Mergulhando fundo nas quatro cenas!

Ao sair da sala de cinema na Av. Paulista depois de ver 25 minutos do novo filme de Jornada nas Estrelas, a primeira coisa que eu tive de fazer foi ligar para meu irmão, que queria muito saber que notícias eu trazia de lá de dentro. Minha avaliação foi algo como: “Se você for para o cinema esperando encontrar o velho Star Trek, talvez você se decepcione. Mas se você for esperando Star Trek 2.0, acho que vai gostar bastante.” Spoilers por toda parte!!!

Essa avaliação parece bem parecida com que os produtores e escritores têm dito aos fãs ao longo dos últimos meses — sinal de que, gostemos ou não, eles entregaram exatamente o que planejavam, quando diziam estar “reimaginando” a série original.

Mas, antes de elaborar mais o que isso significa, vamos ao que eu vi. Abaixo, uma descrição das quatro cenas do filme exibidas pela Paramount.

CENA 1 – Conheça Kirk, o bêbado

Estamos num bar. Há alguns alienígenas por perto, mas nada que pareça saído de Star Wars, como temiam alguns trekkers. Uhura pede algumas bebidas e Kirk, a duas cadeiras de distância, tenta passar uma cantada na moça. Eles claramente ainda não se conhecem. Uhura não dá muita trela a ele, que parece já estar bêbado ou, no mínimo, alto. Mas Kirk não desiste. Pergunta o que ela faz, e ela responde, dizendo que estuda xenolinguística. Completa dizendo ter convicção de que Kirk não sabe o que é isso. Mas o jovem bebum surpreende, descrevendo exatamente do que se trata o estudo de xenolinguística. E emenda: “Isso quer dizer que você tem uma língua ágil.”

Nisso, chegam alguns seguranças brutamontes da Frota Estelar. Apesar de Uhura dizer que pode lidar com a situação, eles decidem intimidar Kirk. O moleque reage, mesmo estando em número inferior. Uma briga de bar é o resultado. Após um começo disputado, Kirk acaba sendo surrado pelos homens. A confusão só interrompida quando o capitão Pike adentra o bar. Ele dispensa a turma da Frota Estelar e toma Kirk sob sua asa.

Diz ter conhecido o pai de Kirk e afirma que o jovem não deveria jogar sua vida fora, como tem feito. Diz conhecer o potencial acadêmico do garoto e vaticina: Kirk poderia muito bem completar sua formação na Academia em quatro anos, e ter seu próprio comando em oito anos. Diz que o rapaz deve aproveitar a chance e aparecer, na manhã do dia seguinte, na doca seca da Frota em Iowa para se alistar.

O jovem não responde. Mas na manhã do dia seguinte, lá está ele, admirando a construção de uma nave estelar da classe Constitution (seria a Enterprise?). Pike o vê e fica feliz de tê-lo conseguido trazer para a Frota.

CENA 2 – A “reação alérgica” de Kirk

(Abrams explica que a próxima cena ocorre depois que Kirk, já na Academia, se mete em uma encrenca e não ganha um posto em nenhuma das naves. Leonard “Magro” McCoy é seu amigão de Academia, e dá um jeito de “contrabandeá-lo” para a Enterprise, injetando nele uma vacina que causa terríveis efeitos colaterais, que exigem tratamento médico imediato. É neste ponto que começa a cena.)

Kirk acorda em uma biocama da enfermaria da Enterprise. Claramente zonzo, ele pergunta o que aconteceu. McCoy explica que é uma reação alérgica à vacina. O jovem cadete olha para as mãos. Elas estão absurdamente inchadas. (Acreditem, isto é engraçado!)

Enquanto isso, na ponte, Chekov abriu o intercom e transmitiu para a nave as novas ordens da Enterprise: investigar o aparecimento de algo que poderia ser descrito como uma tempestade elétrica no espaço, nas imediações de Vulcano.

Ainda chocado com seu estado médico, Kirk se aproxima rapidamente de um monitor e “rebobina” a mensagem de Chekov para se certificar do que ouviu. Após o quê, num momento “Kirk”, ele sai correndo da enfermaria, com McCoy ao seu encalço.

Ele anda pelos corredores até encontrar Uhura, para quem confidencia: a tal tempestade elétrica é uma armadilha, “criada pelos O’MU’A’NO’!” (Sim, a língua de Kirk também está inchada pelo efeito da vacina.)

– O quê? – pergunta Uhura.

– O’MU’A’NO’!

– Romulanos?

– Sim, o’mu’a’no’!

