Acho que já não há muita dúvida, mesmo entre os fãs mais otimistas, que uma crise sem precedentes se abateu sobre Jornada nas Estrelas nos últimos anos e que, em 2005, tal crise parece ter tomado um aspecto ainda mais tenebroso para a franquia de ficção científica mais famosa de todos os tempos.
Os responsáveis por Jornada e seus fãs mundo afora talvez precisem encarar uma realidade que começou a tomar forma cerca de uma década atrás: a ficção científica produzida pela TV atual talvez não precise mais de Jornada nas Estrelas, apesar de dever muito à criação de Gene Roddenberry.
A produção de seriados mudou radicalmente na TV americana dos anos 90 para cá. As produções ficaram cada vez mais elaboradas, e o surgimento de uma quantidade imensa de canais pagos acabou revigorando uma indústria que passou quase toda a década de 80 em relativa crise. No caso específico da ficção científica, estas transformações foram especialmente importantes. Sem elas hoje não existiria um canal exclusivo para o gênero como o SCI-FI Channel, um dos mais bem sucedidos canais pagos em atividade nos EUA. Em outras palavras, a FC televisiva vai muito bem, obrigado… mas Jornada nas Estrelas vai de mal a pior. O que aconteceu?
Alguns críticos gostam de afirmar que o problema de Jornada é que a franquia funcionou durante muito tempo em um mundo a parte, e que seus fãs tinham um comportamento isolacionista no que diz respeito ao restante do rico universo da FC. Isso é verdade apenas parcialmente, já que muitos fãs de FC passaram a se interessar pelo gênero graças, em boa parte, à Jornada nas Estrelas.
O problema talvez seja que, no que diz respeito a produção de séries de TV, Jornada nas Estrelas não conseguiu fazer um feito que, nos anos 90, “Arquivo X” conseguiu realizar: atrair o público que nunca teve um interesse específico por séries de ficção científica. Justamente por sua ambientação mais próxima do que o público não aficcionado por FC estava acostumado a ver em séries de TV, “Arquivo X” conseguiu construir um novo público para o gênero que, aos poucos, foi se acostumando com as características mais gerais da FC. Essa façanha de “Arquivo X” ajudou a criar o terreno apropriado para séries hoje muito bem sucedidas como “Stargate SG1”.
Seria injusto dizer que Jornada nas Estrelas está totalmente alheia às mudanças pelas quais a FC televisiva vem passando. A série Enterprise foi uma clara tentativa de provar que a franquia ainda podia render muito… mas cometeu um erro básico: tentou fazer isso como se estivesse querendo deixar de lado seu passado glorioso, como se ele fosse um estorvo. O resultado dessa atitude estranhamente auto-destrutiva de seus realizadores fez de Enterprise uma série sem rumo, que não conseguia dialogar com o público já tradicional de Jornada nas Estrelas. E sua proposta, ao menos inicial, de contar o passado da Federação e da Frota Estelar, não tinha como interessar àquele público das séries mais recentes de FC que não teve um contato maior com Jornada nas Estrelas e, muitas vezes, nem sequer conhecia a Série Clássica dos anos 60.
Como já foi dito anteriormente, a FC deve muito à Jornada nas Estrelas e isso é indiscutível. Mas, como a realidade está mostrando, a FC feita para a TV já não depende mais de um fenômeno de massa para garantir seu espaço. “Arquivo X” também já acabou há alguns anos e a FC televisiva continua de vento em popa mesmo com a ascensão de franquias de séries policiais como “Lei & Ordem” e “CSI”.
Para este colunista em particular, que vê na televisão uma arma importante para a disseminação da ficção científica e seu desenvolvimento, o possível desaparecimento definitivo de Jornada nas Estrelas da telinha seria como perder um grande aliado nessa crença. Se assim for, só resta lamentar a queda de um valente companheiro no campo de batalha… e continuar lutando a boa luta até a vitória final!
Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB