A história completa da controversa substituição de Jennifer Lien por Jeri Ryan no elenco da série.
Colaboração de Fernando Penteriche
Brannon Braga e Ronald D. Moore foram os roteiristas que trouxeram os Borg de volta no filme Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato em 1996. Mediante o sucesso alcançado, Braga ficou determinado a trazer os Borgs também para Voyager. Após assistir na televisão uma chamada para o episódio “Unity”, escrito por Ken Biller e que colocava pela primeira vez os vilões cibernéticos no caminho de Janeway, Braga teve a idéia de criar um final de temporada envolvendo Borgs e um novo tripulante dessa raça que entraria para o elenco fixo da série.
“Eu expliquei minha idéia a Joe Menosky para ter certeza de que não era algo muito estúpido. Depois falei com Rick Berman e Jeri Taylor, que adoraram a idéia. Rick falou que o novo personagem teria de ser uma mulher, e começamos tudo à partir daí.”, explica Brannon Braga.
Os produtores começaram então a seleção da atriz que entraria na série, e após ficarem com três finalistas, a loira Jeri Ryan, recém saída da série “Dark Skies”, foi a escolhida. Sendo ela uma mulher extremamente sexy, já era esperado que causasse alguma polêmica, mas ainda de acordo com Braga isso seria muito bom para divulgar mais ainda Voyager. Muitos fãs, antes mesmo de verem o primeiro episódio com o personagem, chamado então de Seven of Nine, já reclamavam pela internet. Após verem o uniforme justíssimo e sensual da bela atriz, temiam que Voyager se transforma-se em um “Baywatch” espacial.
Ao mesmo tempo que uma atriz chegava, outra estava indo embora. A saída da série de Jennifer Lien, a Ocampa Kes, causou um certo desconforto no elenco. Chakotay, interpretado pelo sempre polêmico Robert Beltran, não gostou muito da dispensa da atriz, mas entendeu. “Nós eramos muito próximos, uma família, e fiquei chateado pela saída de Jenny. Porém os roteiristas nunca tinham muito o que fazer com o personagem dela. Exceto pelos pouquíssimos episódios em que era protagonista, Kes foi uma coadjuvante de luxo durante esses três anos”, disse o ator. Roxann Dawson, a B’Elanna Torres, também expressou seu ponto de vista. “Eu estaria mentindo se dissesse que foi fácil ver Jennifer indo embora. Nós a amamos, ela é muito talentosa. Porém a entrada de um novo personagem como a de Jeri Ryan causa muitas novidades, e boas, para nossa série. É um preço que temos de pagar”.
Mas quem pagou o preço sozinha foi Jennifer Lien. Houve boatos de que ela havia sido dispensada pois envolveu-se com drogas, o que nunca foi provado. Até hoje muitos fãs discutem se não seria melhor que Harry Kim fosse o personagem escolhido para deixar Voyager, porém uma rápida olhada nos episódios da série até então mostram claramente que Kes era muito mais dispensável do que Kim. A verdade sobre sua saída parece clara, pois com a entrada de outra atriz no elenco fixo, os produtores mandaram Jennifer embora para economizar. Kes ainda voltaria a Voyager no episódio do 6º ano chamado “Fury” [1], e é de consenso geral que seria muito melhor que ela não voltasse nunca mais depois de sua despedida em “The Gift”, segundo episódio da 4ª temporada.
Seven cumpre o prometido
Desde sua estréia em 1997 no primeiro episódio da 4ª temporada,“Scorpion, Part II”, Seven of Nine exerceu forte influência no destino de Voyager e foi dividindo a já polarizada audiência da maior franquia de ficção científica que existe.
Essa nova segmentação aconteceu, em parte, porque muitos viram a entrada de um tripulante Borg fixo como uma banalização imperdoável de uma das maiores e mais provocantes criações do universo trekker. Outros, por outro lado, mantiveram que Seven of Nine revitalizou as tramas e interações entre os personagens na nave a tal ponto que pode ser considerada a salvadora da série. Há ainda muitos outros que, aparentemente, parecem gostar dela por outras razões “menos” evidentes – algo a ver com o traje fornecido pelo departamento de figurino e as prioridades do diretor de iluminação do seriado.
Sobre essa questão, a própria Jeri Ryan, falou em entrevista à rede BBC. “A sexualidade descarada da roupa, não tive problemas com ela. Não tive problemas, por causa da forma como a personagem foi escrita”, disse. “Se ela tivesse sido escrita como todos achavam que seria, quando vi as primeiras fotos dela, então, sim, teria tido um grande problema para interpretar aquela personagem (…) Mas ela era brilhante. Ela é forte, um modelo maravilhoso para as mulheres jovens. Nós temos mulheres inteligentes de todas as formas físicas, então por que não deveríamos ver isso retratado na televisão”?
“O que legal em Seven of Nine é que ela era ao mesmo tempo inocente e corrupta”, acrescentou Brannon Braga, produtor-executivo de Voyager e, mais tarde, namorado de Jeri Ryan. “Ela lembrava o Data [A Nova Geração] quanto à inocência, mas também era profundamente corrupta, uma assassina em massa. Ela era uma personagem profundamente humana, mas não tinha moral porque foi criada por lobos”, conclui.
Ainda assim, nem precisa ser dito que a introdução de Seven em Voyager foi uma tentativa muito clara por parte do estúdio de alavancar os números da audiência, em deterioração desde a temporada anterior. E, apesar de a personagem ter conseguido cumprir sua nobre missão, o resultado obtido foi menor do que o esperado. Levou algum tempo, mas os produtores perceberam que apenas um corpo escultural sobre saltos altíssimos não convenceriam o núcleo do “fandom” trekker. A sorte é que Jeri, além de sensual, é uma atriz talentosa.
