Criar uma nave estelar importante de Jornada é uma realização grandiosa que envolve meses de trabalho, inúmeros rascunhos e dúzias de revisões. Desenhar a USS Voyager não foi diferente e Rick Sternbach, o artista encarregado do serviço, tem uma opinião bem precisa sobre o assunto: “Tenho de dizer que a Voyager foi a nave mais divertida de trabalhar”, disse o designer ao Trek Brasilis.
Foi longo e cansativo o processo de criação. Embora os primeiros traços tenham aparecido em setembro de 1993, durante a última temporada de A Nova Geração e a segunda de Deep Space Nine, o desenho final só foi aprovado e entregue aos construtores de maquetes poucos meses antes da estréia na TV. Rick Sternbach imediatamente começou a fazer rascunhos dessa nave sem nome, antes mesmo de qualquer esclarecimento por dos produtores.
As principais referências saíram do design da runabout e da fonte primária de inspiração de Sternbach: a natureza. Os modelos de Jornada sempre foram criados a partir da figura de animais rápidos e lisos, e a USS Voyager NCC-74656 teve em sua forma embrionária as características de uma baleia orca, uma arraia e alguns tipos de pássaros.
Formas biológicas foram enrijecidas e transformadas em estruturas a que foram atribuídas funções preliminares, como radiadores ou exóticos estabilizadores de dobra. Seguindo o padrão da Frota Estelar, o artista reservou uma área para a ponte no deck 1 e uma série de espaços para as janelas dos alojamentos da tripulação ao longo do casco, recintos que seriam construídos no set.
As janelas são um importante fator no design. É necessária a coordenação entre os vários departamentos do estúdio e um construtor de maquetes de fora, para garantir a continuidade entre o exterior da nave e seu interior. Já que a Voyager seria menor, estruturas como as janelas teriam de ser proporcionalmente maiores e mais visíveis, exigindo mais detalhes coerentes com os cenários. Mesmo na primeira fase do projeto, o produtor de efeitos especiais Dan Curry lembrou Sternbach das regras gerais do design de miniaturas. Precisava-se ter certeza de que os pontos de encaixe do controle de movimento estivessem próximos ao centro de gravidade do modelo, e que o encaixe do ventre fosse a parte mais baixa da nave, para evitar problemas com a filmagem em tela azul.
Faço uma pequena pausa aqui para comentar esse ponto. A preocupação com os detalhes, sempre foi um dos pontos mais altos de Jornada e particularmente, um dos motivos mais fortes pelos quais sou apaixonado pelas séries. No caso de Voyager, essa atenção foi além das encarnações anteriores. A produção fotografou diversos ambientes dos cenários logo após sua construção e reproduziu as imagens em pequenas transparências, colocadas atrás das janelas. O resultado é impressionante.
Mas, voltando à evolução do modelo, os primeiros rabiscos de Sternbach mostravam a Voyager com um casco primário aerodinâmico parecido com um míssil, o casco de engenharia alongado e liso, e torres de runabouts curvadas para trás. Algum tempo depois, decidiu-se que a nave seria capaz de aterrissar em superfícies planetárias, requerendo portanto um trem de pouso. Os produtores também queriam que alguma parte da nave, como as naceles, fossem animadas ou articuladas, ou que a formação de armas e talvez o defletor navegacional se mexessem.
Assim, alguns padrões foram estabelecidos. A maior parte das naves da Frota parece ter cerca de 3,90m entre decks, divididos entre a altura das paredes (no caso, construídas em set) e os 60cm compostos pelo piso, geradores de gravidade e diversos conduítes. Nesse estágio, comparada à Enterprise-D, que tinha aproximadamente 633m de comprimento, a Voyager deveria ter entre 150 e 360m. A leva inicial de projetos da nave foram organizados em um livro ao final de março de 1994, para dar aos produtores um ponto de início para discussão sobre o que haviam gostado, desgostado, ou o que queriam mudar. As especificações imaginárias foram dadas: Comprimento: 220 metros; Massa: 547.000 toneladas métricas; Tripulação: 200. Um gráfico em escala virtualmente comparava a Voyager a todas as Enterprises.
Alguns esquemas diferentes para a articulação das naceles foram sugeridos, incluindo asas horizontais que se moviam e encaixavam por baixo. Nos planos mais ‘normais”, parecia que o casco primário poderia se separar, mas depois essa idéia foi eliminada.
Foi entre abril e maio de 1994 que a noção real da nova nave emergiu. A frente do casco primário, antes angular e pontiaguda, ficou mais leve e arredondada, ainda permitindo a separação, e o disco e engenharia fundiam-se em uma só estrutura, de onde saíam amplas torres que terminavam em longas naceles. Portas nas naceles poderiam se abrir, expondo as bobinas de dobra para um novo tipo de salto de energia. Os motores de impulso foram colocados por baixo, como nas naves runabout. Nesse design, todas as partes familiares da Frota foram adicionados, em tipo e posição, muitas das quais permaneceram na versão final.
Algumas modificações mais tarde, a equipe se deparou com uma fusão entre o formato da runabout e da classe Excelsior. Essa variação particular recebeu aprovação adicional dos produtores e seguiu para a fotocópia inicial de planta e estúdio de maquetes de estudo. Sternbach pediu um ‘rascunho’ de mais de 1,20m da nave (a essa altura já batizada ‘USS Voyager’), o tamanho estimado do modelo usado em cena naquela época. Da visão de cima, ele derivou a de baixo, lados, proa e popa. A elevação dos lados mostrava 14 decks e um comprimento de quase 300m.
Trabalhadas as estruturas principais, Sternbach começou a desenhar peças de hardware internas, como os lançadores de torpedos fotônicos, reatores de impulso, e o núcleo do reator. A Engenharia deveria estar situada na altura do deck 7. Dependendo de como os sets da ponte, sala da capitã e da sala de conferência saíssem, o artista fecharia alguns contornos externos sobre eles e completaria o módulo no topo da nave.
Das plantas, era possível extrair ‘fatias’ de uma dos duas polegadas do casco. Quando essas fatias foram transferidas para a prancha de espuma e cortadas, montadas, cobertas com massa plástica e então repintadas, um modelo em escala tridimensional da Voyager surgiu. O departamento de efeitos visuais poderia estudar a maquete para o trabalho de filmagem, e enviar cópias das plantas para os construtores de miniaturas para orçamento.
Sternbach continuou a escrever detalhes técnicos e a rascunhar novas possíveis peças, mantendo o olho atento par o que os projetistas estavam fazendo com os itens principais, como o refeitório e o alojamento da capitã. Quanto à sala dela e a de conferência, os cenários tinham janelas distintas que seriam rapidamente identificadas do exterior. Não apenas o alojamento da oficial teria cinco janelas, mas também havia versões de uma, duas ou três que teriam de ser espalhadas pelo casco.
No entanto, parecia haver sérios problemas, do ponto de vista do design, para paramentar a miniatura com todos os sistemas fictícios necessários, ou até mesmo construí-la e filmá-la. Os designs dos sets até combinavam em cor e forma. Essa versão parecia rápida, mas repleta de sólidos apetrechos por fora e, assim que Sternbach estava para produzir uma serie final de plantas para os construtores, os produtores perguntaram se ele poderia fazer uma nave mais curva e harmoniosa. Toda a concepção foi então abandonada e um novo projeto teve início.
Depois de mais algum tempo de trabalho, a primeira versão clara da Voyager curva saiu no dia 16 de junho de 1994. Sternbach continuou experimentando diferentes variações nas naceles e pilares de sustentação. Surgiram novas oportunidades de mexer com a leveza do casco e com as peças de hardware que seriam colocadas nele.
Isso foi ao mesmo tempo bom e ruim para o departamento de efeitos visuais. Daria à nave um maior senso de realidade e escala, mas também aumentaria o trabalho com as texturas e sombras. Nesse ponto, a Voyager mantinha quase todos os elementos da versão angular, mas agora as peças da superfície preenchiam mais o casco. Todos os dias, refinava-se diferentes itens.
Com o casco mais leve, ficou decidido de uma vez por todas que a Voyager seria uma nave de uma peça só, sem o sistema de separação. Se fosse haver alguma aterrissagem em um planeta, a nave teria que descer inteira sobre o solo. Ela deveria ter o tamanho aproximado do porta-aviões USS Nimitz CVN-68.
Os motores de impulso, que nas naves de Jornada costumavam ficar atrás do pescoço que ligava as seções disco e engenharia, foram colocados nas asas horizontais que seguravam as naceles de dobra.
O módulo do deck 1 recebeu túneis conectores do turboelevador e seus próprios motores com sistema de controle de reação (RCS). Essa característica, que nunca apareceu na série, permitiria, em caso de emergência, que todo o deck 1 se soltasse do restante da nave.
O hangar de naves auxiliares voltou para a popa do casco, mantendo o deck de aterrissagem da Enterprise original.
No mês de julho, a questão do formato das naceles e do movimento das asas finalmente foi resolvida. Sternbach criou um modelo simples do formato da Voyager no computador, no qual variava o ângulo das asas (para cima, horizontal, para baixo ) e a posição da nacele em uma série de projeções “fly-by”. Os produtores aprovaram o ângulo de 45°para cima.
