No universo expandido de Jornada existe um canto onde a emoção e a aventura ainda prevalecem, um lugar livre da tirania de Rick Berman e Brannon Braga[1] (o que é uma coluna minha sem falar mal de Berman? Vade retro, Satanás!), uma saga apelidada pelos fãs norte-americanos de “Shatnerverse” (em português, “Shatnerverso”) . Sim, você leu direito. Um universo criado por William Shatner, o nosso bom e velho capitão Kirk. Não é uma maravilha?
Criado por Shatner em colaboração com a dupla de escritores Judith e Garfield Reeves-Stevens, o “Shatnerverse” se compõe de oito livros (até agora)[2], em que James Tiberius Kirk ainda está vivo no século 24 e do alto dos seus 70 e poucos anos, ainda chutando o saco de Borgs e Romulanos e vivendo aventuras ao lado de (ou contra) personagens como Jean-Luc Picard, o embaixador Spock e a almirante Kathryn Janeway.
A “Saga do Retorno do Capitão Kirk” foi concebida por Shatner em 95, enquanto o filme “Jornada nas Estrelas – Generations” ainda gozava de um relativo sucesso de bilheteria nas telas de cinemas do mundo inteiro. A idéia, basicamente tirada da premissa deste filme, é o que faz o grande sucesso dos livros: um já aposentado Kirk, agora no século 24, com a ajuda de uma nova geração de heróis, volta para combater todo tipo de ameaça e salvar a pátria. Eu lembro que ao ouvir isso, particularmente gostei da idéia, já que Generations é um filme que eu particularmente adoro (o que diabos eu disse? Eu não sou trekkie! Eu não sou trekkie!), seja pela música vibrante de Dennis McCarthy, ou as brilhantes atuações de Shatner e Patrick Stewart como Kirk e Picard. E eu já te contei que estes mesmos Kirk e Picard são e sempre serão meus personagens favoritos de todo o universo de Jornada? (Eu não sou trekkie! Eu não sou trekkie!).
Mal tinha Generations saído dos cinemas, diz a lenda que Shatner ofereceu à Paramount e a Rick Berman o tal roteiro no qual Kirk retornava a vida, mas Berman e sua chefe Sheri Lansing, duas pessoas que já mostraram publicamente no passado não gostar da Serie Clássica, rejeitaram a idéia do pobre Bill em favor do roteiro de Jornada nas Estrelas – Primeiro Contato, onde Picard (e somente ele) ia de encontro aos Borgs. Uma pena, já que se a Paramount tivesse seguido as idéias de Shatner, teríamos filmes muito melhores do que os produzidos por Berman e sua trupe, evitando horrores como Insurreição e Nêmesis, aberrações que simplesmente mataram a franquia de Jornada nos cinemas.
Como eu já cansei de falar por aqui, eu gosto de Bill Shatner, o homem que transformou a canastrice em uma forma de arte. Sempre o considerei bom, um ator expressivo (bem antes dessa boa fase de premiações por qual ele esta passando), e uma das mentes criativas responsáveis por grande parte do sucesso e charme da Série Clássica. Então, quando ouvi falar de seus livros, é claro, fui dar uma conferida e gastar mais uns trocados em produtos merchandise de Jornada, uma das coisas que todo trekkie padece (mas, ei, eu não sou trekkie). Que fique claro aqui que ao comentar sobre esses livros, não estou interessado em fazer reviews detalhados ou mesmo acurados, já que li a maioria dos livros há cerca de 5 a 10 anos[2], e por mais interessante que sejam, não estou a fim de relê-los. Também estou revelando um ou outro spoiler neste artigo, por isso se você pretende gastar dinheiro comprando essas obras primas, não continue lendo. E fique sabendo que eu não levo as coisas muito a sério. Mas isso você já sabia, não é mesmo?
Okay, você ainda está ai? Então, aqui está uma breve lista da saga do retorno do capitão Kirk, trazido a nós por ninguém menos que Tio Bill Shatner e seus prestigiados colaboradores.
Star Trek – The Ashes of Eden (1995)
Uma espécie de prequel para toda a saga, “Ashes of Eden” revela como foi a última aventura de Kirk a bordo da Enterprise-A no século 23, antes de seu desaparecimento no Nexus. Isso mesmo, se você achava que Jornada nas Estrelas VI – A Terra Desconhecida era a missão derradeira de Kirk e sua turma, pense de novo. E não me venha dizer que livros não são canônicos, já que considero o “Shatnerverse” mais cânon que baboseiras como Enterprise e Voyager!
