Com a queda de audiência na segunda temporada, a série original de Jornada ficou ameaçada de cancelamento. Houve um surpreendente movimento de fãs pedindo pela sua continuação, e para alivio destes, a emissora concedeu mais um ano. No entanto, a audiência continuou não agradando a emissora, o que gerou seu cancelamento definitivo. Mas segundo se comenta, várias turbulências nos bastidores da produção ajudaram a arruinar a série. O livro “These are The Voyages” procura dar uma luz sobre o assunto.
O terceiro volume do livro These are The Voyages, escrito por Mark Cushman, trata sobre o making of de Jornada, e está nas lojas, cobrindo a terceira e última temporada. E é uma olhada no interior fascinante desta saga scifi, que durou três anos devido a uma variedade de fatores.
Assim como nos dois primeiros volumes da série, Cushman dá uma visão geral realmente completa do estado de Jornada no início da época, bem como em alguns pontos no meio e no fim da série. E então, ele passa por episódio a episódio, explorando como a estória foi desenvolvida a partir da proposta para a tela.
Este volume terá um maior impacto se você já leu os dois primeiros – os leitores dos dois primeiros livros vão saber o quanto de atenção e pensamento foram dados para todos os scripts. E quanto das estórias foram alteradas, por vezes, para pior, mas com freqüência para melhor.Uma boa parte da melhor redação sobre Jornada realmente foi re-escrita, com um quadro que inclui Gene Coon, Dorothy Fontana, o criador Gene Roddenberry e alguns outros dando muita atenção a cada detalhe e mantendo os personagens consistentes e críveis.
Com a terceira temporada, todas essas pessoas sumiram – exceto Roddenberry, que estava lançando editais, mas, depois, não aderindo para fazê-los funcionar.
Tal como acontece com os dois primeiros volumes de These are The Voyages, Cushman sai do seu caminho para desmistificar alguns dogmas que os fãs costumam adotar para a série. Principalmente, a ideia de que Jornada sempre teve terríveis avaliações, e que foi um milagre ter ficado no ar por todo esse tempo. Embora Jornada tenha sido deslocada para a sexta-feira no “slot da morte”, ela continuou a ser popular por grande parte da terceira temporada. “Spock’s Brain”, que foi a abertura da temporada, ganhou seu horário, e a série manteve-se em segundo lugar por vários episódios depois.
O verdadeiro vilão por trás do cancelamento: Jerry Lewis?
E, de fato, na leitura deste livro, você descobrirá um culpado surpreendente por trás da condenação de Jornada: o comediante Jerry Lewis. Na verdade, comédia em geral atingiu Jornada – quando a série perdeu seu horário das 08:00 planejado para às segundas porque a rede queria manter o popular, Laugh-In naquele momento.
Em novembro de 1968, a NBC mudou seu pensamento sobre Jornada e a colocou nas noites de sexta, às 22 horas, quando alguns jovens pudessem vê-la. (E a série também não foi mostrada em nenhuma das estações da NBC, que optou por mostrar o Grand Ole Opry nas noites de sexta).
Mas havia uma alternativa. A NBC estava mostrando The Jerry Lewis Show na terça-feira no início da noite, e o seriado de Lewis estava sendo um desastre de audiência. Então, a NBC decidiu trocar as duas séries, dando a Jornada um slot no início da noite privilegiada de terça e enterrando Lewis nas noites de sexta-feira. Mas Jerry Lewis e seus agentes fizeram no William Morris o que o Variety chamou de “um frenesi”, na época. Eles conseguiram invocar uma cláusula contratual que custaria a NBC um monte de dinheiro se a série dele fosse movida, forçando a emissora a mantê-la.
A NBC não estava disposta a gastar muito dinheiro para pagar Jerry Lewis, por isso manteve a série em seu slot privilegiado, e manteve Jornada na sua posição terrível.
Mas de quem é a culpa para o declínio da qualidade?
Há um monte culpados para a queda nos scripts de Jornada em sua última temporada. O estúdio cortou o orçamento, o que significou mais episódios “engarrafados”, estabelecidos a bordo da Enterprise (mas a rede, enquanto isso, exigia mais episódios definidos em planetas.)
Os produtores tentaram empurrar a série para uma forma mais adulta, direção pensativa, mas acabou funcionando com interferência da rede – as cenas de bastidores da estória de “And the Children Shall Lead” foi particularmente triste. O episódio foi originalmente criado para ser brutalmente sombrio, com muito mais ênfase sobre o suicídio em massa e muito mais psicótico, aterrorizando as crianças. Mas a rede recusou, e então os produtores chamaram o famoso advogado Melvin Belli para ser Gorgan, o anjo mal, em vez de contratar um ator real.
Mas o bode expiatório usual para a queda de qualidade foi Fred Freiberger, que assumiu como produtor de Gene Roddenberry. O livro de Cushman está certamente cheio de citações de pessoas como Leonard Nimoy e James Doohan, que colocaram a culpa firmemente em Freiberger.
O próprio Freiberger disse, a partir de uma entrevista de 1991: “Eu acho que a pior experiência da minha vida foi quando eu fui abatido sobre a Alemanha nazista. Um menino judeu do Bronx de pára-quedas no meio de 80 milhões de nazistas. Então eu me juntei a Jornada. Fiquei em um campo de prisioneiros por dois anos, mas meu transtorno com Jornada já dura 25 anos … e contando “.
