O que seria de uma série de TV dos anos 60 sem um divertido vilão? Jornada nas Estrelas não é exceção à regra e contou com diversas mentes diabólicas semanais tentando destruir a Enterprise ou escravizar sua tripulação.
Salvo Deep Space Nine, nenhuma série posterior de Jornada nas Estrelas trouxe vilões habituais memoráveis. Em A Nova Geração tivemos Q (magnífico personagem, mas que dificilmente poderíamos chamar de vilão no sentido estrito da palavra), o Romulano Tomalak (que apareceu em apenas três episódios), Sela (em apenas cinco episódios) e o Ferengi DaiMon Bok (em dois episódios). Em Voyager tivemos a fraca Seska, alguns Kazons sem graça, a Rainha Borg e seus Borgs descaracterizados, e Q (de novo), nenhum deles com aparições marcantes. Enterprise segue o caminho dos vilões sem graça, com o “carinha do futuro” e Silik, o Suliban afetado. Deep Space Nine, por outro lado, se valeu de grandes vilões como Dukat, a fêmea metamorfa, Weyoun, Kai Winn e Eddington.
Na Série Clássica não tivemos vilões habituais que eventualmente retornavam para colocar a Enterprise em perigo (com uma exceção), mas tivemos vilões memoráveis de uma única aparição.
Vamos, sem mais delongas, dar uma olhada numa seleção de episódios onde figuraram vilões de toda sorte, desde os campeões aos realmente esquecíveis.
“Where No Man Has Gone Before”
Gary Mitchell iniciou a fórmula que seria repetida várias outras vezes durante a Série Clássica e até nas produções posteriores: a figura do vilão com poderes sobre-humanos, quase um Deus. Esse tipo de vilão voltaria em “Charlie X”, “Who Mourns of Adonais”, “The Squire of Gothos” etc.
Mitchell foi um personagem marcante e, mesmo se restringindo a um único episódio, certamente os fãs não se esquecerão dele. Amigo do capitão Kirk, após um acidente é atingido por uma espécie de radiação e adquire superpoderes; como o poder absoluto corrompe absolutamente, logo a tripulação da Enterprise se vê ameaçada.
O conflito de consciência de Kirk é interessante aqui; por um lado ele quer preservar a vida de seu amigo e por outro entende a necessidade urgente de destruí-lo antes que Mitchell destrua sua tripulação.
Esse episódio fez excelente uso de efeitos especiais e truques de montagem. Um efeito simples e muito bem bolado foi na cena em que Mitchell está preso e, com a força do pensamento, controla um cabo para enforcar um dos seguranças que protegem a cela. A sobreposição das imagens de Michell sobre as cenas do assassinato mostra o poder do personagem e a frieza com que comanda suas ações. O uso de lentes de contato esbranquiçadas com certo brilho metálico ressaltam a natureza sobrenatural do personagem.
“Mudd’s Women”
A fórmula deveria ser a seguinte: quanto mais exagerado e canastrão o ator, mais divertido seria o vilão. Mas não foi o que funcionou nesse episódio.
Harry Mudd é um comerciante de mulheres escravas e sua nave é salva da destruição pela Enterprise. Agora a bordo, Mudd usa “sua carga” para “distrair” a tripulação para obter seus gananciosos objetivos.
Mudd, interpretado pelo péssimo Roger C. Carmel, é uma figura patética; uma espécie de comerciante com roupagem de cigano que não deixa de se utilizar de artifícios e fraudes para obter seus desígnios. Longe de parecer uma ameaça à Enterprise.
É difícil de se imaginar que o roteiro desse episódio foi uma das opções apresentadas por Gene Roddenberry à NBC para a produção do segundo piloto da Série Clássica. Embora possua boas intenções, como a referência a drogas e seus nocivos efeitos físicos e psicológicos, essa parte da trama é pouco explorada, dando lugar a inúmeras cenas das mulheres de Mudd desfilando pelos corredores da Enterprise. O resultado final é um episódio simplório, com pretensões que não vingam no decorrer da história. “Where no Man Has Gone Before” foi a sábia decisão para o segundo piloto.