O livro começa logo após os eventos de Generations, com o embaixador Spock visitando os restos mortais de Kirk no topo da montanha em Veridian III. Lá, Spock se lembra da última aventura que viveu ao lado de Kirk no século 23, quando Kirk, apaixonado por uma híbrida romulana/klingon chamada Teilani, tomou comando de uma descomissionada Enterprise-A por uma última vez, e se rebelou contra a própria Federação e seu maior inimigo, o novo comandante-em-chefe da Frota, o traiçoeiro almirante Androvar Drake. Entrando em combate contra o capitão Sulu e a USS Excelsior, Kirk arrisca tudo para salvar o planeta Chal. Na melhor cena (opa, eu disse cena?) Kirk sacrifica a Enterprise-A, destruindo a nave dentro de uma estrela, após uma batalha espacial digna de nota.
No epílogo do livro, de volta ao presente, o embaixador Spock vê os restos mortais de Kirk serem transportados para uma nave romulana na noite de Veridian III. O livro fez tanto sucesso que foi adaptado como graphic-novel de quadrinhos pela DC Comics, com arte sensacional de Steve Erwin. Pronto, estava aberto o caminho para a saga do retorno do capitão Kirk.
Star Trek – The Return (1996)
(“Jornada nas Estrelas – O Retorno do Capitão Kirk” no Brasil, pela Editora 67, em 1998)
O único livro do “Shatnerverse” lançado no Brasil, e em uma edição caprichada. Logo após os eventos do filme Generations, uma aliança Borg-Romulana ressuscita Kirk para usá-lo como peão na destruição de Picard e de toda a Federação. Mas Kirk é reunido com seus velhos amigos, o embaixador Spock e o almirante Leonard “Bones” McCoy, e consegue se livrar do domínio das nano-sondas Borg.
Junto com o capitão Picard e sua tripulação, o trio clássico parte para o mundo dos Borgs a bordo de uma nave estelar classe Defiant chamada… Enterprise. O primeiro livro da saga de Kirk no século 24, este livro teria sido desenvolvido pelos escritores a partir do tal roteiro criado por Shatner para Jornada 8. E que filme daria – passagens como o quebra-pau entre Kirk e Picard e a revelação que V’Ger era na verdade uma entidade Borg são de tirar o fôlego. No final do livro, a Federação é salva, mas Kirk morre na destruição do mundo Borg. Será?
Star Trek – Avenger (1997)
Um vírus letal que mata a comida e destrói a ecologia ameaça a população da Federação. James Kirk volta de novo dos mortos e reunido mais uma vez com seu melhor amigo, o embaixador Spock, tem que descobrir o segredo por trás de uma facção de vulcanos conhecidos como Symmetrists – e isso revela vários segredos escondidos, como a verdadeiro razão da morte do pai de Spock, o embaixador Sarek.
O escândalo é tamanho que a própria Frota Estelar fica contra Kirk, incluindo o capitão Picard e sua novíssima nave estelar, a Enterprise-E. Quem vai vencer a batalha ? Aprenda inglês (isso se você já não sabe…), leia o livro e descubra. Aliás, o livro fez tanto sucesso que diversos aspectos de como os vulcanos rebeldes são representados foram incorporados pelo casal escritor e roteirista Reeves-Stevens no seus episódios do 4º ano de Enterprise.
Star Trek – Spectre (1998)
O capitão Picard e a Enterprise-E estão explorando uma estranha região do quadrante quando encontram uma surpresa: a desaparecida USS Voyager, sob o comando do capitão Tom Paris. Começa então a trilogia do Universo do Espelho, o ponto alto da saga do “Shatnerverse”.
Os já aposentados Kirk e Spock são recrutados de novo pela Frota Estelar para impedir uma possível invasão do Universo do Espelho. Juntam-se à festa o almirante McCoy e o capitão Montgomery Scott. Com sua velha tripulação reunida, Kirk parte no que vai ser a missão de sua vida. No clímax do livro, Kirk, no comando da USS Voyager do Universo do Espelho, tem que enfrentar o Imperador Tiberius – o James Kirk do Universo do Espelho – e sua nave: a própria Enterprise-E de Picard!
Star Trek – Dark Victory (1999)
Kirk enfrenta Tiberius e consegue resgatar Picard e a tripulação da Enterprise-E, mas tem até suas mãos amputadas no processo (não se preocupe, ele ganha outras!). É revelada a presença do Projeto Sign, uma espécie de Seção 31 high-tech, do qual faz parte a misteriosa capitã Randisson e sua frota de naves estelares holográficas. Kirk casa com Teilani e descobre que ela está grávida, mas tem sua noiva seqüestrada por Tiberius. Tudo faz parte de um plano genial do Imperador, que deseja os segredos da Primeira Federação, aquela do primeiro contato de Kirk com o capitão Balok em “The Corbomite Maneuver”.
A saga do Universo do Espelho ruma para um desfecho dramático e revelador, algo quase impossível de se achar na Jornada de Rick Berman (ele de novo!).
Star Trek – Preserver (2000)
No que é possivelmente seu melhor livro, Shatner e os Reeves-Stevens não deixam pedra sobre pedra: do Guardião da Eternidade às naves da Primeira Federação, aos misteriosos Preservers, todo aspecto do universo de Jornada é virado e revirado, numa obra adulta e densa. Vale mencionar a batalha entre as duas Enterprise-E dentro de uma imensa doca espacial da Primeira Federação. Isso sim é Jornada, seja cânon ou não. No dramático clímax, Kirk, no comando da Enterprise-E, vê sua querida esposa Teilani se sacrificar por ele. Uma obra prima.
Star Trek – Captain’s Peril (2001)
Bom, nada é perfeito. E “Captain’s Peril”, o primeiro livro na “Trilogia da Totalidade”, é ruim que dói. Nada funciona no livro. Com o fim da Guerra Dominion, Kirk e Picard tiram férias no Planeta Bajor, apenas para se meter com um grupo de cientistas arqueólogos e misteriosos ataques. Kirk então conta para Picard a historia de uma de suas primeiras missões como capitão da Enterprise. Enquanto isso, a entidade conhecida como Paz da Totalidade entra em nossa galáxia e de quebra destrói a U.S.S Monitor. É, não se sabe onde Shatner e seus co-autores estavam quando escreveram essa droga. Será que Brannon Braga foi co-autor de Shatner aqui? Esqueça este livro. Eu já esqueci.
Star Trek – Captain’s Blood (2003)
Uma sequência aos eventos de Nêmesis (cruzes, será que o Shatner gostou daquela coisa?). Kirk e seu filho híbrido, sob ordens da almirante Janeway, são obrigados a viajar para o planeta Romulus a fim de investigar a morte do embaixador Spock. Kirk recebe da Almirante sua própria nave, o velho cargueiro S.S Calypso, e junto com Picard e sua tripulação (a Enterprise-E ainda se encontra em reparos na doca espacial), e o capitão Riker na USS Titan, vão descobrir o que se passa no misterioso planeta, em crise após os eventos de Nêmesis. Enquanto isso, a Totalidade aumenta seu domínio sobre a Federação.
O final da saga e nono livro, chamado de “Star Trek – Captain’s Glory”, chega às lojas norte-americanas em abril de 2006. O livro demorou pois Shatner estava ocupado com sua nova série, “Boston Legal”, e os Reeves-Stevens foram contratados para fazer parte do time de roteiristas do quarto ano de Enterprise (ainda inédito no Brasil. É mole?). Em “Captain’s Glory”, é um ano após os eventos de Nêmesis e a Federação enfrenta uma ameaça interna. Para salvá-la, Kirk se une por uma última vez aos seus antigos amigos, Spock e McCoy, e com a ajuda de Picard e da almirante Janeway, parte para enfrentar a entidade chamada de Totalidade. Mas como enfrentar algo cuja maior arma é o amor? A saga do retorno de Kirk no século 24 chega ao seu estrondoso final. Eu mal posso esperar para saber como tudo acaba. (Eu não sou trekkie!).
Mais coisa vem por ai. Shatner esta prometendo para 2007[2] uma nova trilogia com o nome de “The Academy”. Passada na Academia da Frota Estelar, os livros seguirão as aventuras dos cadetes Kirk, Spock e McCoy enquanto eles ainda era adolescentes. Resta saber se isso fará sucesso, mas conhecendo Shatner e seus parceiros, a diversão é garantida. Bom, se deu certo com “Smallville”…
Resta a dúvida se Shatner escreveu mesmo todos os livros, ou se são apenas os Reeves-Stevens que produzem as obras e Shatner apenas assinou seu nome. Isso já foi muito debatido por fãs do mundo inteiro e é bom deixar claro: é de Shatner a idéia inicial de cada livro. A partir daí, os Reeves-Stevens entram no páreo e desenvolvem a idéia do Sr. Bill. Assim sendo, o produto final é uma mescla das idéias de Shatner e o texto da dupla de escritores. Os Reeves-Stevens são colaboradores, e não ghost-writes, como se diz por ai. E para quem diz que Shatner nem chega a ler seus próprios livros, isso é mentira: estão disponíveis no mercado americano oito audio-books em que Shatner lê seus livros com a mesma paixão que interpretou Kirk, divertidíssimo! E nos últimos anos, Shatner tem sido muito mais gentil em dar crédito aos seus co-autores, algo que não acontecia muito no passado. Sem dúvida, isso é fruto de uma ótima fase profissional que o grande Bill Shatner vem passando. Viva ele!
Jornada morreu? Não enquanto produtos, quer dizer, obras criativas como o “Shatnerverse” pintarem por ai. Se obras literárias como “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis” rendem filmes milionários, por que não aproveitar o filão da boa literatura derivada de Jornada?
Enquanto isso, na Paramount Pictures…
Notas adicionais de republicação:
[1] Na época do artigo, Rick Berman e Brennon Braga estavam à frente da franquia.
[2] Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 05 de novembro de 2005.