Coluna do Alf: “Ficção científica nas profundezas”

 

De todas as tendências e subgêneros que a FC gerou ao longo de sua história, talvez a FC marinha tenha sido a menos aproveitada. Isso é surpreendente pois é da FC marinha um dos primeiros clássicos do gênero, “20.000 Léguas Submarinas”, livro de Julio Verne escrito no século XIX que se tornou um marco, pois foi nele que foi mostrado o primeiro submarino imaginado pela ficção científica, o Nautilus, comandado pelo capitão Nemo.

Este livro de Verne acabou sendo uma espécie de paradigma para a FC marinha de um modo geral mas, até os anos 50 do século XX, ganhou versões pífias para o cinema até que a Disney resolveu levar essa obra de Verne às telas. Depois deste filme, que fez sucesso, a história do capitão Nemo e seu submarino Nautilus voltou a cair na obscuridade até recentemente, quando o SCI FI Channel reviveu “20.000 Léguas Submarinas” em uma mini série que já foi exibida no Brasil e está disponível em DVD. Apesar desse pouco aproveitamento do livro famoso de Verne, foi “20.000 Léguas Submarinas” que, nos últimos 45 anos, pelo menos, serviu de base para muitas produções do cinema e da TV envolvendo FC marinha. Esta coluna abordará mais detalhadamente no futuro as principais séries de FC marinha dando a cada uma a atenção que merece. Mas agora trataremos da FC marinha produzida pela TV americana em seus aspectos mais gerais.

Apesar de algumas tentativas obscuras nos anos 50, a TV americana só foi investir na FC marinha com mais ênfase quando, em 1964, Irwin Allen, não por acaso um fã ardoroso da obra de Verne, resolveu produzir a série “Viagem ao Fundo do Mar”, baseada no seu longa metragem homônimo para o cinema, feito em 1961.

Allen queria fazer uma série que fosse uma espécie de versão modernizada da obra de Verne e, para tanto, acrescentou a sua série alguns ingredientes como tramas de espionagem à lá James Bond, que se alternavam com roteiros de FC. “Viagem ao Fundo do Mar” foi a série de FC marinha mais bem sucedida na TV americana até hoje, com 110 episódios e três temporadas no ar entre 1964 e 1968, sempre com boa audiência. Pode-se dizer que o êxito da série se devia ao bom nível de seu elenco e as idéias criativas de seus roteiristas, que driblavam como ninguém as limitações de orçamento, principalmente a partir do terceiro ano.

Mas é preciso reconhecer que “Viagem ao Fundo do Mar” era uma série “solitária”, isto é, não havia nenhuma outra produção em andamento na TV americana de sua época dentro de seu estilo. O fato é que a corrida espacial dos anos 60 chamava muito mais a atenção do público do que a exploração dos mares e, apesar do sucesso que teve, “Viagem ao Fundo do Mar” não conseguiu consolidar um espaço para a FC marinha na TV americana.

Mesmo com esse descaso das emissoras, Allen tentou investir no gênero novamente com o telefilme “Cidade Sob o Mar”, produzido em 1970, contando com um elenco cheio de caras conhecidas de várias séries de TV famosas dos anos 60, inclusive com o próprio Richard Basehart (o almirante Nelson de “Viagem ao Fundo do Mar”). O filme, obviamente, era um piloto para uma possível série de TV que Allen pensava em produzir. A história era muito boa, contando as aventuras dos habitantes da cidade submarina Pacífica no ano 2050.

Neste filme, apesar de ter aproveitado alguns cenários e equipamentos de suas quatro séries anteriores, Allen demonstrou um cuidado maior com a cenografia e outros aspectos gerais da produção de “Cidade Sob O Mar”. Mas, apesar de todo o seu empenho, Allen não conseguiu convencer a Fox a investir em uma nova série televisiva criada por ele. Mesmo com o projeto da nova série abortado, “Cidade Sob O Mar” fez certo sucesso e chegou até mesmo a ser exibido nos cinemas, virando uma espécie de “cult” entre os apreciadores desse tipo de FC, fazendo com que o filme durante muito tempo fosse exibido com certa freqüência na TV dos anos 70, tanto nos EUA quanto no Brasil.

