A The New Yorker é conhecida pela alta qualidade de seu jornalismo, seus rigorosos procedimentos de checagem de fatos, e seus ótimos artigos, ensaios e críticas em geral. Navegando pela coleção de DVD-ROMs, que contém a coleção completa de seus mais de setenta anos, fiquei curioso: o que teriam os missivistas da revista a dizer sobre as produções da franquia? A primeira menção a Jornada na revista é de 1970, em uma elogiosa menção d’A Série Original na crítica sobre o filme “Je T’Aime, Je T’Aime”. Mas vamos ver agora a crítica completa sobre “Jornada nas Estrelas: O Filme“, quando da estréia deste primeiro filme sobre a franquia em 1979.
O Cinema Atual
Alto e Baixo“Jornada nas Estrelas — O Filme” não é tão divertido ou inventivo ou energético como “Guerra nas Estrelas”. Não é tão belo e imaginativo e obsessivo como “2001: Uma Odisséia no Espaço” ou assustador e depressivo como “Alien” (não é em nada assustador, de fato), e não é tão tocante como “Corrida Silenciosa”. Mas o espaço é um território grande, e há muito lugar nele, eu acredito, para um meio longo, meio tedioso veículo como este, e ainda que o tempo a bordo da nave Enterprise em velocidade de dobra algumas vezes parece passar mais lento do que deveria, Einstein nos avisou a respeito disto. Eu apreciei a viagem.
Logo no início, a Enterprise sobrevive a mais séria crise de sua missão, que é a delicada passagem de uma série de televisão dez anos fora do ar e subsequente objeto cult para um espetacular filme — sobrevive fácil, pois Gene Roddenberry, que idealizou e produziu o show de televisão e também produziu este filme, e o diretor Robert Wise, vieram com uma estilosa analogia que cumpre o trabalho. A familiar nave das telas de dezessete polegadas foi refeita para uma moldura muito maior, mas ainda é reconhecivelmente a mesma — ponte, sala de transporte, seção de engenharia de Scotty, e tudo o mais. O veículo, sendo o melhor da Frota Estelar, é agora repentinamente necessário para uma missão tão difícil quanto perigosa — a interceptação e investigação de um misterioso intruso campo energético, mais do que oitenta e duas UA de diâmetro! — e nada menos do que chamar a veterana tripulação para o serviço ativo é necessário. Quando “Magro” McCoy, Sulu, Scotty, Chekov, Uhura e Capitão Kirk (ele chegou a Almirante finalmente) e o restante reportam a bordo, eles parecem mais velhos, já que são todos interpretados pelos atores do elenco original, mas vários anos se passaram na história tanto quanto em nossas próprias vidas, então podemos os perdoar por suas pequenas rugas e rigidez. Willian Shatner, como Jim Kirk, parece melhor do que nunca, de fato, pois ele perdeu aquela depreciante protuberância de barriga que nós algumas vezes podíamos notar ao meio de seu uniforme espacial; quase é uma pena. O último a vir a bordo, é claro, é Spock (Leonard Nimoy), o cientista meio-vulcano de orelhas de morcego; no cinema onde assisti a “JNE: OF”, os Trekkies na platéia estavam tão felizes em o rever quanto seus colegas estavam, e eles lhe deram uma saudosa salva de aplausos, enquanto Spock, é claro, respondeu à recepção da tripulação com um enignmático olhar neutro. Eu não sou um Trekkie, a propósito, mas sabendo que todos os fiéis estavam ao meu redor no escuro foi prazeiroso e divertido. Era como estar em um clube.
