Das séries de Jornada, a que mais fez uso de continuidade foi Deep Space Nine. Mas o que isso quer dizer exatamente?
Um dos tópicos que mais aparece em discussões entre os fãs é o da “continuidade no universo de Jornada nas Estrelas“. Sempre tem algum colega, no mundo real ou no virtual, que mantém que uma determinada fala ou um determinado desenvolvimento em um dado segmento de Jornada, “viola a continuidade estabelecida do franchise”. Tal ocorrência é tão comum que serve mesmo para dividir os fãs em “facções”, por suas posições com relação ao assunto.
Temos, por exemplo: os “radicalmente contrários”, que, frente a qualquer possibilidade (ainda que remota ou mesmo não muito fundamentada) de contradição com o que foi estabelecido anteriormente, invocam frases de efeito como “o Grande Pássaro da Galáxia, Gene Roddenberry, deve estar rolando no túmulo com isto”; os “radicalmente a favor”, que assumem que o universo de Jornada é 100% consistente internamente e que tentam de toda a forma racionalizar e explicar TODO potencial erro de continuidade; e os “moderados”, que entendem que erros acontecem e podem se alinhar, em termos de opinião quanto a um ponto específico, com o primeiro ou com o segundo grupo, sem exageros.
Um aspecto que merece atenção é o de que “continuidade” se refere a um bom número de diferentes aspectos da produção de uma série de TV. Fato que às vezes se perde em tais discussões, e leva a uma dificuldade em estabelecer um ponto comum de referência. Vamos então oferecer uma pequena classificação (que não tem o objetivo de ser completa) que será adequada ao tratamento dado no presente artigo.
Tipos de “continuidade”
1- Na produção de um único episódio
Uma coisa importante é ressaltar que, para maximização dos recursos da produção, normalmente as cenas dos episódios são filmadas fora da ordem em que elas estão no roteiro e em dias diferentes (isto sem falar que múltiplos episódios entram em produção ao mesmo tempo –aumentando ainda mais o nível de complexidade do trabalho da equipe de produção, contando com itens como coordenação de espaços físicos que servem para múltiplos cenários, viagens para filmar externas, disponibilidade de atores etc.). Algo ainda mais importante é considerar que cada cena é filmada várias vezes (múltiplas tomadas) e em múltiplos ângulos, sendo as cenas montadas corretamente apenas na fase de pós-produção do episódio.
É tarefa do continuista (que não necessariamente é uma figura da parte de criação da série) zelar para que os penteados, vestuários, maquiagens, peças de mobília, cenários etc. estejam consistentes em cada tomada. É tarefa do editor zelar para que todas estas múltiplas fontes de cenas se integrem de maneira suave e consistente no produto final a ser exibido. Um erro de continuidade deste tipo normalmente não causa maiores reações nos fãs. Este é um tipo que é mais facilmente aceito como “um problema da vida real” do que os demais.
Um exemplo de erro desse grupo é o da cena final do clássico “Yesterday’s Enterprise” (da terceira temporada de A Nova Geração), onde La Forge aparece com o colarinho do uniforme da Frota Estelar do “universo alternativo” visto no curso do episódio. Em termos de erros de edição, um grave e típico é a existência de um problema de “matching”, que ocorre quando as vistas de uma cena “não batem”. Por exemplo, imaginem o seguinte: um diálogo em um restaurante com dois atores sentados a uma mesma mesa; posicionamos a câmera atrás do ator A, pegando, por sobre o ombro do ator A, a face do ator B, durante todo o diálogo; depois fazemos o contrário. O erro pode se apresentar se em uma vista o ator A levanta um braço para beber e na outra ele levanta o outro braço –sendo esse claramente um erro grosseiro em uma situação extremamente simplificada). Existem inúmeros outros erros desse tipo 1 nestes mais de 35 anos[1] de Jornada.
Ainda que não um problema de continuidade, rescritas sucessivas em roteiros e o início das filmagens sem um roteiro pronto costumam levar a segmentos “pouco memoráveis”, para dizer o mínimo. O curioso é que tais problemas, após o episódio pronto, podem ser confundidos, por alguns fãs, com problemas de continuidade deste primeiro grupo (porque dá um ar mal acabado e desconjuntado ao produto final).
2- Com relação aos personagens
O mínimo que se pode esperar de um personagem é um bem estabelecido padrão de comportamento (a existência de “personagens esquizofrênicos” é o mais grave problema de continuidade com relação aos personagens), um adequado nível de complexidade (com relação a sua personalidade) e utilidade (função ou importância) no contexto da série.
Entretanto, devemos lembrar que, ainda que um dado personagem tenha uma consistência em suas decisões, elas ainda assim devem conseguir surpreender a audiência de tempos em tempos (se este cuidado não for tomado, o personagem acaba soando, ao longo do tempo, como de “uma nota só”).
Uma parte importante que a continuidade com relação aos personagens desempenha em sua caracterização e desenvolvimento é a possibilidade de um personagem “fazer escolhas difíceis e lidar com as conseqüências de tais escolhas”. Uma condição aparentemente trivial (e bastante difícil na prática dos roteiristas) que é crucial para o real desenvolvimento de qualquer personagem.
Uma boa continuidade permite que algumas das seguintes características, desejáveis em um personagem com relação a sua complexidade, possam ser completamente realizáveis. São elas: ter um objetivo (ou uma procura) claro além das suas atividades do dia a dia; ter um ângulo trágico; ter uma “faceta misteriosa ou sombria” que possa ser explorada (“não ser exatamente o que parece ser”); possuir um constante dilema pessoal; percorrer um caminho de transformação (ou de redenção) etc. Assinaturas pessoais e demais texturas também são bem-vindas.
Outra armadilha a ser evitada é o fato de que, ainda que a falta de uma real função possa “matar” um personagem, esta “função” nunca deve passar a defini-lo, o que acaba, quando assim acontece, dando origem aos “personagens-ferramenta”.
3- Com relação a uma “história global para a série”
É importante a capacidade de uma série de manter um arco de história sobre uma seqüência de episódios que possa englobar até uma ou mais temporadas inteiras, ou mesmo toda a série. Observem que tal formato não exclui a possibilidade de termos episódios essencialmente isolados, que possam ser plenamente apreciados por uma audiência “não-iniciada” na mitologia da série, e que ainda assim possam oferecer uma contribuição individual (possivelmente pequena) para o arco global.
Notem que o termo “arco”, como utilizado aqui, está intimamente associado ao conceito de propósito e objetivo. Digo isto, por que muitas pessoas ouvem o termo “arco” e imaginam uma seqüência interminável de episódios, todos começando com uma “recapitulação” e terminando com um “to be continued”, o que, ainda que esteja correto, acaba não sendo o caso na maioria das vezes que o termo “arco” é usado.
Um número de ótimos episódios com um propósito acabam valendo mais em qualidade que a mera soma de suas qualidades julgadas separadamente. Entretanto, não me entendam mal, os episódios tem de ser ótimos e com propósito para o “arco” fazer sentido, ao menos em um caso ideal (uma sucessão qualquer de episódios, só porque estão conectados contando uma única história, não é automaticamente “vencedora”). O caminho tem de ser planejado com competência e tem de ser percorrido com competência (pelos roteiristas) episódio a episódio.
Sintetizando:
– Bons episódios com um propósito definido: é o caso ideal;
– Bons episódios sem um propósito definido: algo positivo está acontecendo, mas existe potencial sendo desperdiçado;
– Maus episódios com um propósito definido: existe um caminho bem definido, mas falta competência em trilhar tal caminho;
– Maus episódios sem um propósito definido: perda total.
Outro ponto importante é que uma continuidade total com relação aos personagens não implica necessariamente a existência de um arco global de história (de fato, boa parte do drama televisivo da atualidade é estruturada assim –normalmente temos uma história “local” que surge e é resolvida na duração de cada episódio, enquanto as histórias pessoais dos personagens se desenvolvem sobre as fronteiras dos episódios e das temporadas). Por outro lado, a existência de uma história global exige, sim, uma grande continuidade com relação aos personagens.
Ao final desta coluna estaremos discutindo diferentes implementações de arcos globais de história.
4- “Continuidade de rodapé”
É aquela baseada em referências (por vezes até obscuras e normalmente corretas e benignas) a eventos passados: um nome, uma data ou um local (normalmente não servindo a nenhum propósito dramático –apenas uma literal “nota de rodapé”). Por vezes chegam a ser “exemplos fracos” do tipo 2 e do tipo 3, mas acredito que devam ser tratadas a parte, neste grupo “menos nobre”.
Aqui vai uma questão, ou, como queiram, um adicional item de classificação, que propositalmente deixei de fora da classificação principal, por saber que cada ponto de tal discussão levaria a um artigo do tamanho deste (é só lembrar da infame questão da “Testa Klingon”).
Os grupos de 1 a 3 cobrem o mais importante para a continuidade de uma dada série (e são sempre o meu foco principal quando emito as minhas opiniões). Entretanto, Jornada tem um problema adicional de continuidade, que a leva além das fronteiras de uma única série (o que implica diferentes pessoas, épocas, objetivos, demandas etc. envolvidos na manutenção da continuidade). Esta talvez seja a questão que traz mais polêmica, pois aí nós temos uma série (potencialmente) reescrevendo a história de outra (algo imperdoável para a maioria dos fãs).
É especialmente complexa a discussão quando a série que está sendo “rescrita” é a Série Clássica. Se por um lado a Clássica é a origem de todo o franchise (e tratada quase como um evangelho neste sentido), ela nunca foi escrita para servir de alicerce para uma história de mais de 35 anos[1]. Entendam, a Clássica foi sempre escrita de uma forma bastante vaga quanto ao universo da série e por vezes extremamente restritiva para um dado episódio funcionar em seus termos (outra herança criativa da Clássica e identificada por boa parte do público).
Que leva a questões como “na Clássica não é dito nada disto” (e normalmente não tem nada que diga o contrário) e “mas a Clássica diz o contrário” (quando na realidade o original faz menos sentido que a alternativa). Um problema adicional é que nos anos 70 uma grande quantidade de literatura não-oficial foi publicada, de certa forma expandindo o universo de Jornada. Certos elementos de tal literatura se tornaram populares, levando a alguns fãs a acreditar nela como oficial e negar eventos posteriores e ocorridos em tela (sendo então canônicos), em detrimento de tais escritos setentistas (alguém se lembra dos “poderes congelantes dos Andorianos”?).
Estabelecido o conceito de continuidade, vamos falar (de forma bem resumida) como ele foi tratado ao longo da história de Jornada nas Estrelas.
Continuidade ao longo das séries de Jornada
A Série Clássica de Jornada foi uma evolução em relação às séries Sci-Fi televisivas de qualidade anteriores como “The Twilight Zone” e “The Outer Limits”, por introduzir um elenco regular de personagens em um cenário fixo. Apesar de alguns deslizes (especialmente no começo), a caracterização cristalina de seus personagens mostrou-se um extremo sucesso popular (este é sem dúvida o principal motivo por estarmos aqui hoje falando sobre Jornada mais de 35 anos[1] após a sua estréia). É fácil identificar as características fundamentais de bons personagens na Série Clássica de Jornada: padrão de comportamento, assinaturas pessoais bem definidas e uma clara importância para o funcionamento da série. Características mantidas (na maioria das vezes) ao longo do tempo.
Entretanto, o formato completamente isolado de seus episódios sempre impediu (por construção e opção dos responsáveis) o estabelecimento de arcos de história e real desenvolvimento dos personagens (por favor, não confundam os atores e roteiristas “achando” os personagens com real desenvolvimento, como discutido acima). O status quo tinha de ser restabelecido necessariamente ao final de cada episódio. O nível de continuidade apresentado é extremamente pequeno, mas, se procurarmos com cuidado, existem algumas referências entre episódios, sim.
Esta “herança” da Série Clássica (episódios completamente isolados, uma virtual ausência de desenvolvimento dos personagens e muitas vezes o uso de “artifícios” para preservar e restaurar o status quo” ao final de cada episódio) é o que boa parte do público (especialmente o mais leigo) reconhece como o “estilo de Jornada“. Tal “herança” constitui a base para todos os futuros episódios de Jornada até os dias de hoje.
Felizmente, tal fórmula foi mais do que desafiada ao longo dos anos, embora ainda perdure como referência básica. O motivo principal não é artístico, é financeiro. A história conta que séries com grande continuidade de história não se saem bem nas reprises em syndication (cinco vezes por semana). Por isso os executivos da Paramount não gostam muito de continuidade nas séries de Jornada. Para falar a verdade, um dos fatores que possibilitou a popularização da Série Clássica (quando reprisado até a exaustão em syndication) foi justamente o formato completamente independente de seus episódios.
O curioso é que foi justamente a tripulação de Kirk, antes de mesmo existir A Nova Geração, que fez grande uso de continuidade (claramente admitindo que havia, sim, um potencial sendo perdido com segmentos completamente isolados). Os filmes II, III e IV contam essencialmente uma única história contínua, e o filme VI fecha a história da tripulação original fornecendo um “payoff” final para os seus personagens (pena que no meio tínhamos de ter o quinto filme, o verdadeiro ANTIFILME de Jornada).
Não tenho dúvidas que muitos fãs consideram os melhores momentos dos personagens da Clássica ocorrendo no cinema (podem fazer um teste listando os seus dez momentos favoritos dos personagens da Série Clássica e verificando a porcentagem deles que ocorre nos filmes de cinema), devido a essa possibilidade de realmente desenvolver os personagens.
A série A Nova Geração apresenta, de uma forma geral, muito mais continuidade do que a Série Clássica. Já na primeira temporada temos um desenho de arco, envolvendo uma enorme conspiração no comando da Frota, em “Coming of Age” e “Conspiracy”. Se não tivéssemos a já famosa greve de roteiristas americanos que ocorreu na época, nós teríamos os Borgs como uma raça insetóide que receberia a mensagem do final de “Conspiracy”, que também estaria envolvida nos incidentes na borda da Zona Neutra em “The Neutral Zone” e já apareceria em grande estilo bem no começo da segunda temporada.
Entretanto, o grande arco de episódios da série (e o de fato produzido) é aquele que leva a uma guerra civil dentro do Império Klingon. O grosso da continuidade da série é determinado por episódios associados com acontecimentos ou temas de episódios anteriores e pela sólida caracterização dos personagens, com destaque para Picard e Data.
A série Voyager teve algumas tentativas maiores de serialização no começo, especialmente na segunda temporada com os Kazons (com resultados bastante ruins, devo acrescentar, principalmente pelo fato de esta raça vilã ser pouco original e interessante e pela série não oferecer nenhuma desculpa convincente para tal arco poder ser sustentado; ou será que o quadrante Delta faz curva e não me avisaram nada?), mas a partir daí se tornou tipicamente episódica.
Os fatores que deram a Voyager a alcunha de série com menor continuidade de todo o franchise de Jornada nas Estrelas (apesar de, paradoxalmente, eu já ter estabelecido que a Série Clássica tem virtualmente nenhuma continuidade) são os seguintes: a série mudou de responsáveis vezes demais (Piller/Taylor, Taylor, Piller/Taylor, Taylor, Taylor/Braga, Braga, Braga/Biller e Biller), apenas com Berman presente sempre; a caracterização dos personagens (um dos pilares da continuidade de uma série de TV) não foi muito estável ao longo do tempo, especialmente no caso de Janeway, para dizer o mínimo; acenar com possíveis desenvolvimentos futuros e praticamente nunca fornecer tais “payoffs” (o que acabou sendo interpretado pelos fãs ao longo do tempo simplesmente como má fé dos roteiristas) e a dificuldade de lidar com a sua própria premissa original (uma nave sozinha, longe de casa, rumando continuamente para a Terra).
(Existem até bons exemplos de continuidade em Voyager, mas eles são inapelavelmente nocauteados pelos motivos acima citados.)
A série Enterprise acena[1] com um potencial para serialização e mesmo até já deslanchou alguns arcos de história. Entretanto um melhor julgamento fica guardado para o futuro (ainda está muito cedo para termos certeza de alguma coisa).
Então vamos falar de como contar histórias.
Três diferentes estilos de se escrever “arcos globais de história”
1- Arco (não planejado antecipadamente) por toda a série (exemplo: Deep Space Nine)
DS9 se qualifica pelo fato de o “arco do Emissário” se iniciar no primeiro episódio e terminar no último, ainda que o principal arco da série (em tempo de tela) seja aquele envolvendo o continuado conflito (em diferentes escalas ao longo da série) entre a Federação e o Dominion.
O grande defeito deste formato é que nem tudo (para dizer o mínimo!) vai se encaixar quando a série é olhada como um todo. Entretanto, a história tende a se desenvolver de uma forma mais natural do que se ela fosse completamente planejada desde o início.
Em um caso ideal, devemos construir sólidos episódios, sobre sólidos episódios anteriores; introduzir arcos secundários que se resolvem e se renovam com o tempo e, quando o arco principal entrar em foco, ele deve permanecer em foco até o fim da série. DS9 soube se conduzir assim de uma forma geral, mas deu “algumas” bobeadas.
2- Arco (planejado antecipadamente) por toda a série (exemplo: “Babylon 5”)
Este formato, de uma virtual “minissérie expandida”, é o mais complexo possível e parece talhado exclusivamente para canais a cabo. É surpreendente que B5 tenha sobrevivido por quatro temporadas em syndication (até na quinta e última passar para a TNT). Vou apenas salientar um ponto de tal complexidade, que eu acho bastante importante. Não somente temos de ter a história de antemão, mas também temos que ter um plano de contingência se (por exemplo) um ator deixar a série. Temos que ter um “personagem de reserva” que deve ser capaz de carregar total ou parcialmente o arco de história do personagem original, e temos que ter uma idéia do impacto que tal mudança vai ter no restante dos arcos de história da série, algo bastante complicado.
A maior virtude de tal formato é que (a menos de eventos do mundo real) os elementos de história realmente se encaixam (ainda que as coisas não possam se encaixar “bem demais”, o que acaba parecendo um pouco artificial e manufaturado –acho que temos um ajuste delicado e importante a ser feito neste ponto). Outra coisa é que os arcos não podem ser tão longos assim, como em “B5” (se a parte da “construção” do arco é grande demais, você pode perder espectadores que ficam frustrados por falta de um “payoff” e pode frustrar mesmo os espectadores que ficam esperando até o momento do “payoff”, pois eles esperaram tanto que não tem “payoff” suficientemente bom que possa satisfazê-los).
Acho que a melhor solução é ter um arco global, de certa forma distante e pouco referido (ainda que possa receber pistas de tempos e tempos) e vários arcos secundários que se renovam e se resolvem de uma em uma temporada (por exemplo). Quando a gente entrar realmente no arco principal da série, ai é pé embaixo até o final. O arco principal tem de se fechar o mais próximo possível do final da série (ainda que alguns episódios, servindo de epílogo, sejam bastante bem-vindos).
3- Um arco (planejado antecipadamente) completo e diferente para cada temporada (exemplo: “Buffy: The Vampire Slayer”)
Este formato tem inúmeras vantagens e é bem próximo do ideal (comercialmente falando inclusive) e funciona bem para uma série de rede. A série se reinventa toda temporada, permitindo atrair novos espectadores para o que é, em última instância, uma história do tamanho de uma temporada de cada vez. O formato permite trazer novos personagens para o arco da temporada, que são novos para a série e para um espectador novato. A perspectiva de tais personagens novos pode esclarecer os personagens regulares para uma nova audiência de uma forma transparente e não-intrusiva (mudanças no elenco regular podem ser feitas de forma bastante natural também).
A complexidade de história e problemas logísticos também são grandemente reduzidos, com relação a um arco que dure toda a série, pois estamos lidando com uma temporada de cada vez. Com os pontos principais da história na mão, podemos deixar pistas “de leve” em episódios literalmente isolados e podemos ter certeza de uma “acelerada” com um grande “payoff” ao final de cada temporada.
O grande perigo é tornar as histórias das temporadas parecidas demais entre si (salvar o universo uma vez por ano com tramas sempre do tipo “tudo, mais a pia da cozinha” é “meio” esquisito) e não conseguir um “algo mais” na derradeira temporada da série. Entretanto, não se enganem. Temos uma história por temporada, mas temos que ter uma base que se estenda por toda a série e que tem que ser muito bem cuidada também.
Continuidade, amiga ou inimiga? De quem?
Quando um roteirista vai escrever um episódio de uma série de TV e ignora a grande continuidade embutida na caracterização dos personagens, ele está dificultando o seu trabalho, artisticamente falando, e facilitando o seu trabalho, no sentido de prazos a cumprir e de dinheiro a ganhar. Quando ele ignora tal continuidade, acaba em uma missão de tentar escrever um “minifilme” da semana, e não um episódio de tal série. O problema é que se ele ignora a caracterização dos personagens, ele não vai ter o menor pudor de “mudar um pouquinho” um personagem ou outro para fazer a história dele (roteirista) funcionar em seus termos. O efeito acumulativo de tal atitude é que leva aos famosos “personagens esquizofrênicos”.
Oferecer uma grande continuidade de história a uma série de TV pode se tornar uma tarefa extremamente complexa, especialmente se temos mais de um roteirista escrevendo tal história. Apesar de tais dificuldades, a série, produzida assim, usualmente, emula melhor o mundo real, constituindo um melhor drama. Além de tender a apaixonar mais as pessoas (mas talvez não mais pessoas).
Notas adicionais de republicação:
[1] Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 25 de fevereiro de 2002.