Infelizmente Mudd voltaria a assombrar a Enterprise no igualmente ruim “I, Mudd”, do segundo ano, e até mesmo em um episódio da Série Animada chamado “Mudd’s Passion” — o que deu ao personagem o status único de vilão recorrente da série.
“Charlie X”
Esse episódio tentou traçar alguns parâmetros em semelhança com “Where No Man Has Gone Before”, mas falhou em diversas áreas.
Aqui a Enterprise encontra um adolescente, Charlie, único sobrevivente de um acidente com a nave onde estava sua família. Ele foi salvo e criado por seres alienígenas que deram-lhe poderes sobre-humanos para poder sobreviver. Logo ele passará a usar seus poderes contra a tripulação da Enterprise e, de novo, Kirk se vê na dúvida de como resolver a situação.
O problema aqui é que Charlie é um chato e o episódio é chato. Ao contrário de Mitchell, Charlie não tem o mínimo de carisma para segurar o episódio na figura de um vilão ameaçador. Suas caretas ao usar seus poderes podem causar risos involuntários na audiência. O melhor momento do episódio é o tapa que Kirk dá na cara do Charlie.
Ao final temos a interferência dos seres superiores que criaram Charlie. O uso dessas interferências divinas de última hora também se tornou um elemento corriqueiro na série, sendo usado, por exemplo, em “Errand of Mercy” e “The Squire of Gothos”.
“Balance of Terror”
Episódio histórico na série por introduzir os Romulanos.
Mark Lenard, que interpretou posteriormente Sarek, faz aqui o papel do capitão da nave Romulana. Ele não é exatamente um vilão, mas sim o lado que representa a oposição aos interesses da Enterprise. Cada comandante tem suas ordens e tenta cumpri-la da melhor maneira possível. O capitão Romulano é ordenado a destruir uma base da Federação na fronteira da Zona Neutra. Contrariado, sabe que tal ação ensejará resposta da Federação e uma possível (e indesejada) guerra. Kirk, ao constatar a destruição da Base. é ordenado a caçar e destruir a nave inimiga antes que entre em espaço Romulano.
O interessante aqui é o confronto psicológico entre Kirk e o capitão Romulano, cada um tentando prever a próxima jogada de seu oponente e ultrapassá-lo. Trata-se de um jogo de gato e rato, ainda mais elaborado pelo fato de a nave Romulana contar com capacidade de camuflagem, o que a torna invisível aos olhos da Enterprise. No final, a destruição da nave inimiga deixa de ser o objetivo principal dos dois capitães, dando lugar à luta pela sobrevivência.
O melhor momento é a frase final do capitão Romulano, que sintetiza a mensagem do episódio: “Em outra realidade, poderíamos ter sido amigos”.
“Dagger of Mind”
Esse episódio iniciou o ciclo dos vilões loucos e megalomaníacos. Aqui temos a figura do dr. Tristan Adams, diretor de uma colônia penal, que a transformou em uma câmera de horrores com o uso de um instrumento chamado “Neutralizador Neural” para domesticar seus pacientes.
Adams é um personagem diabólico, mas não representou um vilão marcante. Sua importância reside no fato de ter servido de molde para futuros vilões em episódios como “The Omega Glory”, “Whom Gods Destroy”, “The Way to Eden” e outros.
“The Squire of Gothos”
Trelane é sem dúvida um personagem divertido e serviu como base para a criação de Q em A Nova Geração. Ambos compartilham muitas semelhanças, como o interesse em estudar a humanidade enquanto se divertem às custas dos pobres mortais na Enterprise.
Trelane é um ser avançado, com poderes sobre-humanos e um interesse notável pela história da Terra. Mas Kirk, Spock e McCoy logo descobrirão que Trelane não passa de uma criança mimada e que pretende escravizá-los para sua diversão.
O episódio é bem simples e funciona como uma leve diversão sem grandes pretensões. Funciona perfeitamente, graças ao clima descontraído de todo o elenco, que certamente se divertiu muito durante as filmagens.
