Coluna do Alf: “É Perigoso Sonhar”


Lidar com assuntos que envolvem os mistérios da mente humana sempre foi um tema espinhoso para os realizadores de filmes e séries de ficção científica, pois é um tema que, volta e meia, acaba caindo no sensacionalismo barato ou em histórias sem nexo algum envolvendo temas sobre o “sobrenatural”. Pois a série “Medium”, criada por Glen Gordon Caron, consegue driblar muito bem esse problema, tratando o assunto de forma tão sensata que acabamos perdoando um ou outro exagero que,como qualquer série de TV, “Médium” acaba cometendo.

Mas, por incrível que pareça, este NÃO É o único grande feito de “Medium”. A série consegue estabelecer uma empatia com o público porque, simplesmente, seus personagens PARECEM plausíveis. Explicando melhor, ao mostrar a vida e as experiências de Allison Dubois (Patrícia Arquette), que possui a habilidade de se comunicar com os mortos e ter sonhos que envolvem, diretamente ou não, acontecimentos pretéritos ou que ainda ocorrerão, a série parte do princípio que, apesar de suas habilidades mediúnicas, Allison é uma pessoa normalíssima, como eu e você, que tem três filhas para criar, é casada com um sujeito boa gente que tem uma paciência maior que o Oceano Atlântico e dirige um carro que parece ter saído da fábrica quando Ronald Reagan ainda era presidente dos EUA. Com esse jeitão “classe média americana”, Allison e sua família vivem numa casa catita em Phoenix, Arizona, e nossa heroína, com cara de gente como a gente, trabalha como assistente de um promotor público local, ajudando-o a resolver crimes se valendo de seu “dom”.

Se você achou o relato absurdo então prepare-se: Allison Dubois realmente existe e…sim…ela alega ter poderes psíquicos semelhantes aos mostrados na série que, diga-se, foi baseada em um livro da própria Dubois,“Don’t Kiss Them Goodbye”, onde ela relata suas experiências ajudando a polícia americana a resolver vários casos com seus poderes paranormais.

A própria Dubois, que é consultora de “Medium”, adianta que a série não é uma auto biografia. Mas muitos casos mostrados nos episódios da série foram reais, segundo ela. Naturalmente uma pessoa como Dubois não deixaria de provocar polêmica.Ela afirma que seus poderes paranormais afloraram quando ela tinha seis anos de idade mas, por uma dessas ironias estranhas, sempre evitou usar o termo “medium”, por causa da conotação pejorativa que sempre teve.

“Medium” estreou na TV americana em 3 de Janeiro de 2005, pela NBC, tendo Patrícia Arquette como protagonista. Caron havia escolhido Arquette para viver Allison Dubois por sugestão de sua namorada. Arquette, por sua vez, se interessou pelo projeto e conheceu pessoalmente Dubois. Segundo a própria Arquette, nesse primeiro encontro, Dubois lhe disse que a série faria sucesso e que ela (Arquette) ganharia um prêmio. Naquele mesmo ano Arquette ganhou um Emmy por sua atuação em “Medium”, além de ter sido indicada ao Golden Globe e ao Screen Actors Guild Awards, em 2006 e 2007, respectivamente. OK…podemos dizer que Dubois chutou a bola e ela entrou na rede porque simpatizou com a moça…(risos)…

Numa primeira olhada, alguém pode achar que “Medium” tem a intenção de, basicamente, agradar o público feminino, que é meio arisco em relação a séries que supostamente sejam identificadas com ficção científica. Por mostrar uma mulher que, apesar do dom que possui, procura levar uma vida que pareça a mais normal possível, a série poderia facilmente cair no ramerrão das séries que tentam abordar “a mulher moderna atual”. Mas não é isso que ocorre.E o dom de Allison não é retratado como uma intervenção sobrenatural. Em um episódio da série é mostrado que os poderes paranormais de Allison e das mulheres de sua família possivelmente tenham origem puramente neurológica. Isso ajuda a dar um tom mais crível para a série, afastando-a de tantos clichês que amontoam outros filmes e séries com esse mesmo tema.

Outro ponto importante em “Médium” é a família de Allison…e é justamente no relacionamento familiar dos Dubois que a série procura se alicerçar, mostrando como Allison, seu marido Joe e suas três filhas lidam com as situações que os poderes de Allison trazem para dentro de seu lar. Para começo de conversa, Joe Dubois merece o prêmio de marido com uma paciência de Cristo por ter uma mulher que o acorda quase todas as noites com os sonhos mais mirabolantes, sai no meio da madrugada para devolver um boneco de um garoto que esconde um segredo mortal ou para ir atrás de um serial killer que aparece em um de seus sonhos. Falando assim, parece um inferno…e de fato poderia ser. Mas o elo entre Allison e Joe tem tanta força que os dois tocam a vida enfrentando as situações que surgem uma de cada vez, numa espécie de “Mulder e Scully que poderia ser real”, dando à série um charme diferente. Provavelmente nenhuma série de TV atual tem tantas cenas mostrando um casal na cama tendo tanta dificuldade para ter uma noite “normal”…digamos assim.

Para Joe, um matemático e um racionalista de carteirinha assinada, a paranormalidade de Allison é uma constante negação de seu racionalismo. Porém, ele lida com isso com o maior fair play ou, para não parecer exagero, Joe é um sujeito de uma compreensão inacreditável, mesmo quando a paranormalidade de Allison parece que vai finalmente deixa-lo doido, como aliás, aparentemente já está acontecendo a julgar pelos episódios finais da terceira temporada da série.

As três filhas do casal Dubois também são bem aproveitadas na série. A adolescente e emotiva (como a mãe) Ariel, a observadora Bridget e a fofinha Marie, não são meros personagens de apoio, como muitas vezes acontece com crianças em séries de TV. Quando Ariel e Bridget também apresentam possuírem dons paranormais, a solidão que Joe muitas vezes aparenta sentir parece aumentar, ao saber que sua família, por mais que ele e Allison tentem, jamais poderá ser encarada de maneira absolutamente normal.

Com essas características “Medium” difere até mesmo de séries que aparentemente possuem uma estrutura dramática parecida como “The 4400”, por exemplo, pois para a série o importante é COMO os Dubois lidam com as situações que a paranormalidade de Allison traz para as suas vidas…e não a paranormalidade em si. Nem por isso “Médium” deixa de ser uma série de FC no significado exato do termo, pois é na FC que podemos lidar com aquilo que nos parece estranho sem rotulá-lo de “sobrenatural” pois, para qualquer fã de ficção científica, “sobrenatural” nada mais é que aquilo que é natural que ainda não conhecemos.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB