ENT 1×06: Terra Nova (Terra Nova)

História interessante sobre colônia
perdida acaba atolada em clichês

Publicado originalmente por Salvador Nogueira

Sinopse:

A Enterprise está a caminho de Terra Nova, uma colônia terrestre que foi estabelecida pela Terra há 75 anos. Trata-se um dos maiores mistérios da história da exploração espacial humana: cincos anos após se estabelecerem, os colonos foram informados de que uma nova nave levaria mais 200 pessoas para lá, vindas da Terra. Eles recusaram e, após algumas discussões por rádio, nunca mais se ouviu falar deles.

Como na época uma nave levava nove anos para ir até Terra Nova e outros nove para voltar (a distância é de aproximadamente 20 anos-luz), a agência espacial terrestre não mandou ninguém para verificar o que havia acontecido –até agora. Como a Enterprise é capaz de fazer o percurso em muito menos tempo, ela agora se aproxima do planeta, na esperança de finalmente resolver o mistério, que intriga não só historiadores, como também entusiastas da exploração espacial, como o alferes Travis Mayweather.

Ao chegar a Terra Nova, os sensores da Enterprise mostram que a colônia está abandonada, e a superfície do planeta apresenta níveis de radiação letais se a exposição for longa. Entretanto, para algumas horas, não há perigo, o que faz Archer decidir por descer ao planeta junto com alguns de seus oficiais. No shuttlepod o acompanham o oficial de armamentos Reed, o piloto Mayweather e a primeiro-oficial T’Pol. Tucker fica no comando da nave.

Durante a expedição, Reed detecta um sinal de vida –o que aparentemente é um alienígena humanóide. Ele o persegue até a entrada de uma caverna. Lá ele se reúne aos outros três oficiais. Archer e Reed resolvem ir adiante, enquanto T’Pol e Mayweather guardam a entrada.

No interior da caverna, eles encontram vários humanóides, mas eles reagem hostilmente, disparando contra a dupla. Durante a fuga, Reed é atingido e fica para trás. Enquanto isso, Mayweather é atacado na entrada da caverna, mas seu oponente é rendido inconsciente por um tiro de pistola de fase dado por T’Pol. A oficial de ciências faz leituras do humanóide, enquanto Archer corre para fora da caverna, ordenando que os três se encaminhem para o shuttlepod para voltar à Enterprise. No caminho de volta, enquanto ainda amargura o fato de Reed ter sido deixado para trás, Archer é informado por T’Pol de que os humanóides na verdade são humanos.

A única conclusão possível é a de que aqueles humanos são descendentes dos antigos habitantes de Terra Nova. Ao saber disso, Archer decide voltar e tentar novamente estabelecer contato pacífico, apesar da agressividade deles. Graças a isso, ele descobre que os Novans, como eles se denominam, são de fato descendentes dos primeiros colonos. Setenta anos atrás, o hemisfério norte do planeta foi atingido pelo choque de um cometa, que trouxe consigo diversos materiais nocivos e radioativos –num evento que os Novans se referem como a “chuva de veneno”.

Graças ao contato agressivo que estava sendo mantido entre a Terra e a colônia na época do impacto, os Novans acreditaram que a catástrofe era um ataque direto feito por humanos, que pretendiam tomar a colônia para obrigar a aceitação da nova onda de colonos. Após o impacto, apenas as crianças com até 5 anos de idade conseguiram sobreviver, graças à capacidade de desenvolver resistência à radiação.

Archer tenta convencê-los do que de fato aconteceu, e da inocência da Terra no episódio, mas os Novans estão céticos. Phlox, que desceu com ele para verificar o estado de Reed, diagnostica câncer de pulmão em uma das mais idosas habitantes da colônia, Nadet. Ele se oferece para levá-la de volta à Enterprise, onde a doença será facilmente curada. Ela e seu filho, Jamin, decidem aceitar a proposta, contanto que Reed fique com os outros 56 colonos, na condição de refém.

Archer aceita os termos e os leva de volta à Enterprise, na esperança de convencê-los de suas boas intenções. Ao chegar lá, Phlox não tem dificuldades para curar Nadet, mas ele descobre que ela também está sofrendo de um sério envenenamento radioativo. Apesar de protegidos da radiação da superfície no interior das cavernas, os Novans estão agora sofrendo pela contaminação de seus lençóis freáticos –a água potável está irremediavelmente contaminada. O médico informa a Archer que o único modo de salvá-los é levá-los daquele planeta.

O capitão tenta explicar a situação a Nadet e seu filho, dessa vez apelando para um lado emocional. Ele encontra nos bancos de dados da nave uma antiga foto de Terra Nova, tirada pelos primeiros colonos. Lá, Nadet aparece como uma criança de apenas 5 anos, Bernardette, filha de uma mulher chamada Vera Culler.

