se desapontar com este episódio. “New Eden” é a mais clara tentativa dos produtores de trazer uma aventura old-school, ainda que a temática e a narrativa se encaixem no contexto mais amplo do arco da temporada. É quase como encontrar um episódio perdido da Série Clássica, refilmado com valores de produção modernos.
Saudosistas festejarão. Mas até que ponto seguir à risca a fórmula antiga é se tornar excessivamente convencional? Acho que chegamos bem perto dessa fronteira aqui. O dilema, claro, é delicioso: revelar ou não revelar a natureza do que aconteceu a esses humanos? A Ordem Geral Um — a famosíssima Primeira Diretriz — se aplica ou não a esses assentamentos, que fazem efetivamente parte de uma cultura pré-dobra, embora seus ancestrais tenham sido abduzidos da Terra? As crenças deles são justificáveis? Seria correto desestimular a crença na religião que eles criaram para si mesmos?
Ao longo do episódio todas essas questões são discutidas, em diálogos em que Burnham representa a visão científica e a obrigação moral de contar a verdade a esses humanos, e Pike representa o respeito às crenças religiosas e à cultura da civilização de Terralísio. E essa disputa se torna mais palpável quando Burnham e Owosekun recebem ordens de não revelarem seus disfarces em hipótese alguma — podendo custar até mesmo a vida do capitão.
Ainda assim, às vezes temos a impressão de que tudo isso é feito de forma acelerada, em que poucas falas dão conta da discussão, por vezes rasa e insatisfatória. O episódio teria se beneficiado de mais debate, com mais contundência por parte dos dois protagonistas, e de menos exposição.
Aliás, em matéria de exposição, apesar dos excessos, é divertido ver a conexão do enredo com a III Guerra Mundial, algo que não só anda na cabeça de muita gente atualmente (com o aumento das tensões entre EUA e China, ou EUA e Coreia do Norte), mas também é uma referência importante do cânone de Star Trek que ainda segue relevante e não ficou datada como o “futuro do passado”. (Guerras Eugênicas, estou falando com vocês.)
Outra coisa que talvez merecesse mais tempo de tela é a interação do grupo de descida com os moradores de Novo Éden. Há várias ideias interessantes que acabaram abordadas apenas de maneira superficial — como a noção de que esses humanos combinaram todas as principais religiões da Terra numa só, convivendo pacificamente deste modo. Se você vai seguir a “velha escola” e fazer um clássico conto de moralidade trekker, é bom ir com convicção e explorar as ideias tão profundamente quanto possível. Aqui, faltou essa motivação de ir mais fundo — talvez com medo de tornar o episódio excessivamente falante ou arrastado, o que pode ter sido sábio ao fim das contas.
Uma coisa não se pode criticar: Anson Mount é absolutamente perfeito como o capitão Pike, e novas camadas tridimensionais estão rapidamente sendo adicionadas ao personagem — além do estilo by-the-book que “The Cage” já inspirava, vemos aqui um Pike flertando com o agnosticismo e criando um contraponto interessante com o ateísmo predominante entre os humanos na visão de futuro concebida por Gene Roddenberry. Divertida, por sinal, a referência (e reverência) a Arthur C. Clarke, com o twist religioso: “Qualquer inteligência extraterrestre suficientemente avançada é indistinguível de Deus.”
O resto da tripulação também tem o que fazer neste episódio. Vemos Owosekun se juntar pela primeira vez a um grupo de descida e aprendemos que ela cresceu numa comunidade ludita. A bordo da Discovery, Detmer tem trabalho nas manobras para salvar o planeta de um evento de extinção em massa, num belo trabalho de equipe inspirado por Tilly e envolvendo Stamets, tudo sob a batuta do maestro Saru. O kelpiano, por sinal, continua a mostrar seu talento para o comando, a exemplo do que vimos no final da primeira temporada.
E, claro, há de se mencionar o aprofundamento da trama mais ampla dos sinais vermelhos e do tal “Anjo”. Nos dois sinais vermelhos, tivemos situações em que a Discovery precisa agir em uma missão de salvamento. Em ambos tivemos uma aparição do “Anjo”, sendo que a ligada a Novo Éden aconteceu na Terra, em 2053! Para completar, Burnham soletra para Pike suas descobertas feitas nos aposentos de Spock em “Brother”: seu irmão sabia dois meses antes onde exatamente apareceriam os sete sinais. Pike, por sua vez, faz suas próprias revelações: ele sabe onde Spock está, e a resposta é “internado voluntariamente numa unidade psiquiátrica”. Tudo muito intrigante e promissor.