O ator William Campbell faz aqui sua primeira aparição na Série Clássica, retornando no segundo ano no papel do Klingon Koloth em “The Trouble with Tribbles”.
“Arena”
Um dos grandes oponentes do Capitão Kirk, o Gorn.
Arena é um exemplo de episódio típico da Série Clássica. Seres com poderes sobre-humanos interferem na batalha entre a Enterprise e a nave Gorn e colocam seus respectivos comandantes em um deserto californiano (cenário regular na série) para lutarem até a morte.
O Gorn é uma criatura misto de humano com jacaré, com uma fantasia risível que serve para tornar a diversão ainda maior. São impagáveis as cenas de luta corporal entre Kirk e o Gorn.
O final do episódio passa uma bela mensagem de paz, também típica da série e que seria utilizada de forma semelhante em “Errand of Mercy”.
“Return of the Archons”
Aqui temos também outro episódio que iniciou uma fórmula consagrada na série: Kirk versus o Computador.
Nesse episódio a Enterprise visita o Planeta Beta III, onde seus habitantes são dominados mentalmente por um líder chamado Landru, que não passa de um computador criado séculos atrás para cuidar da população do planeta.
Landru não tem por assim digamos uma personalidade forte para constar no rol dos grandes vilões da série, mas não deixa de ser uma figura importante por ser o primeiro de muitos computadores que tentaram subjugar a tripulação da Enterprise.
Essa fórmula foi repetida em: “The Apple”, “I, Mudd”, “The Ultimate Computer” e “For the World is Hollow and I Have Touched the Sky”.
“Space Seed”
Khan! O vilão mais famoso da série, trazido à vida com vigor e força pelo canastríssimo Ricardo Montalban.
Khan é humano geneticamente avançado, criado no século 20 — nos anos 90 (!) pela cronologia da série — com elevadíssima inteligência e força descomunal. Sentenciado a prisão perpétua, ele e outros super-humanos foram colocados em animação suspensa e lançados ao espaço dentro de uma nave-presídio, a Botany Bay. No século 23, a Enterprise encontra a nave, reanimando Khan e sofrendo as conseqüências.
Khan se tornou o vilão mais famoso também pelo fato de voltar no segundo filme da série para o cinema, “A Ira de Khan”. Com esse filme Khan definitivamente se consagrou com o melhor vilão de toda a série. Ricardo Montalban deita e rola no filme, roubando todas as cenas em que aparece.
No episódio “Space Seed” temos um Khan um tanto diferente daquele que vemos no segundo filme. Aqui ele é uma espécie de guerreiro, um dominador, um personagem que busca o poder acima de tudo. No segundo filme ele é um personagem enlouquecido, com sede de vingança, cujo único objetivo é matar Kirk. Foi do próprio Moltalban a opção de dar um enfoque diferente ao personagem no segundo filme, o que serviu para construir melhor sua personalidade, dando maior riqueza a Khan.
Dificilmente teremos outro grande vilão a altura de Khan na franquia. O general Chang, no sexto filme, pelo menos chegou bem perto. Entretanto, Shinzon, do décimo filme, “Nêmesis”, fracassou como vilão por tentar ser uma cópia descarada de Khan. Será que é tão difícil inovar em vez de copiar? Talvez seja apenas preguiça mesmo, ou descaso.
“Errand of Mercy”
Esse episódio foi o primeiro a mostrar os Klingons, que seriam usados como inimigos da Federação em mais dois episódios e em quatro filmes da série do cinema.
O vilão aqui é Kor, comandante da tropa Klingon que ocupa o pacífico planeta Organia. O ator que o interpreta, John Colicos, certamente se divertiu muito. Kor não é um vilão que causa repulsa na audiência, mas sim um divertido personagem, com direito a inúmeras caretas, cujo objetivo é mostrar que é melhor do que Kirk.
Em um emocionante episódio de DS9, chamado, “Blood Oath”, tivemos a reunião dos três comandantes Klingons que mostraram as caras na Série Clássica: Kor, Koloth e Kang. Kor voltou a aparecer em mais alguns episódios de DS9, sempre com a interpretação divertida de Colicos.
“Wolf in the Fold”
Então “Jack, O Estripador” era uma entidade alienígena malévola que visitou a Terra no passado, espalhou sangue e vítimas, conseguiu escapar, espalhou terror pela galáxia e agora aterroriza a tripulação da Enterprise. Como alguém poderia imaginar que um roteiro desses funcionaria perfeitamente e renderia um dos bons episódios da série? Há boas doses de suspense para prender a atenção pelos 51 minutos do episódio.
A entidade perversa atende pelo nome de Redjac. Inicialmente no episódio a entidade comandava o corpo do personagem Hengist. Após deixar seu corpo e, passando a ser despersonificada, sua presença consiste apenas em uma voz ameaçadora. O efeito é muito eficaz.
Criatura semelhante seria novamente utilizada em “The Day of the Dove”, do terceiro ano.
“Mirror, Mirror”
Mais um clássico episódio onde Kirk, McCoy, Uhura e Scotty, após um acidente no teletransporte, chegam a um universo paralelo onde os papéis de heróis e vilões são invertidos. A Federação é maligna e a tripulação da Enterprise mais terrível que os nazistas.
A figura alternativa de Spock é a maior atração desse episódio. Usando barba e com personalidade mais fria e calculista, constatamos ao final que esse Spock não é tão diferente do Spock do nosso universo. Ambos são comandados pela lógica e baseiam suas ações dentro das circunstâncias em que vivem. O Spock alternativo tem consciência plena de que o Império (Federação maligna) vai eventualmente cair no futuro, mas isso não o impede de continuar nela servindo porque ela faz parte de seu ambiente, de sua realidade. No final, Kirk convence o Spock alternativo a olhar de forma diferente o mundo ao seu redor, mostrando que é ilógico servir a um sistema maligno e sem futuro.
A história do universo paralelo continuaria durante a série Deep Space Nine, rendendo ótimos episódios.
“The Day of the Dove”
Aqui temos a terceira aparição dos Klingons na Série Clássica. Não foi exatamente a última, pois tivemos a breve aparição do personagem Kahless no antepenúltimo episódio da série, “The Savage Curtain”.
Esse episódio traz elementos de “Wolf in the Fold” na figura de uma entidade diabólica que se alimenta de instintos agressivos, brincando com a mente da tripulação da Enterprise e dos Klingons e jogando-os uns contra os outros. Para tornar a atração ainda mais sanguinária, a entidade transforma todas as armas da nave em espadas, machados e facas. E que comecem os duelos.
Mas o elemento importante nesse episódio é a presença de Kang, interpretado com gosto por Michael Ansara. Kang fechou o trio de comandantes Klingons que apareceram na Série Clássica, junto com Kor e Koloth, e que retornaram em uma grande aparição em “Blood Oath”, de DS9.
Kang fez também uma breve aparição no episódio de Voyager “Flashback”, que cometeu vários erros de continuidade com a Série Clássica em plena comemoração dos seus 30 anos. Se quisermos uma homenagem digna, temos de recorrer ao magnífico “Trials and Tribble-ations”, de DS9.
Fechando a conta
Grandes vilões garantem uma importante porção da diversão no decorrer da série. A história da TV mostra que todas as grandes séries já produzidas tinham como destaque o arqui-inimigo semanal: “Perdidos no Espaço”, “Viagem ao Fundo do Mar” e mais notadamente “Batman”, entre outros.
Como já mencionado, de todas as séries posteriores de Jornada nas Estrelas, apenas DS9 acertou nesse ingrediente indispensável para uma boa série. Ainda há algumas chances[1] (bem poucas) de a série Enterprise se achar e trilhar o caminho correto; para tanto, umas das principais providências que os produtores devem tomar é urgentemente descartar os péssimos vilões já criados e partir para outros com maior potencial, como os Gorns, os Tholianos e os mal-utilizados (até agora) Klingons.
Notas adicionais de republicação:
[1] Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis. Eventos contemplam até a 2ª temporada de Enterprise.
Um artigo adicional sobre os Vilões de Jornada pode ser acessado
aqui.