Antes mesmo de as plantas finais serem concluídas, o departamento de efeitos visuais optou por uma miniatura de 1,80m de comprimento, e todos os desenhos foram feitos em tamanho real. Isso significa que Sternbach teve que se deitar sobre a mesa de rascunhos, medindo as partes sob três ângulos diferentes.
A Brazil Fabrication, empresa de Tony Meininger, foi escolhida para construir o modelo da Voyager. Eles receberam todos os desenhos e rabiscos em perspectiva. Sternbach detalhou a maior parte dos elementos estruturais, e os sistemas da nave foram organizados em um outro grupo de rascunhos. Nestes, todos os aspectos principais foram nomeados, com sua função, cores (especificadas usando o sistema Pantone), ou se a iluminação era necessária.
Meininger e sua equipe conseguiram construir as formas em 3D das folhas de Sternbach, e produzir as partes esculturais mais importantes, de última geração. Delas, cascos de plástico foram extraídos, equilibrados, detalhados e prensados em moldes de borracha para fazer os componentes finais em resina dura. O produtor de efeitos Dan Curry pediu que minúsculos quadros dos cenários, iluminados por trás, fossem posicionados nas janelas, para dar a idéia de salas vistas através do vidro — ou melhor, alumínio transparente.
Nos casos em que um contorno externo não podia ser mostrado com precisão nos desenhos, Meininger produziu soluções esculturais com as próprias mãos e as partes foram moldadas. Os resultados saíam sempre muito parecidos com o que os desenhos pretendiam.
As cores foram especificadas e checadas com o departamento de efeitos visuais para confirmar aos construtores de que, num todo, a Voyager seria uma nave da Frota com uma cor azul-acinzentada identificável, adicionada a outras cores estabelecidas. O sistema Pantone, no qual Jornada às vezes se baseia, é um conjunto de cores de tintas usado por construtores de miniaturas para retratar com fidelidade os tons usados em aeronaves, navios e veículos militares.
Havia especificações para as faixas de feisers, RCS, escotilhas dos botes salva-vidas e todos os equipamentos visíveis, geralmente em cores quentes para contraste. As estruturas de sensores foram pintadas em azul metálico e prata.
Como em todas as naves anteriores, as luzes de formação eram vermelhas, verdes e brancas.
Michael Okuda trabalhou nas dezenas de inscrições do casco, incluindo o nome da nave e registro.
A Voyager chegava aos seus dias finais de filmagens na Image-G, quando os produtores pediram duas últimas alterações na superfície. Eles pediram que fossem adicionadas uma variação no tom do revestimento do casco e linhas para quebrar as curvas lisas (estas se tornaram os reforços do campo de integridade estrutural). Meininger recebeu um mapa dessas linhas e a pintura final foi completada.
A nave foi para o trabalho. Ela foi medida e escaneada para digitalização em 3D, para a criação de um modelo CGI. Com o tempo,a própria miniatura original foi substituída por aquela recriada em computador.
Em maio de 1995 começou o trabalho no episódio “The 37’s”, no qual a Voyager era mostrada aterrissando pela primeira vez em um planeta. Assim, o sistema de pouso finalmente teve de ser projetado. Embora a nave tivesse sido projetada para pousar, apenas as escotilhas do sistema foram desenhadas, sem planos de como ela ficaria na superfície.
Guardar e articular um conjunto de pernas e pés em um espaço de 3,90m foi um desafio: tudo tinha que se dobrar, ficar bonito, e agüentar uma fração das 750.000 toneladas métricas da Voyager. Os rascunhos iniciais de Sternbach mostravam pernas com um só pé, mas eventualmente “dedos” foram adicionados para distribuir a pressão. Um acesso dos tubos Jefferies ao solo também foi colocado, com degraus e corrimões.
Não foi possível construir a estrutura em tamanho real para filmar, então pés em miniatura foram fabricados para cenas estáticas, enquanto a seqüência de pouso foi capturada em animação computadorizada.
O trabalho nunca parou. Com o passar dos episódios e temporadas, novos elementos apareceram. A Voyager foi assimilada pelos Borgs, atacada por naves que se prendiam a seu casco, foi seriamente avariada, destruída, enfim, passou por muita coisa. No final, o trabalho artesanal e meticuloso dos maqueteiros ficou armazenado nos armários do estúdio, já que as filmagens ficaram mais fáceis — e mais baratas — com o avanço nas animações CGI.
Esta coluna foi baseada nos artigos “DESIGNING THE USS VOYAGER” (STAR TREK: THE MAGAZINE – edições 19 e 20, NOV e DEZ 2000) e “DESIGNING STAR TREK: VOYAGER” (STAR TREK: THE MAGAZINE – edição 28, JUL 2001). O material foi cedido pelo Federation Starship Datalink
Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis.