Uau. Cinquenta anos. É um número bonito, redondo, cheio de simbolismo. Para uma vida humana, ele significa que provavelmente há menos dias à frente do que os que ficaram para trás. Para um produto da cultura pop, é o marco de uma perenidade rara e especial, transgeracional. Com a chegada do 8 de setembro de 2016, Jornada nas Estrelas se torna oficialmente uma senhora.
É difícil colocar em palavras, num momento como este, o quanto eu devo da minha vida a Jornada nas Estrelas. O gosto pela ciência, a filosofia humanista, a lealdade às amizades e o senso de admiração pelo desconhecido foram valores que se enraizaram em mim acompanhando as aventuras da nave estelar Enterprise, em sua missão que era para ser de cinco anos e acabou perdurando mais de cinco décadas.
Eu devo a Jornada nas Estrelas alguns de meus mais caros amigos. E não tenho vergonha de dizer que aprendi a me conduzir na vida, como ser humano e como profissional, com as tripulações da Frota Estelar. Nos momentos pessoais mais difíceis, eu ambicionei (e nunca cheguei lá, admito) a racionalidade implacável do sr. Spock, e quando assumi pela primeira vez um cargo de chefia, foi o estilo de comando do capitão Kirk que me inspirou (e não me faltaram almirantes e comodoros pentelhos, devo admitir!). Como jornalista, não houve entrevista mais marcante que a que fiz em 2003 com Leonard Nimoy.
A Nova Geração também tem um lugar especial em meu coração. Lembro-me de ver com meu irmão na TV Manchete, num loop aparentemente infinito, os episódios da primeira temporada. E quando finalmente o segundo e terceiro anos foram comprados para exibição no Brasil, pela TV Record e pelo canal pago USA (depois Universal Channel), o horário de exibição em casa ganhou o aspecto de um ritual sagrado — algo como se prostrar na direção de Meca para agradecer pelas graças alcançadas, após tantas frustrantes reprises.
Houve também a era do escambo de fitas VHS, com gravações de qualidades as mais variáveis, mas sempre tratadas com a reverência de relíquias sagradas. Acaba de me ocorrer que, quando você é moleque, a paixão por Jornada nas Estrelas pode se aproximar muito de um fervor religioso.
Depois passa.
Ou não.
Para mim, pessoalmente, tem sido um cinquentenário muito marcante. Tive a chance de, por ocasião de um evento para os fãs promovido em 20 de maio em Los Angeles, adentrar os portões arqueados da Paramount Pictures e conhecer os antigos estúdios 9 e 10 da Desilu, onde tudo começara. Também tive a oportunidade de me debruçar sobre as cinco décadas de história da franquia, acompanhado da minha parceira de escrita Susana Alexandria (e com vários de meus melhores amigos olhando por sobre meus ombros), no recém-lançado livro Jornada nas Estrelas: O Guia da Saga. E pude encontrar tempo, em meio a um momento profissional particularmente agitado, para reencontrar meu gosto pelo trabalho voluntário, como fã, num processo de revitalização do Trek Brasilis, que completa 17 anos em mais um par de semanas e ganha novo visual para acompanhar os novos tempos.
Por todas essas coisas, é inevitável a sensação de ver um ciclo se fechando, um reflexo natural de se debruçar sobre o que já passou, que certamente está contagiando todos os nossos editores e colaboradores (como o excelente artigo sobre o fanzine Trekker Report, escrito por Fernando Penteriche, pode atestar).
E ainda assim — e esta é a mágica de Jornada nas Estrelas — estamos como nunca com os olhos vidrados pelo futuro, pois o porvir da franquia parece estar às portas de uma nova era de sucesso, com a estreia de uma nova série, Star Trek: Discovery, em janeiro de 2017. E lá vamos nós novamente.
É inevitável, portanto, que o otimismo marcante da ficção criada por Gene Roddenberry e enriquecida pelo talento de tantos outros geniais artistas ao longo dos últimos 50 anos, transborde para além das telinhas e das telonas, contagiando-os a todos com a sensação de que o futuro promete.
Que venham os próximos 50 anos! Vida longa (e próspera) a Jornada nas Estrelas!