O desenhista, Scott Chambliss, é um dos membros da equipe de produção de J. J. Abrams, tendo trabalhado em séries como Felicity, Alias e no filme Missão Impossível: III. Em uma entrevista exclusiva ao site TrekMovie, Chambliss fala sobre os desafios de assumir Star Trek, de redesenhar o universo da franquia, considerando este como projeto mais ambicioso, e também o que podemos esperar do seu livro Art of Star Trek.
Ganhador dos prêmios Emmy Award em 2002 e Excellence in Production Design Award em 2003 pelo seu trabalho em Alias, Chambliss fala um pouco de sua realização como desenhista do filme Star Trek.
Apesar de ter sido desenhista para TV por um longo tempo, inclusive ganhando um Emmy por Alias, Star Trek foi o seu primeiro grande projeto de ficção científica? Isso lhe causou receio?
Chambliss: “Que Sci-Fi é novo para mim, isso é definitivamente verdadeiro, que é igualmente verdade em relação a cada projeto na minha carreira e que é uma das coisas que eu amo sobre o que faço. Todo projeto que eu pego é uma tese de curso de pós-graduação na escola. Eu posso entrar em algo e aprender tudo o que puder sobre o que significa e o que está acontecendo. E isso muda, obviamente, porque é um trabalho para contar uma história visual dramáticamente e articuladamente. Então, nesse contexto, foi super emocionante. A desvantagem é a bagagem que esta história traz consigo, porque ela é como uma espécie de religião para algumas pessoas, no mais extremo. E tem ávidos fãs que apreciam cada detalhe do que veio antes. Encontrar um equilíbrio entre contar uma história dramática e visual que não ferre com o cânon de uma forma que perturbe as pessoas que realmente a estimam, foi o pouco assustador e que exigiu muito da ajuda de pessoas que realmente sabiam a história da história , como John Eaves”.
Nota: Para quem não sabe John Eaves foi um ilustrador de várias produções de Jornada, tais como: Deep Space Nine e Enterprise. Ele também trabalhou nos quatro filmes de A Nova Geração e em Star Trek V: A Fronteira Final. Um dos primeiros trabalhos de Eaves foi modificar o modelo da USS Excelsior, transformando-a na Enterprise-B para o filme. Ele trabalhou regularmente em Deep Space Nine, projetando naves, estações espaciais, além da USS Enterprise-E, a Cimitarra e as naves romulanas de Nemesis.
Eaves era um dos caras da única velha escola que você tinha em sua equipe.
Chambliss: “Ele era. Fomos incumbidos de não re-inventar, mas fazer um tipo de refinamento da história e torná-la interessante, não só para a velha audiência, mas para uma nova audiência. E John foi capaz de se adaptar de uma forma muito brilhante, para ficar ligado tanto na história quanto honrar isso, mas também avançar com a gente no futuro”.
Eu também acho que tanto o artista Ryan Church quanto James Clyne também fizeram um grande trabalho em amarrar esses elementos, especialmente sobre a USS Kelvin, da qual eu sou um grande fã.
Chambliss: “Isso é como J.J. (Abrams) e eu quiséssemos começar o filme com algo do tipo, “oh, veja isso, é uma nave de Jornada’, e torná-la realmente reconhecível. Incrementamos e a tornamos mais luxuosa, porque tínhamos mais dinheiro, mas também honramos o que veio antes e tornando-a conhecida de uma maneira que todos os fãs gostariam. Mas isso também foi um truque dramático de nossa parte, porque ao fazê-lo, nós quisemos criar o maior contraste possível (da Kelvin) com a Enterprise. Porque como é que você faz a Enterprise parecer saudável e nova, se parece exatamente com algo que temos visto nos últimos 40 anos? A Kelvin foi o contraste que fizemos a Enterprise parecer saudável e nova”.
Você diria que fazer a Enterprise por dentro e por fora foi mais desafiador e intimidante?
Chambliss: “Sim! A parte externa realmente veio muito cedo, porque toda a idéia que J.J. abraçou foi sobre o uso da abordagem por Eero Saarinen. Ele foi o arquiteto futurista no final dos anos 50 e 60 que projetou o terminal da TWA no aeroporto JFK. Eu originalmente apresentei o conceito de uso dele para inspiração apenas para a base da Frota Estelar na Terra, a sala de reuniões, mas ele (Abrams) ficou muito ligado com isso, e sugeriu a aplicação do conceito em toda a Frota Estelar. Então, foi quando eu realmente comecei a trabalhar com o exterior da nave. Mas o interior, a ponte, todo esse material icônico, foi muito mais trabalhoso”.
Olhando para toda a produção de design do filme, o que acha que funcionou melhor, e o que não funcionou tão bem como você gostaria?
Chambliss: “Eu acho que para mim, e para a intenção que J.J. e eu tínhamos de contar a história visualmente, acho que tudo funcionou muito bem. Eu não estou falando no contexto do que veio antes, mas do que nos propusemos a fazer. Se eu pudesse fazer algo diferente, há uma seqüência que eu não gostei, em termos do meu trabalho, e essa é a cena do bar em Iowa. O interior, eu simplesmente não gostei, com a ambientação que eu concebi, não acho que funcionou em tudo. Felizmente para mim, o restante de cada elemento funcionou. O roteiro foi notável, a ação foi ótima, os atores foram incríveis, e foi muito bem iluminado e editado, mas visualmente falando, eu não acho que funcionou”.
Foi uma locação real ou um cenário?
Chambliss: “Foi uma locação real, era um American Legion da Segunda Guerra Mundial, em Los Angeles. Esse foi o meu conceito. Estamos em Iowa, é velho, foi restaurado, mas é um daqueles lugares que fica lá para sempre. Mas, para mim, em última análise, era muito sociável e eu não aceitei isso. Ele não tinha o suficiente de sua própria identidade. Todo o resto da história, visualmente, foi muito bem definido. Mas o cenário e esse local não foram. Eu acho que sou o único na equipe que sente assim”.
Tenho ouvido muitos comentários sobre um monte de coisas, e não ouvi ninguém queixar-se da cena do bar de Iowa. Na verdade, na minha avaliação, e outros notaram isso também, que vocês não fizeram uma cantina do futuro de Star Wars, mas mantiveram a coisa realista.
Chambliss: “Bem, esse era o objetivo, torná-la realista e identificável. Eu só não acho que foi forte o suficiente em seu próprio sentido original, mantendo a confiabilidade. Não importa o trabalho que eu estou fazendo, não importa quão tola ou importante seja, eu quero que seja visualmente diferente, caso contrário, qual o propósito?”
J.J. parecia inflexível em ter um local de filmagem tanto quanto possível, exigindo que sua equipe “futurizasse” todos os tipos de coisas, de Long Beach City Hall, a Capela Rose, etc. Você preferiu assim, ou gostaria de começar do zero e construir seus próprios cenários?
Chambliss: “Sem preferência, ambas fazem parte do meu trabalho. Na verdade, a emoção de encontrar locais que podem se adaptar em todos os projetos que ele e eu fizemos juntos é uma das minhas partes favoritas do processo, porque eu começo a explorar o mundo e ver o que está lá fora. Eu posso ver o que poderia ser uma viva e deliciosa forma de contar a história que nós queremos”.
Bem houve uma locação que foi um pouco polêmica…
Chambliss: É a (fábrica da) Budweiser?
A controvérsia, e notei isso na minha avaliação, foi que, embora a noção de torná-la grande, mais industrial e até mesmo usando uma localidade do mundo real tenha ficado boa, houve algumas cenas onde ela simplesmente não parecia reparada o suficiente, quando Kirk estava perseguindo Scotty nas tubulações. Era muito óbvio que aquilo era apenas algum lugar da fábrica, com 50 luminárias da nossa época, etc. O mesmo foi em parte com a Kelvin, a filmagem na central de energia em Long Beach, onde mais uma vez, foi filmada a cena em que realmente não sinto como se você estivesse em uma nave espacial. Eu achei que funcionava, às vezes, mas outras vezes não, outros simplesmente não gostaram de nada. Essa foi a minha reação e a deles.
Chambliss: “Fantástico. Bem, todos têm direito à sua própria opinião … Não tenho nada a dizer sobre isso”.
Embora eu tenha adorado o filme, esta foi uma das minhas críticas a ele. Você sabe que os Trekkies podem ficar estimulados por praticamente qualquer coisa.
Chambliss: [risos] Totalmente, eu vejo isso. É uma das coisas que eu estava originalmente com medo, mas depois comecei a apreciar. As pessoas que amam esta história, todas as séries e filmes por tantos anos … a paixão que têm por isso e pelo conhecimento, e o que quer que seja, é realmente maravilhoso. Embora não seja uma religião e nem uma seita, é algo que esse público específico tão apaixonadamente se preocupa. E quantas dessas coisas há nos negócios do entretenimento?”
Vamos falar sobre o livro, “Star Trek: The Art of the Movie”, que sai na época do lançamento do DVD e Blu-ray. Você pode falar sobre o que está fazendo com relação ao livro e o que vamos ver?
Chambliss: “O livro é uma coleção de todos os colaboradores visuais do filme, desde designers de trajes, chefes de produção, designers de criaturas, maquiadores, todas as pessoas de parte de nossa equipe, a equipe dos efeitos visuais vai ser representada no livro. Nós todos temos uma opinião em termos de contar a história de como fizemos o filme. O que eu fiz foi foto-edição de layouts, adicionando um pouco da back-story que não tinha estado lá antes, e também certificar-me de que artistas diferentes estão devidamente creditados para seus trabalhos. Tem fotos do processo, tem desenhos, tem um monte de coisa. É muito legal”.
Houve uma série de coisas que foram esboçadas, e cortadas na edição final ou até mesmo do roteiro final, vamos isso no livro?
Chambliss: “Sim. Muito desse material está lá dentro. Havia um monte de coisas legais que saiu na edição final, não porque elas não funcionaram, mas porque não ajudava na história. Eu diria que a diferença entre o primeiro corte que eu vi, que tinha um monte de material, e a versão final, foi como o dia e a noite. É aí que J.J. e sua equipe de edição são gênios. Eles não se preocupam com o que vai ser cortado, não importa o quanto as pessoas gostem, se isso não está ajudando a história. O material é significativo no livro, e é muito legal”.
Sua equipe fez uma série de trabalhos sobre algumas coisas interessantes que foram cortadas, como todas as cenas da prisão Rura Penthe. É difícil para você ver que elas sairam da última edição?
Chambliss: “Não, não realmente. Enquanto a história for boa e bem contada, eu não me importo com o que aparece e que não funcione. O que quer que torna o filme mais forte, eu sou a favor. Eu tenho que concordar, eu adorava essas seqüências. Elas pareciam muito legais e eles deram ao vilão (Nero) um pouco mais de importância, mas não ajudavam a história, por isso fez sentido J.J. cortá-las”.
Vamos supor que a mesma equipe se reúna para o próximo filme, incluindo você. Você já pensou no que gostaria de fazer? Que tipo de desafios você gostaria de assumir?
Chambliss: “Não. Eu realmente não penso sobre esse tipo de coisa. Quando eu termino com um projeto está acabado, e apesar de ter trabalhado com J.J. tantas vezes no passado, nunca é uma garantia de que vou trabalhar no próximo. Espero que em cada projeto nos reunamos, porque as pessoas que escolhem pessoas que querem trabalhar, querem as melhores para o trabalho. Eu não diria que só porque eu projetei o mais recente Star Trek, que eu sou a melhor pessoa para o próximo”.
“Também outra coisa que eu acho importante explicar para as pessoas que não estão nessse ramo de negócio e para as pessoas que são realmente apaixonadas por essas coisas, acho que existe a impressão de que o que você vê na tela é 100% o que propusemos a fazer. Honestamente, o que acaba na tela é sempre um milagre, porque há a versão do script do que você pretende fazer, então na produção, você acaba criando uma outra versão, onde você está colaborando com todas estas pessoas que têm todos esses dons diferentes, e na pós-produção torna-se um outro filme, bem diferente do que você pensou que estava fazendo. Esse foi certamente o caso, em cada episódio de Alias, e até certo ponto foi o caso de Star Trek. Nós tivemos essa idéia do filme que estávamos fazendo, visualmente, com personagens e todo esse material. Mas a plenitude do mesmo, o detalhe, e a intensidade não são revelados até o longo processo de pós-produção. E assim, quando as pessoas olham para uma coisa como um conjunto, como a Budweiser, ou olham para um desempenho de um dos personagens principais, e eles pensam: “Essa sempre foi a intenção”, por vezes, você se aprofunda nele para a melhor versão do que pretende fazer, e você espera o melhor. Às vezes é universalmente aceito e apreciado, e outras vezes não é. Nada sobre o processo de fazer um filme é concreto a partir do começo, eu acho que é o que estava querendo dizendo”.