Ainda nos 70, a Marvel Comics e a TV NBC pensaram em se unir para produzirem o que seria uma série sobre Namor, O Príncipe Submarino, um dos personagens clássicos da Marvel. A idéia era aproveitar o sucesso da série com a Mulher Maravilha, personagem da maior rival da Marvel, a DC Comics. Mas o pessoal da NBC deu para trás pois não queria criar caso outra vez com Gene Roddenberry, que, durante a produção de “Jornada nas Estrelas”, teve uma desavença com a Marvel pois esta dizia que o personagem Spock era incrivelmente parecido com Namor. Por causa das lembranças dessa briga, a Marvel acabou se afastando do projeto e a NBC decidiu continuar com a idéia, mas fazendo várias modificações. Para tanto resolveu chamar Herbert F. Sollow, que havia colaborado com Roddenberry em “Jornada nas Estrelas”, para tentar tornar a nova série possível. Nascia assim “Man From Atlantis” (no Brasil, “O Homem do Fundo do Mar”) contando a história de um homem encontrado quase morto em uma praia e, levado para um hospital, é examinado pela doutora Elizabeth Merril ( Belinda Montgomery) que descobre, surpresa, se tratar de um humano com habilidades anfíbias.

Como o homem era incapaz de se lembrar quem era e de onde veio, Merril, então, batiza seu novo amigo com o nome Mark Harris e juntos passam a trabalhar para um centro de pesquisas marinhas resolvendo mistérios ligados ao mar.

“O Homem do Fundo do Mar” não fez sucesso e teve apenas 17 episódios produzidos. Mas, apesar disso, a série chegou a ter um inesperado êxito fora dos EUA, sendo até um dos primeiros seriados americanos exibidos na China. Quando foi exibida no Brasil chegou até mesmo a ter uma versão em HQ e um álbum de figurinhas. A série foi exibida por aqui na Globo e na extinta TV Manchete. Existem boatos que “O Homem do Fundo do Mar” poderá ganhar uma versão para a telona em um futuro próximo, inclusive contando com Patrick Duffy, que interpretou Mark Harris.

Com o desempenho medíocre de “O Homem do Fundo do Mar”, a FC marinha só ganharia uma nova chance na TV por volta de 1993, quando Steven Spielberg, motivado pelo êxito de “Amazing Stories”, produziu mais uma série para a TV, “Seaquest”. Esta série, de certa maneira, procurava seguir a fórmula original de “Viagem ao Fundo do Mar”, contando as aventuras da tripulação de um submarino, o Seaquest, comandado pelo capitão Nathan Bridger (Roy Scheider). A diferença é que, agora, a Guerra Fria não existia mais, e “Seaquest” procurava realçar seus elementos high tech com histórias que deixavam inequívoca sua preferência pela FC, sem maiores aberturas para conspirações políticas. O personagem de Scheider tinha características mais rebeldes, que o aproximavam mais do Nemo de Verne, mas sem radicalismos extremos.

“Seaquest” era uma série que, apesar de possuir várias virtudes, acabou dividindo opiniões. Alguns acusavam a série de ser uma tentativa forçada de modernizar a idéia de Irwin Allen, mostrando um submarino ultra moderno do futuro que, entre outras coisas, contava com tripulantes mulheres!!!! Por causa disso, algumas críticas apontavam o perigo de “Seaquest” virar uma soap opera no fundo do mar. Esses comentários um tanto jocosos não impediram a série de ter , ao longo de suas três temporadas, muitas boas histórias. Mesmo assim, a fragilidade de alguns personagens e a insatisfação com a audiência apenas razoável da série, acabou produzindo baixas no elenco. Scheider pulou fora na terceira temporada e foi substituído por Michael Ironside, um ator bastante conhecido pelos fãs de FC por sua atuação em vários filmes do gênero. Ironside, com seu personagem, deu um aspecto mais militarista para a série, o que acabou desagradando vários fãs.

A verdade é que a série nunca conseguiu realmente ser um grande sucesso e seus produtores optaram pelo cancelamento da série, fazendo de “Seaquest” a última tentativa da FC marinha realmente se consolidar na TV até o surgimento do SCI FI Channel, que produziu a já citada mini série de “20.000 Léguas Subamarinas”.

Mais recentemente, está sendo anunciada a nova série “Surface” , sob os cuidados dos irmãos Josh e Jonas Pate, que pretende mostrar um grupo de pesquisas oceânicas da marinha americana empenhada em investigar misteriosas formas de vida encontradas no fundo do mar. Os Pate participam da equipe criativa do remake de Galactica e a NBC topou o projeto. A série se chamava originalmente “Fathom”, mas mudou o nome para “Surface” para evitar confusões com a HQ homônima de Micheal Turnner que, aliás, parece que vai ganhar também uma versão live action.

Se “Surface” fizer sucesso quem sabe dessa vez a FC marinha seja mais valorizada e tantas idéias envolvendo esse gênero de FC ganhe vida nas telonas e telinhas do mundo inteiro.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB