O produtor Ron Moore concedeu uma longa entrevista ao site Trek Movie, que foi dividida em três partes. Na primeira já mostrada pelo TB, Moore falou sobre as séries de Jornada, continuidade e cânon. Nesta segunda parte, o produtor de Battlestar Galactica comenta a respeito dos clichês da franquia e o que poderia ter sido diferente em Voyager.
Na série Deep Space 9 temos o beijo entre duas mulheres em Rejoined, e em Doctor Bashir, I Presume, Bashir tem um passado sombrio. Você enfrentou resistência a essas noções de quebra de modelos?
Moore: “Houve um pequeno embate nesse ponto. Eu sempre lutei para levar histórias dentro de direções sombrias ou sair com observações ambíguas ou mesmo fazer a Enterprise perder, ocasionalmente. Muito disso era no sentido de fazer a coisa diferentemente. Eu acho que estava procurando modelos para quebrar. Afinal, estávamos fazendo muitos episódios por ano, vinte e seis, o que parece inconcebível”.
Mas você faz vinte episódios em Battlestar Galactica.
Moore: “Esses seis extras fazem grande diferença. Em algum lugar da série, quando se chega a dezoito, já começa a passar na cabeça o que houve com Jornada. Para mim, dezoito sempre foi o ponto exaustivo, onde você se pergunta: Deus, ainda faltam oito para fazer. Como chegar a mais oito? Isso mata”.
Como você enfrentou as mesmices e os finais repetitivos e previsíveis de Jornada?
Moore: “Tínhamos essa coisa a bordo que eram os clichês da franquia. Após toda a reunião de escritores para falar de novas histórias, nós anotávamos quantos clichês de Jornada ouvimos naquele dia: O Data torna-se homem, o Data torna-se deus, eles descobrem um planeta, o planeta está vivo, etc. Havia todas essas categorias e concordávamos em nos manter equillibrados. Mas por haver muitos clichês e muitos padrões nas séries é que eu sempre procurava por algo diferente. Procurava por algo que não havia sido feito. Eu pensava: “Nós não havíamos feito algo, na qual a Enterprise perdesse”. E isso me impulsionava a fazer desse modo. Nós não havíamos feito algo onde a história termina numa observação mais sombria ou que Picard mata alguém ao invés de salvá-lo. Isso foi sempre o que quis fazer de diferente e como resultado eu estava sempre na maioria desses debates. Eu estava sempre argumentando, brigando e falando com veemência para tentar fazer alguma coisa um pouco diferente e tentar levar a série em direções às vezes aonde ela não poderia ir. Os produtores estavam certos algumas vezes. Eu estava apenas tentando nos levar para um lugar onde Jornada não poderia seguir à vontade”.
Você sente que Battlestar Galactica é a sucessora natural de Deep Space Nine?
Moore: “Eu acho que há uma certa linhagem nisso. Muitas das coisas que eu fiz em Battlestar nasceram de discussões com os roteiristas em Deep Space Nine. Coisas que eu disse que não poderia fazer na franquia. O personagem faz reviravoltas, coisa que nunca poderíamos fazer em Jornada. Estávamos sempre tentando fazer em Deep Space Nine os personagens rudes e desordenados o máximo possível e você só pode ir adiante e fazer isso com suas falhas. Isso me levou a pensar em termos de personagens falhos, e o que uma audiência pode tolerar de seu elenco principal e qual o propósito de escrever uma guerra na série. Nossa guerra contra o Dominion e os limites de quão longe podemos ir, a dificuldade que poderia se tornar, até onde poderíamos levar os personagens num estado de guerra perpétua. Sim, muitos de meus pensamentos em Battlestar Galactica começaram lá”.
Você considera Deep Space Nine uma série desprezada pelo estúdio?