Foram muitos os episódios centrados em Seven e em quase todos eles a atuação foi impecável. “Scorpion, Part II”, “The Gift”, “Drone” e “Dark Frontier” se sobressaem pela bela interpretação da protagonista, que, ao longo das temporadas, conseguiu balancear muito bem a frieza e meticulosidade dos impulsos Borgs com a lenta recuperação da curiosidade e compreensão humanas. É também inegável a sua contribuição para o legado da série. “Ela trouxe conflito ao show, uma coisa que infelizmente faltava”, disse a atriz. “Uma vez que os Maquis fizeram as pazes com Janeway e companhia, eles viraram uma grande família feliz. Acho que eles [os produtores] queriam muito adicionar algum conflito, porque isso é que é drama, isso é o que torna a coisa interessante de assistir”.
Certamente, houve bastante terreno para a exploração desse talento, já que, desde a sua chegada, Jeri praticamente monopolizou o tempo em tela. Não é à toa que os fãs costumam chamar o 4º ano de Voyager de “Jornada nas Estrelas: Seven of Nine”. Só que, apesar de a adição da Borg sexy ter refrescado uma marca desgastada, ela também sacrificou o desenvolvimento dos outros personagens da série.
O que era para ser o seriado de Jornada com o maior elenco fixo acabou se tornando uma produção apoiada basicamente em três personagens: a capitã Janeway, Seven of Nine e o Doutor. Tom Paris, Harry Kim, Chakotay, Neelix e Tuvok virtualmente desapareceram. Antropologicamente falando, Voyager, que por princípios definidos em sua premissa não deveria enfocar a questão dos gêneros, acabou se transformando em uma série de personagens femininos fortes, na qual os homens de nada serviam.
Outra mudança duramente sentida pelos fãs originais foi a perda da cientificidade da série. A verossimilhança e a coerência com a ciência nunca foram exatamente os pontos fortes de Voyager. Mas, depois da entrada de Seven, isso passou a ser ignorado de vez. A “tecnobaboseira” começou a imperar nos roteiros, sustentando histórias de ação e comédia. Na prática, criou-se um novo tipo de ficção científica, marcado pelo eterno conflito entre Janeway e Seven, o relacionamento pouco convencional entre ela e o Doutor holográfico, e os intermináveis encontros com os Borgs – dos quais a nave surpreendentemente sempre saía ilesa.
No fim das contas, Seven of Nine mudou um pouco a cara de Jornada e serviu de incentivo a novas criações ousadas, vide a presença de T’Pol em Enterprise. Mas essa não foi uma alteração necessariamente negativa. Embora a sua presença na franquia tenha desagradado grande parte dos fãs iniciais da série, ela conquistou um novo contingente de telespectadores numa época em que a marca desesperadamente precisava de uma inovação para sobreviver. Seven é, antes de tudo, uma criação original de Voyager – algo que muitos diziam faltar desde a estréia do seriado.
Notas:
[1]A fúria, dentro e fora das telas Quando os produtores de Voyager decidiram que Jennifer Lien (Kes) não voltaria para a 4ª temporada da série, elenco e equipe sentiram a sua saída. “Sentimos a perda dela intensamente”, disse Kate Mulgrew (Janeway) em entrevista à revista Star Trek Communicator. “Trabalhamos todos juntos por tanto tempo que é como se tivéssemos nos tornado uma família”.
Assim, quando as mesmas pessoas que a demitiram resolveram trazê-la de volta para um único episódio no final do sexto ano, houve grande expectativa. Para os atores, foi motivo de celebração. “Foi uma doce reunião ter Jennifer Lien de novo no set de Voyager“, disse Ethan Phillips, que por três temporadas interpretou Neelix, o namorado de Kes. Mas, para os fãs, o retorno veio como um choque graças ao roteiro escolhido.
No episódio, “Fury”, a tripulação recebe um pedido de socorro de uma pequena nave pilotada por uma Kes envelhecida e cansada. Janeway concede permissão para que a antiga amiga venha a bordo, sem saber que a ex-tripulante quer, na verdade, destruir todos na Voyager. Kes usa da sua avançada energia mental para viajar cinco anos no passado com o intuito de entregar a nave aos primeiros inimigos da tripulação no quadrante Delta: os caçadores de órgãos Vidiians.
Antes de uma trama pesada, “Fury” é uma das piores histórias de Jornada já filmadas. Recheada com o pior e mais batido tipo de ‘tecnobaboseira’ – viagens temporais, emissões de táquions, rupturas no núcleo do reator de dobra -, ela ainda destrói um dos personagens mais queridos de Voyager e apaga em menos de 45 minutos três anos de história contada. É como se os produtores, não satisfeitos em terem retirado Kes de cena, quisessem acabar com qualquer resquício de nostalgia que a personagem ainda causava no público e desejassem que os fãs esquecessem de vez a época pré-Seven.
Há duas ironias no episódio. Ele é resultado de raciocínio cuidadoso dos roteiristas, que esperaram até uma boa idéia aparecer para trazer a personagem de volta. Também é uma metáfora de como Lien poderia ter se sentido ao ser descartada, como disseram alguns fãs.
Talvez o único mérito de “Fury” tenha sido o fato de portar o título mais apto a um episódio de Jornada. Definitivamente, ele despertou a fúria de muitos fãs que, depois de assistirem a trama ansiosos, desistiram de vez de acompanhar a série por se sentirem traídos e subestimados.
Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 25 de novembro de 2002.