A trupe então corre para a ponte, para que Kirk possa apresentar sua teoria ao capitão Pike. Ele ouve protestos de Spock, que está indignado com a presença do cadete encrenqueiro na ponte — para não dizer na nave –, mas explica ao capitão que o fenômeno é exatamente igual ao que apareceu antes da destruição da Kelvin, a nave comandada por seu pai, décadas atrás, e a que apareceu perto da fronteira Klingon, anos depois, e destruiu 37 naves. Uhura confirma a informação, com base em sua decodificação de transmissões em romulano. Até Spock reconhece que faz algum sentido, e Kirk soma alguns pontos diante de seus desconfiados colegas.

CENA 3 – Spock do futuro

(Abrams explica, antes da cena, que o jovem Spock ainda estava indignado com a presença irregular de Kirk na Enterprise e dá um jeito de deixá-lo num planeta de gelo antes de seguir viagem. E é lá que Spock do futuro vai encontrá-lo.)

Kirk e Spock do futuro encontram um engenheiro rabugento que se julga abandonado pela Frota Estelar, sem comida e suprimentos, naquele posto distante.

– Você é Montgomery Scott? – pergunta o velho Spock, surpreso por reconhecer seu amigo de longa data.

Spock do futuro então informa Scotty de que ele precisa ajudar Kirk a voltar a bordo da Enterprise, onde ele precisará tomar o comando da nave, subjugando emocionalmente o jovem Spock. Para isso, será preciso fazer um transporte em transdobra. Scotty confessa já ter trabalhado na idéia, mas fracassado.

– Eu convenci a Frota Estelar de que poderia não só transportar objetos inanimados, o que seria fácil, mas também seres vivos. E fiz a experiência com o beagle do almirante Archer. — conta Scotty.

– E onde está o beagle?

– Eu bem que gostaria de saber! — responde o engenheiro, indicando o tamanho da encrenca em que se metera.

Para “resolver” o problema, Spock do futuro explica que o transporte transdobra funciona, mas depende de uma equação que o engenheiro ainda está para inventar. Spock apresenta a dita cuja a Scotty, que então se vê pronto para transportar Kirk de volta à Enterprise.

Spock do futuro diz a Kirk que é imperativo que o jovem Spock não saiba sobre a conversa que tiveram.

Antes de partir, Kirk indica a Spock que voltar no tempo para intervir nele é trapacear. Spock responde:

– Aprendi esse truque com um velho amigo.

CENA 4 – Pancadaria em Vulcano!

Uma nave imensa tem uma britadeira igualmente gigante escavando um buraco até o coração do planeta Vulcano. A Enterprise chega às imediações e precisa danificar o aparelho, que interfere com o uso do teletransporte.

Para desativá-lo, Pike parte com Kirk, Sulu e um redshirt numa nave auxiliar. O capitão ficará em órbita, na nave auxiliar, enquanto Kirk Sulu e o redshirt terão de fazer skydiving orbital para atingir a plataforma de onde desativarão a britadeira espacial.

A descida de skydiving é espetacular. Mas o redshirt morre no caminho. Kirk e Sulu chegam até lá e conseguem desativar a tal da escavadeira. E cada um ganha um “romulano” de presente, para enfrentar. Kirk fica dependurado no penhasco, enquanto Sulu acaba com o seu, dando uma de espadachim do futuro. O piloto acaba salvando seu futuro capitão. Mas cai da plataforma. Kirk mergulha para salvá-lo. Os dois pedem transporte de emergência, mas a Enterprise não consegue travar no sinal dos dois, em queda livre. Chekov percebe que pode fazer aquilo, sai correndo da ponte até a sala de transporte e consegue salvar a dupla, no último instante.

Enquanto isso, na nave romulana, Nero é informado de que, mesmo com a desativação da britadeira, a escavação atingiu o núcleo do planeta. O romulano então ordena o disparo da “matéria vermelha” pelo buraco.

A Enterprise percebe a ação, e Chekov aponta a Spock, no comando da nave durante a ausência de Pike, que um buraco negro está se formando no centro do planeta. Estima-se três minutos para a evacuação planetária.

Spock decide partir para resgatar seus pais, enquanto ordena que a Enterprise instrua Vulcano a iniciar evacuação imediata.

AVALIAÇÃO

Pois bem. Foi isso que eu vi e ouvi, ao longo de cerca de 25 minutos. A primeira surpresa que tive foi que as cenas não “estragaram” o filme para mim. Ele continua com surpresas suficientes, de forma que os 25 minutos só me deixaram com mais vontade de ver a outra uma hora e meia que ficou de fora.

Até por conta disso, é injusto fazer uma avaliação completa e irreversível do filme. O que podemos, sim, fazer é ter uma noção inicial do que esperar.

Para ser justo, vamos quebrar em partes a análise.

Valores de produção

Sem medo de errar, é a produção mais complexa já vista na franquia. Eu gostei bastante dos cenários, muito maiores do que os ambientes claustrofóbicos com o que nos acostumamos. Do “lado de fora da Enterprise”, a sensação é a mesma. Tomadas grandiosas, com a câmera bem próxima da nave, dão pela primeira vez a noção de como realmente é grande esta nave estelar. Em termos de efeitos visuais, não há o que criticar. Estão espetaculares e transmitem toda a sensação de grandeza do filme que eu já comentei anteriormente.

Ainda assim, a ponte continua sendo a ponte, os turboelevadores ainda são os turboelevadores, a engenharia ainda é a engenharia, a enfermaria ainda é a enfermaria… ou seja, é Star Trek 2.0. Se você quiser explicar como esta Enterprise pode se transformar na Enterprise da Série Clássica, terá uma imensa decepção. Mas se você entrar no cinema buscando uma nova interpretação da Enterprise, que ainda é a Enterprise, mas é outra, não aquela dos anos 1960, aposto que vai gostar.

Enredo

Este é o mais difícil de avaliar, pois os 25 minutos ofertados (mais os spoilers a que tivemos acesso) ainda não dão uma noção completa de como a história se desenrola.

De antemão, antecipo que este pode ser o ponto mais fraco do filme: viagens no tempo são sempre premissas arriscadas para uma história, porque podem soar convenientes demais. Do que eu vi, é impossível julgar se deu certo ou não.

Em defesa dos produtores, fazer viagem no tempo não necessariamente é um tiro no pé; que o digam “A Volta Para Casa” e “Primeiro Contato”.

Condução

Gostei do estilo de filmagem e da edição. Não é nada tão acelerado quanto o estilo “Matrix” de filmagem de ação, mas nada tão conservador quanto o tradicional formato de Jornada nas Estrelas. Não se assemelha em nada com o estilo da nova “Battlestar Galactica”; eu não notei nenhuma ênfase em filmagem handy-cam. Nesse sentido, mantém certa contiguidade — ainda que com uma severa evolução — com o estilo “clássico” de produção de Jornada.

Outra coisa que chamou a atenção, positivamente, foi o uso do humor. Nas seqüências que vi, duas cenas de humor funcionaram para mim: Chekov, antes de abrir o intercom, tentando introduzir um código de acesso ao computador com um sotaque de difícil compreensão, e Kirk com as mãos inchadas, desesperado para comunicar o fato de que a Enterprise está prestes a cair numa armadilha. Achei ambas engraçadas e não ocorrem em detrimento da seriedade da história ou dos personagens. Sua dignidade permanece intacta.

Também vale notar que os roteiristas incluíram várias referências para os fãs hardcore. Foi delicioso ouvir McCoy dizer que “Sofrimento é bom para alma” (alguém lembra?) e ouvir Scott contar o que fez com o beagle do almirante Archer. E podem implicar com o fato de que o bar já serve bebidas cardassianas, mesmo o filme sendo anterior a eventos da Série Clássica

Personagens

Aqui reside a essência de Jornada nas Estrelas. Cabe, portanto, uma análise individual de cada um.

– Kirk: Como disse no meu comentário spoiler-free, Kirk começa irritando muito os fãs, por agir como o mais completo idiota. Mas está claro que não devemos interpretá-lo como o velho Kirk, mas como um novo Kirk, profundamente influenciado pela morte precoce de seus pais. O homem perdeu o rumo, para se tornar um brilhante, mas desperdiçado, talento, bebendo pelos bares de Iowa. Nas cenas subseqüentes, no entanto, ele parece mais e mais com seu “velho eu” — assumindo os riscos para salvar a Enterprise na cena 2, questionando a honestidade do Spock do futuro na cena 3 e salvando Sulu da morte certa, num ato impetuoso e heróico, na cena 4. Chris Pine soube carregar bem o personagem, diante do desafio dantesco de substituir William Shatner.

– Spock: Vi pouco do Vulcano, confesso, mas Zachary Quinto tem dois problemas para superar. Primeiro, o fato de que ele é muito parecido com Leonard Nimoy nos faz esperar que ele atue *como* Leonard Nimoy. Além disso, para tornar o desafio ainda maior, o filme conta com o próprio Nimoy, interpretando Spock do futuro. Pelo menos do que vi, o Spock de Quinto não é tão bom quanto o de Nimoy. Enquanto o segundo sempre soube imprimir um ar de gravidade — um tom de “eu estou sempre certo” — ao personagem, o primeiro soa inseguro e mais emotivo do que nunca. Ainda não é uma avaliação definitiva, mas acho que Quinto pode não ter domado Spock tão bem quanto deveria.

– Spock do futuro: Que dizer? Leonard Nimoy é o cara.

– McCoy: Karl Urban arrebenta como McCoy. DeForrest Kelley estaria orgulhoso dele. Vi pouco, mas o que vi convenceu totalmente. McCoy is back!

– Sulu: Se não me engano, eu ouvi apenas uma fala dele, quando Kirk pergunta que tipo de treinamento em combate ele tem. Sulu responde: “Esgrima”. Toque suave de humor, que reflete o Sulu deste filme — é um sujeito centrado, mas bom de briga. Difícil avaliar mais, e compará-lo com o velho Sulu, mas essa interpretação ressoou bem com o personagem.

– Chekov: O ator é russo, mas o sotaque é igual ao “falso russo” de Walter Koenig. Gostei dele, e vejo o espírito do antigo Chekov no personagem. Mas a aparência completamente diferente (e o fato de que ele está na Enterprise sob o comando de Pike!) certamente serão elementos de “implicância” para os fãs. De novo, mentalize “Star Trek 2.0” e vamos em frente.

– Scott: Aqui talvez esteja a maior decepção do elenco principal. O sotaque do novo Scotty é escocês legítimo — mais escocês que o sotaque falso de James Doohan. E o personagem, pelo menos nas cenas que vi, serviu meramente para alívio cômico. Como um admirador do velho Scotty, temo que falte um pouco do espírito do grande engenheiro de outrora nesta nova encarnação.

– Uhura: Convenhamos — Uhura sempre foi um livro aberto, e na primeira página. Ela nunca teve uma grande personalidade (tente se lembrar de três momentos memoráveis dela na Série Clássica) e neste filme fará mais do que jamais fez. É um belo upgrade para um personagem subutilizado na série original.

– Pike: Dou um doce para quem disser como deveria ser interpretado o capitão Pike, com base no único episódio existente com ele. Admitamos: era um personagem a ser criado. E foi o que eles fizeram. Eu gostei, mas não senti nele o “vibe” do velho Pike.

Considerações finais

No fim das contas, o que fazer deste “Star Trek”?

Ouvindo opiniões de quem viu lá, ele agradou — e muito — a quem não gostava de Jornada nas Estrelas. Viu valores de produção e ação de uma qualidade jamais antes observada na franquia.

Mas e quanto a nós, os velhos fãs?

Tudo tem a ver com o espírito com que você vai ao cinema. Se você espera encontrar lá os velhos Kirk, Spock e McCoy, encarnados pelos atores que os eternizaram, nos cenários que aprendemos a ver como parte dos nossos corações (por mais toscos que fossem), na nave que todos conhecemos e amamos, você está pronto para uma grande decepção.

E nem precisaríamos ver o filme para dizer isso. William Shatner e Leonard Nimoy não vão rejuvenescer; DeForrest Kelley não irá ressuscitar. A velha Jornada é o que é: 79 episódios, mais 6 ou 7 filmes (dependendo de quem conta).

Mas esta velha Jornada, que todos amamos e admiramos, não está acabada. Muito pelo contrário, ela está mais viva do que nunca, nos rolos de filme, nos DVDs já impressos, nos Blu-rays que estão por vir. Só não teremos “episódios inéditos”, mas é a vida.

O que podemos ter é uma “releitura” de Jornada. Os mesmos personagens, a mesma nave, o mesmo espírito. Mas, ainda assim, algo diferente. Igual, mas diferente. Entendo agora a dificuldade dos produtores e escritores ao definir este filme.

Ele é marcadamente diferente da Jornada clássica. Ainda assim, algo que emerge do seu conjunto, seja do roteiro, da produção ou dos atores, soa em alto e bom som: “Jornada nas Estrelas”.

Eu gostei, e estou pronto para abraçar Star Trek 2.0, do mesmo jeito que abracei e gostei de Galactica 2.0. Mas reconheço que nem todos os fãs estão prontos para isso.

A esses, peço que relembrem os temores de Kirk e Spock, em Jornada VI, quando o mundo parecia se transformar rapidamente, diante de seus olhos. Será que eles estariam perdendo sua utilidade, sua razão de ser, diante de um “admirável mundo novo”?

É o que alguns fãs podem sentir. Jornada talvez não seja mais para eles.

Bobagem, pessoal. É cinema. Cinema é para todo mundo. Ou alguém aí deixou de ver Star Wars ou Indiana Jones, porque gosta de Jornada? Vamos curtir. Se entrarmos com o espírito desarmado, estou certo de que teremos duas horas de diversão na sala de cinema.

De minha parte, eu já tive 25 minutos. Quero mais uma hora e meia.


P.S.: O Trek Brasilis adoraria publicar outras opiniões de quem esteve naquela sala de cinema, sendo ou não fã de Jornada. É só escrever e mandar para nós!