Moore: “Estávamos meio que orgulhosos por sermos considerados como sendo as crianças bastardas de Jornada. Éramos verdadeiramente diferentes. Cada série era essencialmente sobre uma nave estelar audaciosamente indo a algum lugar e nós não. E nós sentimos orgulhosos disso. Nos orgulhamos de não termos tido a mesma publicidade e por termos sido esquecidos. Eu creio que eles (produtores) perderam a oportunidade por não continuarem a diversificar. Eles poderiam ter feito uma outra versão que fosse radicalmente diferente das anteriores. Infelizmente, voltaram a seguir com uma nave de novo, e, de certa forma, fazendo um outro refrão para a Série Clássica e A Nova Geração“.
Você se refere a Voyager e a Enterprise?
Moore: “Sim. Ambas eram essencialmente do mesmo formato. Isto é, você causa confusão nas tripulações, e complica a missão fundamental, mas quer ainda pegar de volta a noção de que Jornada é igual a uma nave indo para algum lugar com uma grande tela panorâmica. Eu sinto que provamos que Jornada não tem de ser assim, que poderia ser de muitas outras formas”.
Após o término de Deep Space Nine você foi para Voyager e ficou por pouco tempo. O que aconteceu entre você e Brannon Braga?
Moore: “Isso foi passado. Não quero falar sobre isso. Essencialmente saí. Eu provavelmente não teria saído. Saí com diferentes expectativas de que a série estava preparada criativamente e internamente para seguir. Brannon Braga e eu tivemos uma pequena desavença, um confronto criativo e pessoal. Então decidi que não iria mais trabalhar desse jeito”.
Voyager e Battlestar Galactica são naves a procura da Terra e sem infraestrutura. Existe algum paralelo? Se você fosse o produtor de Voyager, ela seria diferente?
Moore: “Provavelmente sim. Quando estive em meu breve período na série Voyager, comecei a pensar no que queria fazer. Me lembro de sentar com o grupo de roteiristas e sugerir que se a Voyager ficasse danificada, que continuasse danificada, deveríamos parar de repará-la. Outra idéia que tive foi fazer a tripulação desenvolver uma cultura própria dentro da nave, deixando de lado os protocolos da Frota e parando de pensar neles mesmos como pessoas da Frota ou de nível, mesmo que ainda vestissem uniformes e tentassem aderir aos regulamentos. Eu achava que seria interessante, considerando o tempo que levaria para a nave retornar para casa, eles não considerarem mais a Terra, de modo que teriam sua própria cultura, que seria diferente da que eles deixaram para trás. Eu não me lembro bem, mas alguém sugeriu também a noção de que a nave poderia proteger algumas naves alienígenas que encontrasse no caminho. Seria um comboio e de algum modo a nave da Federação concordaria em dar proteção as demais naves através de sistemas estelares hostis, enquanto fosse o caminho dela. Eu gostei dessa idéia e levei comigo, o que de certa forma foi feito com Galactica. Quanto a segunda pergunta, se eu fosse o produtor desde o começo, provavelmente usaria isso e levaria a série (Voyager) para uma direção mais sombria, mais angustiada e ser menos que uma bonita jornada de volta para casa”.
Nick Meyer introduziu muito do sentimento militarista em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan, o qual deixou de existir em A Nova Geração. Você pensava nesse militarismo na série?
Moore: “O tempo todo. Havia todo esse tipo de protocolos e pequenas tradições que eu tentava injetar a qualquer hora. Como em “Data’s Day” havia o simples fato de que o dia começava com Riker rendendo a Data na ponte da Enterprise. Data informava sobre as condições da nave, vinha a formalidade do “eu assumo o posto” e “eu estou rendido” e Data vai embora. Então, a noção de um novo posto de guarda veio a bordo. Eu comecei me referindo a postos de serviço e oficiais da ponte e sendo certificado como oficial de quarto (responsável pela navegação e operação). Todas essas coisas eu comecei a infundir na nave porque é como os navios da Marinha funcionam e é uma tradição que vem de muito tempo. Isso ficou estabelecido como uma estrutura de comando da Marinha. Gene Roddenberry sempre mencionou Horatio Hornblower como um das inspirações para o capitão Kirk e eu sempre achei a linhagem naval como um importante componente de Jornada“.
Aguarde, em breve, a terceira e última parte dessa entrevista.
Fonte: Trek Movie
Edição: Nívea Doria