Por fim, vale mencionar a introdução de um novo elemento à trama, envolvendo Tilly e o asteroide. Aparentemente, a obtenção de uma amostra menor do objeto espacial parcialmente feito de matéria escura fez aparecer uma amiga que Tilly conheceu na adolescência — e que está morta há cinco anos! É uma alucinação? Um espírito? Um alienígena? A resposta terá de esperar.
A direção de Jonathan Frakes como sempre é competente, e a essa altura já dá para dizer que a série abraçou um estilo mais clássico também para as cenas espaciais: a USS Discovery nunca pareceu tão linda e majestosa, e a ação espacial agora é clara e compreensível, e não frenética e difícil de acompanhar, como em muitos momentos da primeira temporada. OK, entendemos que é a diferença psicológica entre guerra e paz (basta lembrar os “beauty shots” da Shenzhou antes do início do conflito com os klingons, em “The Vulcan Hello”), mas é muito bom poder admirar a nave e as paisagens espaciais!
No fim das contas, acho que puristas têm tudo para adorar “New Eden” e os entusiastas do estilo mais arrojado e agressivo da primeira temporada tenderão a julgá-lo “suave demais”. A percepção mais sensata provavelmente está em algum lugar entre esses dois extremos.
Avaliação
Citações
“If you’re telling me that this ship can skip across the universe on a highway made of mushrooms, I kind of have to go on faith.”
(Se você está me dizendo que esta nave pode saltar pelo Universo numa autoestrada feita de cogumelos, eu meio que tenho que aceitar pela fé.)
Pike
“Be bold. Be brave. Be courageous. Black alert.”
(Sejam audazes. Sejam bravos. Sejam corajosos. Alerta escuro.)
Pike
Trivia
- Em versões preliminares da história, o Anjo Vermelho era o Anjo Cinza.
- Em sua concepção original, o episódio não tinha a subtrama dos fragmentos radioativos que estão prestes a causar um evento de extinção em massa planetário, nem, é claro, o uso do asteroide de matéria escura para a operação de salvamento.
- Roteiros preliminares tinham muito mais cenas no planeta, além de incluírem flashbacks da adolescência de Pike em Mojave.
- Este episódio marca a primeira aparição do novo gabinete do capitão Pike, bem mais convidativo que o de Lorca.
- A menção de Burnham à III Guerra Mundial reapresenta informações citadas pelo comandante Riker no filme Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato.
- Este é o quarto episódio de Star Trek a mostrar humanos inadvertidamente removidos da Terra por uma civilização superior. Os outros três são “The Paradise Syndrome”, da Série Clássica, “The 37s”, de Voyager, e “North Star”, de Enterprise.
- O episódio faz várias menções literárias, de Arthur C. Clarke a Hamlet, de Shakespeare, passando pela história de Jacó na Bíblia, conhecido como “aquele que lutou com Deus”.
Ficha Técnica
História de Akiva Goldsman & Sean Cochran
Roteiro de Vaun Wilmott & Sean Cochran
Dirigido por Jonathan Frakes
Exibido em 24 de janeiro de 2019
Título em português: “Novo Éden”
Elenco
Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Doug Jones como Saru
Anthony Rapp como Paul Stamets
Mary Wiseman como Sylvia Tilly
Anson Mount como Christopher Pike
Elenco convidado
Sheila McCarthy como Amesha
Andrew Moodie como Jacob
Bahia Watson como May Ahearn
Hannah Cheesman como tenente-comandante Airiam
Emily Coutts como tenente Keyla Detmer
Patrick Kwok-Choon como tenente Gen Rhys
Oyin Oladejo como tenente Joann Owosekun
Ronnie Rowe Jr. como tenente R.A. Bryce
Raven Dauda como Dr. Tracy Pollard
Julianne Grossman como computador da Discovery
Noah Davis como tenente (2053)
Kira Groulx como Rose
Claire Qute como a holograma de May adolescente
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Edição de Mariana Gamberger