Novatos na tripulação da Enterprise são o Comandante Decker (Stephen Collins) e Tenente Ilia (Persis Khambatta) — esta última uma linda careca Deltana que eu adoraria que tivesse sido batizada de Alopecia — que fica a cargo dos aspectos românticos das coisas, mas a grande alteração nesta versão de cinema é, é claro, nos efeitos especiais. A cenografia do espaço sideral é uma forma de arte que nós agora conhecemos quase tão bem quanto pós-impressionismo, e o seu Matisse pode ser muito bem Douglas Trumbull, que fez os efeitos especiais para “2001” e “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”. Aqui ele foi auxiliado por John Dykstra (“Guerra nas Estrelas”, “Corrida Silenciosa”), e eles se superaram, quase tudo durante a primeira exploração pela Enterprise do interior da ameaçadora nuvem intrusa. Os espantosos efeitos de “Guerra nas Estrelas” e “2001” aqui foram desacelerados e virados em seu eixo, e são retocados com uma delicadeza de vidro escurecido. O corredor na nuvem muda para grandes formas cristalinas, revezando-se em formas sólidas e gasosas na escuridão azulada, e grandes estruturas de matéria vem em nossa direção, brilhando e então nós navegamos para um silencioso agrupamento de dourados globos em um emaranhado, o que sugere células ou vírus vistos em um microscópio. A música (por Jerry Goldsmith) é profunda e sem pressa, e o tom e passo destas melodias parece precisamente adequada a trama — não ameaçadora mas intrigante e fantástica.
Isto pode parecer o que nós viemos a esperar de filmes no espaço, e muitas vezes, é praticamente o suficiente em si. Um mais sutil corriqueiro ingrediente, a sobreposição de metáforas, é o que falta em “Jornada nas Estrelas: O Filme”, e não há nada no filme que provoque um tilintar em nosso inconsciente, também. O que nos resta é algum bastante familiar jargão espacial (“A força passando através daquela ligação mental deve ser impressionante” … “Um planeta de máquinas enviando uma máquina para a Terra para procurar por seu criador: é incrível” … “Acumulou tanto conhecimento que se tornou consciente. Se tornou um ser vivo!”) e uma das mais previsíveis revelações de ficção-científica — a sobre um bebê em evolução. Mas a trama, eu notei, também toca na sobrevivência das emoções nas pessoas no espaço que estão sobre ataque por mera tecnologia ou pura inteligência. Este implícito nonsense humanistíco costumava ser uma das bases da maioria dos episódios da velha “Jornada nas Estrelas”, e representa a importância de Spock (que é meio-humano) no todo “A Balada dos Nibelungos”. (“Sempre houve muito do ‘Sr. Rogers’ misturado com os Klingons e os feisers,” um Trekkie disse para mim recentemente.) Eu estou contente que Gene Roddenberry se manteve fiel a sua fórmula no filme, pois esta modéstia (pode um filme de quarenta milhões de dólares ser modesto? Sim, pode) dá a “Jornada nas Estrelas: O Filme” a maior parte da sua inocência e charme que quase compensa por suas consideráveis deficiências. Quanto aos atores — bem, quem quer atuação no espaço sideral? O que nós queremos (e o que obtemos) é aquele rápido corte em close em Sulu no leme da Enterprise no momento em que a voz de Scotty soa pelo intercomunicador com “Engenharia para a ponte: eu não consigo manter esta potência por mais tempo! A câmara de mistura está esquentando rápido…” e os olhos de Sulu arrelgalam-se, como se —
Roger Angell
The New Yorker,
17 de Dezembro, 1979
Neste ponto, Angell usa o gancho para iniciar a sua segunda crítica nesta edição, sobre “O Panaca”, comédia do Steve Martin. Uma maneira meio curiosa de passar de uma crítica para outra, mas enfim.
Eu acho que Roger Angell foi bem nos pontos comentados na crítica — mantém um simpático tom respeitoso e elogioso, sem deixar de considerar os pontos fracos do filme, e traça uma conclusão de que o filme é uma divertida aventura, bela em estilo e fiel ao espírito da série. Mais elogioso do que eu esperaria, até — o fundador Harold Ross já disse que ele não havia feito a revista para “A velha senhora de Dubuque”, e talvez o mesmo seja válido para o jovem geek de Pasadena.
O que isto poderia indicar de futura crítica da revista ao vindouro Jornada nas Estrelas? Impossível especular, é claro. Ainda que seja verdade que a revista não é muito fã de produções da cultura pop — Anthony Lane foi particularmente ácido com os novos filmes de “Guerra nas Estrelas”, por exemplo — nunca se sabe. Se o filme ganhar uma boa crítica da The New Yorker, tanto melhor. Caso não, sem grandes problemas. Críticas são barômetros interessantes de se avaliar, mas não devem desanimar nenhum trekker em ir ver a fita por si mesmo, é claro.