Embora se reconheça na foto, Nadet e seu filho ainda estão muito desconfiados e se recusam a abandonar o local. Enquanto se vê tendo de decidir se realoca à força os colonos ou se os deixa morrer, Archer é informado por Tucker de que apenas o hemisfério norte do planeta foi afetado pelo impacto do cometa –o que abre a porta para que os colonos sejam realocados não para outro planeta, mas apenas para o hemisfério sul.

Archer mais uma vez tenta convencer os dois, mas eles continuam relutantes. Eles pedem que sejam levados de volta imediatamente, sob a pena de Reed ser executado. Desconcertado, Archer concorda. Ao descer, entretanto, o shuttlepod pousa em um lugar pouco firme e acaba sofrendo um acidente, caindo vários metros por uma galeria subterrânea. O tremor causado pela queda do pod fez com que um Novan ficasse preso sob uma árvore, enquanto o nível da água sob ele subia cada vez mais. Com a perna quebrada, ele era incapaz de escapar, e estava prestes a se afogar.

Enquanto Archer, Nadet e seu filho caminhavam pelos túneis para ir ao encontro de Reed e os outros Novans, eles ouviram os pedidos de socorro do ferido. Para salvá-lo, Archer e Jamin precisam trabalhar juntos, o que reforça o elo de confiança entre os dois. Após o sucesso no salvamento, todos se encaminham para onde está Reed, onde Nadet convence a todos de que a realocação é a única solução para a sobrevivência de seu povo.

A Enterprise ajuda nos procedimentos, permitindo assim que a civilização Novan possa agora seguir seu curso, no hemisfério sul do planeta. Travis Mayweather é o mais animado sobre o fato de eles terem solucionado um mistério de 70 anos. Por isso, Archer pede que ele escreva o relatório para a Frota Estelar, enquanto a Enterprise se encaminha para sua próxima missão.

 

Comentários:

“Terra Nova” é o primeiro episódio, além de “Broken Bow”, a ter uma história um pouco mais sofisticada do que um simples “high-concept”. É bem verdade que esse estilo está lá –uma história única, simples, clara, no estilo “e se…?”–, mas os desdobramentos vão um pouco mais além, tornando o enredo um pouco mais intricado e interessante que o dos últimos dois episódios.

Entretanto, infelizmente o recheio é demasiado composto por clichês para tornar este episódio um verdadeiro vencedor. A premissa é interessante, e preenche mais uma lacuna história da exploração inicial do espaço por seres humanos, mas não oferece grande material para a audiência ou para a tripulação da Enterprise.

Dessa vez, o maior beneficiado, em termos de roteiro, é Archer. Finalmente o capitão é retratado com um pouco mais de seriedade, e podemos acompanhar seu estilo ágil e impulsivo de comando, mas ainda assim sem ser precipitado ou fazer bobagens que qualquer astronauta em treino na Nasa não cometeria. Finalmente Archer volta a preencher bem a lacuna do capitão humanista da nave.

Alguns momentos são especiais para ver a dureza que é comandar uma nave estelar –uma delas é quando ele perde o tenente Reed. Embora ele diga muito pouco, podemos ver sua insatisfação contida, graças a uma boa atuação de Scott Bakula. O segundo momento, esse mais bem interpretado ainda, é quando, numa explosão de raiva, Archer admite sua frustração de ter sido incapaz de fazer contato pacífico com meros seres humanos –mesmo que eles estivessem naquelas circunstâncias pouco ortodoxas.

T’Pol perdeu, ao menos nesse episódio, o exagero na ironia, o que fez bem ao personagem. O que também é possível perceber é que ela e Archer começam a trabalhar como uma dupla, e não simplesmente como dois opositores, sempre contrariando um ao outro. Interessante observar como essa transformação do relacionamento dos dois está sendo sutil –muito mais adequada do que a súbita transformação dos Maquis em cordeirinhos em Voyager. Mais uma vez, ponto para a continuidade e para a produção de Enterprise.

Dos outros personagens, Reed é o que mais se beneficia. Apesar da aparição pequena, seus maneirismos e seu estilo continuam a ter presença marcante na série. Em compensação, Mayweather continua de mal a pior –apesar da aparente tentativa dos roteiristas de fazê-lo mais interessante nesse segmento. O meio para isso, entretanto, é totalmente artificial: não adianta simplesmente dizer que o piloto é fissurado em mistérios espaciais como o de Terra Nova; é preciso fazer com que ele se envolva com a história. Não basta colocá-lo no grupo de descida e deixá-lo vigiando a caverna e depois vigiando o shuttlepod. Seria muito mais interessante, por exemplo, se ele batesse de frente com Archer, usando de sua perspectiva única de viajante espacial experiente, na hora de o capitão decidir qual deveria ser a ação junto aos Novans. Faltou um pouco mais de audácia, ao personagem e aos produtores.

Sato praticamente não teve importância, assim como Tucker, que finalmente pagou pela exposição maciça que teve nos episódios anteriores. Phlox, embora tenha aparecido razoavelmente, não fez nada que pudesse marcá-lo no episódio.

Finalmente, ao enredo. A história é um misto de algumas coisas que já vimos em Jornada, mas com uma roupagem levemente diferente. Há uma noção muito parecida com a apresentada no episódio clássico “Miri” (“crianças sobreviventes”). Inclusive, ouso pensar que o paralelismo não é totalmente não-intencional. Veja as primeiras cenas do grupo de descida em Terra Nova: Reed passa por uma roda de bicicleta e a gira com o dedo, observando a rodar. A cena (incluindo o ângulo e a expressão de Keating) é muito parecida com uma outra vista em “Miri”, onde é o doutor McCoy gira uma roda de triciclo, momentos antes de ser atacado por uma das “crianças”.

Entretanto, a semelhança com “Miri” acaba aí. Na verdade, a premissa toda é muito mais parecida com a de “Friendship One”, episódio da sétima temporada de Voyager –o que é muito mais grave (se é preciso copiar, melhor que seja um produto de 35 anos do que um de menos de um ano). Até o desenrolar da história e a conclusão são muito semelhantes. Em ambos, os terrestres são odiados por terem supostamente destruído culturas em outros planetas; só que em “Friendship One” eles eram “culpados”; em “Terra Nova”, não.

Os clichês da resolução da premissa são tão convenientes e entediantes que acabam reduzindo em muito o potencial da história como um todo. O relacionamento de “confiança forçada” estabelecido entre Archer e Jamin para salvar o Novan preso debaixo da árvore é mais velho que a televisão; também é igualmente conveniente que apenas o hemisfério norte tenha sido afetado pelo cometa, facilitando a realocação (e por consequência o convencimento) dos Novans.

É esse tipo de solução forçada que prejudica o episódio. Ele poderia ter sido muito mais desafiador, sombrio e interessante se Archer acabasse sendo obrigado a abandonar os colonos para a morte certa, para respeitar sua cultura e seu livre arbítrio. Entretanto, Enterprise não está sendo conduzida para um lado “dark” e polêmico; aparentemente, tudo precisa acabar bem no fim de cada episódio. Essa atitude leva inevitavelmente a forçadas de barra ocasionais como esta.

Do ponto de vista técnico, o episódio continua mantendo o alto nível do restante da série. Apesar de não termos um disbunde de efeitos especiais, como nos segmentos anteriores, “Terra Nova” compensa com toques interessantes, como os “tatus” do planeta, que fornecem alimento, ferramentas e vestimentas para os Novans, e a maquiagem, brilhante como de costume, apesar de mais simples do que anteriormente. Mas o maior destaque técnico vai para a trilha musical do episódio, que está acima da média –incluindo a canção tocada pelos Novans na caverna, que traz sonoridade e sentimento semelhantes à melodia de Picard em “The Inner Light”. É música para colocar em CD, sem dúvida.

 

 

Citações:

Tucker – “Really? Every school kid on Earth has learned about the famous Vulcan expeditions…”
(“Sério? Toda criança na Terra aprendeu na escola sobre as famosas expedições Vulcanas…”)
T’Pol – “Name one.”
(“Mencione uma.”)
Tucker – “… er, History was never my best subject.”
(“… er, História nunca foi minha matéria favorita.”)

Archer – “If I can’t make first contact with other humans… then I have any business being out here.”
(“Se não consigo fazer primeiro contato com outros humanos… então não tenho nada a fazer aqui fora.”)

 

Trivia:

int.jpg (476 bytes) Erick Avari já apareceu antes em Jornada, como o Klingon B’Ijik, de “Unification, Part I” (A Nova Geração), e como o vedek Yarka, de “Destiny” (Deep Space Nine).

int.jpg (476 bytes) Esse é o primeiro episódio de Enterprise dirigido por um ex-ator de Jornada, LeVar Burton (Geordi La Forge). Burton já dirigiu para as séries modernas do franchise, e é considerado um dos mais talentosos diretores saídos do elenco de A Nova Geração, junto de Jonathan Frakes.

int.jpg (476 bytes) Esse também é o primeiro episódio da série a não mostrar Porthos, o cãozinho beagle do capitão Archer.

 

Ficha técnica:

Escrito por Rick Berman & Brannon Braga
Direção de LeVar Burton
Exibido em 24/10/2001
Produção: 006

Elenco:

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

Elenco convidado:

Erick Avari como Jamin
Mary Carver como Nadet
Brian Jacobs como Athan
Greville Henwood como Akary