Mas depois de ler o livro de Cushman, percebemos que uma única pessoa acaba assumindo a maioria da culpa pela queda de qualidade em Jornada, é o criador Gene Roddenberry, que abandonou a série em um chilique depois que a rede negou a valorizada segunda-feira no início da noite.
Roddenberry já tinha encomendado uma série de scripts para a terceira temporada (vários dos quais acabaram por serem inviáveis) e, em seguida, fez uma série de decisões impossíveis que seu substituto, Freiberger, teve de conviver. Roddenberry também enganou o produtor Robert Justman, levando Justman a acreditar que ele ia ser o substituto de Roddenberry, e, em seguida, deixá-lo de fora. Foi Roddenberry que contratou a estória do editor Arthur Singer, que parecia um pouco perplexo com Jornada, e, entretanto, Roddenberry não fez muito esforço para manter Dorothy Fontana, quando poderia tê-la convencida a ficar. Roddenberry continuou empurrando estórias com ideias impraticáveis (como “world where blacks enslave whites”)
Acima de tudo, Roddenberry e sua relação antagônica com a NBC, encorajando os fãs a “torcerem o rabo do pavão”, criou um ambiente onde os executivos da rede detestavam Jornada por causa de seu criador.
Por sua vez, Freiberger teve algumas boas idéias para Jornada, mas não teve tempo ou capacidade de implementá-las. Ele queria desenvolver o elenco de apoio adicional, incluindo Chekov e Scotty. Ele queria algo mais grave, um drama baseado em relacionamentos, e personagens femininos fortes – uma das principais iniciativas de Freiberger como produtor foi a contratação de três novos escritores do sexo feminino, além de Margaret Armen e Dorothy Fontana.
Roddenberry estava passando por um divórcio amargo, e foi freneticamente tentando obter uma carreira de roteirista de cinema (fazendo uma nova versão de Tarzan). E enquanto estava negligenciando Jornada, também estava atrás de Freiberger para prejudicá-lo, falando mal do seu substituto em cartas a pessoas como John W. Campbell.
Há um momento bizarro no meio de These are The Voyages, Volume Três. Um dos produtores da série, Eddie Milkis, decidiu ir para o escritório de Roddenberry e algo o fez ficar desconsertado. Miklis conta o fato:
Liguei, disse que queria falar com ele, e então eu fui ao seu escritório para pressioná-lo e dizer o que eu achava que estava deixando todo mundo para baixo … Eu fui lá e disse, “Gene, temos problemas enormes de script, e eu realmente acho que poderíamos usar a ajuda de Fred Freiberger”. Agora, enquanto eu continuava falando, da parte de fora do escritório de Gene vem Nichelle Nichols, que estava vestindo um dos longos casacos de Gene, e nada mais! Sem blusa, sem calças, nada … Então, Nichelle diz algo como, ‘Oh, me desculpe, Eddie, eu não sabia que você estava aí”. Fiquei imediatamente vermelho e completamente confuso até perceber Gene sentado em sua mesa, sorrindo e curtindo o olhar constrangido no meu rosto.
O que é fascinante, e um pouco deprimente, é como muitas das histórias de medíocres a terríveis em Jornada terceiro ano começaram com idéias tão brilhantes. Ou, no mínimo, as histórias em que todos os envolvidos estavam pensando íam ser ótimas. (“Spock’s Brain” foi concebido como um olhar sério para o tema do transplante de órgãos, por exemplo, ainda que atado com humor. No final, o humor foi cortado e as coisas sérias tornaram-se involuntariamente engraçadas.)
Na leitura deste livro, você pode realmente ver as histórias piorando, e todo mundo que estava animado, tornou-se cada vez mais deprimido, passando por regravações e notas da rede.
Também é fascinante ler sobre o desenvolvimento de “The Enterprise Incident”, no qual a escritora Dorothy Fontana teve um enorme desentendimento com a nova equipe de produção. Freiberger tinha deixado de lado o pai de Spock, Sarek, a partir do roteiro, e mudou o comandante romulano para uma mulher. E foi Freiberger e Arthur Singer que decidiram acrescentar uma namorada de Spock romulana, embora Singer tenha escrito como uma cena em que Spock diz “eu te adoro”, antes de “chover beijos em cada centímetro quadrado de cima dos ombros dela”.
Fontana reagiu com um memorando irritada, dizendo “Nós estabelecemos que vulcanos não acariciam, beijam, abraçam, ou exibem qualquer outra forma de afeição humana … A Comandante ficaria bem suspeita se Spock começasse babando em cima dela”. Nimoy, também, escreveu diretamente para Gene Roddenberry reclamando sobre o comportamento “sexualmente exagerado” de Spock.
Além disso, o roteiro de “The Enterprise Incident” perdeu várias cenas que explicavam porque as pessoas eram capazes de se transportar da Enterprise para a nave romulana e de volta, quando os escudos estavam levantados.
Qual é a outra coisa interessante que vem através deste livro?
Nimoy foi zeloso com a integridade de Spock, e frequentemente batia cabeça com os novos produtores sobre como o personagem seria retratado. Mas, como James Doohan falou, William Shatner colocava-se fora disso para fazer o melhor de si na série e derrubar algumas das idéias mais parvas em geral: “Leonard estava mais interessado em [proteger] o personagem Spock e eu creio que Bill estava mais interessado na série”.
No final, a única pessoa que realmente acreditava, em seu coração, que Jornada teria uma quarta temporada era James Doohan. Ele não podia aceitar que uma coisa bem feita e inteligente fosse tirada do ar.
Fonte: Io9