Meados de 2016 e não era difícil notar imensa efervescência no nosso fandom de Jornada Nas Estrelas: (indiferente a ele ou não) um novo filme de cinema em primeiro de setembro, o aniversário dos cinquenta anos da franquia em oito de setembro, os dezessete anos do site Trek Brasilis em vinte e quatro de setembro, todos os segmentos já produzidos de Jornada Nas Estrelas disponíveis no Netflix nacional até o final do ano e mesmo uma nova série com estreia marcada para maio de 2017 e garantia de sua pronta chegada ao gigante do streaming tupiniquim. No mínimo, o melhor aniversário da marca em vinte anos, no máximo, algo completamente inédito que, em virtude das novas tecnologias de distribuição de conteúdo envolvidas, ainda levaremos algum tempo para compreender completamente.
Percebendo o grande momento, realizamos (talvez) o maior encontro físico de integrantes (passados, presentes e futuros) do Trek Brasilis em dez de setembro na capital paulista. Comemoramos a franquia, o site e as nossas amizades. Algo extraordinário foi conhecer novas vozes que produzem atualmente conteúdo embasado e crítico de Jornada Nas Estrelas aqui no Brasil. Distintas, mas de certa forma inspiradas naquelas do antigo portal. Essas mesmas vozes, por sua vez, também me inspiraram a voltar à ativa em alguma capacidade. Escrever de novo para o nosso querido TB.
Desde o final de Enterprise (em 2005) era certo que teríamos uma nova série televisiva da franquia. Bastava chegar a hora certa. Dois possíveis líderes criativos para tal empreendimento foram se estabelecendo com o tempo: (i) Ron Moore: Trabalhou nas cinco últimas temporadas de A Nova Geração, nas cinco últimas de Deep Space Nine e na sexta de Voyager (de onde saiu logo no começo, brigado com seu antigo parceiro Brannon Braga). Gozou de imenso sucesso de crítica com a sua versão de Battlestar Galactica (a partir da original de Glen A. Larson) e atualmente produz a excelente série Outlander (da obra de Diana Gabaldon) para o canal Starz. (ii) Bryan Fuller: Vendeu duas histórias de episódios para a quinta temporada de Deep Space Nine (uma delas roteirizada pelo próprio Moore). Trabalhou nas quatro últimas temporadas de Voyager. Criou séries que estabeleceram uma particular mistura de sobrenatural e humor que hoje é a sua marca registrada (Dead Like Me, Wonderfalls e Pushing Daisies). E gozou de tremendo sucesso de crítica com Hannibal (da obra de Thomas Harris). Atualmente desenvolve a série American Gods (da obra de Neil Gaiman) com possível estreia no primeiro semestre de 2017 no canal Starz. Desenvolve ainda uma nova versão de Amazing Stories para Steven Spielberg e o canal NBC. Dois produtores mais do que capazes e qualquer um deles me encheria de alegria se fosse escolhido (ainda que por motivos diferentes). O escolhido foi Fuller. A partir dai a minha mencionada inspiração se tornou inquietação para escrever sobre Discovery. Confirmado título da nova série de nossa amada franquia.
E é claro que a possibilidade de introduzir novos fãs a Deep Space Nine em plena era de streaming era tentadora demais. A inquietação se tornara desejo. Mas ainda faltava algo…
De fato ainda faltava algo…
Na semana anterior a minha mencionada ida a São Paulo, havia encomendado um livro (então recém-lançado) sobre as cem maiores séries da televisão americana de todos os tempos. O livro se chama TV (THE BOOK) Two Experts Pick The Greatest American shows Of All time e foi escrito por Alan Sepinwall e Matt Zoller Seitz. Para dar uma perspectiva sobre a importância desses dois autores, podemos dizer que se a revolução televisiva da virada do milênio, protagonizada pelos grandes dramas da HBO e além, elevou a Televisão a uma forma de arte comparável ao Cinema, Sepinwall foi a sua contraparte crítica. Se Chase, Simon, Milch e tantos outros conseguiram então finalmente alcançar o melhor dos autores da Sétima Arte com a sua própria, Sepinwall trouxe relevância a crítica televisiva comparável àquela cinéfila de Ebert, Kael etc. Resumindo: é impossível exagerar a importância de Sepinwall em sua profissão e Seitz é um coautor impecável.
TV (THE BOOK) é um livro recomendado?
Absolutamente! O esforço de pesquisa, as elaboradas e inspiradas dissertações sobre cada programa e a complexa e efetiva métrica que os classifica posicionam a obra de pronto como essencial. Jornada Nas Estrelas está bem representada na sua lista de diversas formas e incluindo mesmo os seus autores. Um dos destaques nesse sentido é o capítulo de I Love Lucy (o protótipo do sitcom multi câmera e o oitavo maior seriado americano de todos os tempos, segundo o livro) que enfatiza o caráter visionário do casal Desi Arnaz e Lucile Ball (os eternos padrinhos de Jornada Nas Estrelas) nos dois lados das câmeras, o incrível talento cômico de Ball (comparando-o ao do lendário Groucho Marx) e o quão datada é a atração em termos do tratamento que dispensa ao gênero feminino.
Voltando um pouquinho no tempo…
Cheguei a casa naquele domingo (onze de setembro de 2016), rapidamente abri o engradado da Amazon, tomei o meu exemplar do TV (THE BOOK) em mãos e corri o dedo pelo índice. Não visava nada de específico, além da minha avidez compulsiva por listas. Procurava por algo a procurar. Ter encontrado Deep Space Nine relacionada como uma das cem maiores séries televisivas americanas de todos os tempos foi uma grande surpresa. Uma daquelas que te faz sentir jovem por dentro. Reexaminei então a lista, procurando agora os demais nomes SCIFI com mais atenção, não vendo nenhuma surpresa adicional enquanto conhecedor do gênero e dos dois autores. Exceto por DS9…
Explicando a surpresa Niner…
Com certeza DS9 é uma das vinte (ou trinta) maiores séries SCIFI da televisão de todos os tempos. Incluindo aí produções Inglesas, Japonesas e além. Mas em termos gerais, especialmente levando em conta o absurdo número de grandes produções surgidas nos últimos 17+ anos, a conversa é bem diferente, mesmo falando meramente das Americanas. Três pontos contrários se destacam: (i) Ser a segunda (ou seria a terceira?) série derivada de uma produção revolucionária de tão influente e que já faz parte da mesma lista. (ii) Ter incorporado sim todas as inovações narrativas televisivas conhecidas durante a sua produção, mas ter sido concluída exatamente no ano em que se iniciava uma revolução televisiva que elevava o meio a um nível jamais sonhado. (iii) Ter sido uma série claramente de nicho, sem um nítido apelo à crítica ou ao público em geral. Entretanto… Lá estava ela listada…
Explicando a inclusão Niner…
Curiosamente devemos retornar a temporada televisiva de 1989-1990, a terceira de A Nova Geração. Ali basicamente Michael Piller e Ira Behr deram a certidão de nascimento de Jornada Nas Estrelas além das aventuras da tripulação original de Kirk e companhia. O irreverente Behr cuidava da equipe de roteiristas enquanto o metódico Piller polia roteiros, fornecia feedbacks e cuidava dos demais aspectos criativos da série. Devido a um matador final de temporada, com o clássico episódio The Best Of Both Worlds, a relevância e a popularidade da série de Picard e equipe se consolidaram. Ainda assim, Behr continuava achando os personagens idealizados e estéreis demais e deixa o programa. Felizmente, dois anos mais tarde, Piller convence Behr a retornar a franquia para a criação de uma nova série, revisitando a parceria e eventualmente deixando DS9 em suas mãos. Piller e Behr, através da política aberta de submissão de roteiros de Piller, deram o primeiro emprego na indústria a diversos nomes que se tornaram importantes nos anos que se seguiram, tais como: Ronald D. Moore, Bryan Fuller, René Echevarria, Robert Hewitt Wolfe, Naren Shankar, Brannon Braga etc. O falecido Piller talvez seja o grande herói esquecido de toda a franquia de Jornada Nas Estrelas, alguém de inquestionável talento e visão.
Essa profusão de nomes de produtores importantes assim gerados manteve Jornada Nas Estrelas em geral e Deep Space Nine em particular ambas vivas para a crítica, através de entrevistas e análises. De fato, não é difícil aceitar a narrativa de que a presença de DS9 na lista foi motivada indiretamente pelo sucesso de crítica de Ron Moore com a sua versão própria de Battlestar Galactica. A série da velha estação Cardassiana Terok Nor foi assim trazida para a discussão através da carreira pregressa de Moore e lá permaneceu. Batendo a concorrência, segundo a infame métrica Sepinwall-Seitz, ela acabou sendo relacionada. Provavelmente foi o que ocorreu…
E isso importa?
Não. Coincidências acontecem todos os dias, mas mesmo que elas não sejam assim tão confiáveis, talvez nos sirvam como flashes de algum ORB que ainda vamos conhecer ou que tenhamos que inventar. Algo que nos faça fitar infinitamente um ponto fixo do espaço e do tempo conhecido apenas por nós e nos fazer refletir. Talvez nos lembrarmos da face do Chefe O’Brien absorvida pela imagem do soldadinho do seu modelo do Álamo… E nos perguntarmos: “Valeu a pena?”
“Não importa o que o futuro nos reserve, não importa o quão longe nossas jornadas nos levem. Uma parte de nós… Uma importante parte de nós… Sempre permanecerá aqui, nesse lugar, onde todos nós pertencemos.”
PELDOR JOI