Coluna do Alf: “40 anos de Perdidos no Espaço”

 

O produtor de cinema e TV Irwin Allen nunca foi um sujeito modesto. Suas idéias, muitas vezes um tanto extravagantes, geralmente giravam em torno de sua obsessão por autores clássicos da ficção-científica como Júlio Verne e o apego que tinha pelas “produções B” do cinema. Foi com esse espírito um tanto rebelde que Allen conquistou o mundo da TV com a série “Viagem ao Fundo do Mar”, em 1964, e que lhe abriu as portas para colocar em prática seus projetos.

Certo dia, em 1964, Allen entrou na sede da TV CBS com uma idéia embaixo do braço que já vinha elaborando antes mesmo de “Viagem ao Fundo do Mar”. Na verdade, sua intenção original era levar para a TV o livro The Swiss Family Robinson, de Louis Stevenson. Mas a idéia foi, aos poucos, se direcionando para a ficção científica. Allen, então, imaginou uma família de aventureiros no espaço. Numa primeira vista, os executivos da CBS não gostaram muito, mas aprovaram a idéia de um filme piloto que custasse o mais barato possível, e ver no que dava. Allen, é claro, conseguiu seu intento graças ao sucesso de “Viagem ao Fundo do Mar”.

Essa reunião de Allen com o pessoal da CBS, que daria origem a “Perdidos No Espaço”, até hoje está cercada de histórias não muito bem explicadas. Segundo dizem, entre os participantes da tal reunião, havia um roteirista um tanto obscuro que também tentava a sorte com suas idéias. O nome desse indivíduo? Gene Roddenberry! Outro boato é que o piloto que Allen filmaria seria um projeto bancado pela Disney, mas a produtora nunca confirmou tal vínculo

Allen saiu da reunião satisfeito. Ele já tinha a idéia básica do piloto bem desenvolvida e já estava acostumado a trabalhar com orçamentos apertados. A CBS tratou de se associar a Fox para a produção do filme, mas Allen também contou com o apoio financeiro dos comediantes Groucho Marx e Red Skelton (este último com o pseudônimo Van Bernard). Em seguida, sempre com aquele seu ímpeto que era sua marca registrada, Allen tratou de chamar gente cujo trabalho ele conhecia bem, como o cinegrafista Winton Roch, o figurinista Paul Zastupnevich, que também era amigo pessoal de Allen e um de sua mais constantes colaboradores, e a equipe de efeitos especiais da Fox, capitaneada por L.B. Abbott. Allen entregou a versão definitiva do roteiro do filme ao escritor Shimon Wincelberg.

Allen queria fazer o filme em cores, mas a Fox não topou arcar com os custos e o filme piloto, com o título “Family Robinson Space”, foi rodado em preto e branco. Mas, antes mesmo de ter um elenco definido e das filmagens começarem, Allen topou com uma dor de cabeça inesperada. A editora de HQs Gold Key afirmava que o projeto de Allen era muito parecido com uma de suas revistas, “Os Robinsosn do Espaço” (essa HQ chegou a ser publicada no Brasil nos anos 60). Quase ao mesmo tempo o escritor Ib Melchior também acusava Allen de plágio, alegando que tinha uma história mais ou menos nos mesmos moldes registrada no Writters Guide OF America West, em fevereiro de 1964. Melchior declarou que várias emissoras de TV, inclusive a CBS, receberam uma sinopse de sua história. Ele chegou ao requinte de listar cerca de 40 itens de sua obra que considerava terem sido plagiados por Allen. A CBS negou ter recebido qualquer sinopse assinada por Melchior.

Allen registrou sua “Famíla Robinson no Espaço” em agosto de 1964 na Motion Picture Association of America. Essa confusão só foi terminar quando “Perdidos No Espaço” já estava no ar com sua primeira temporada. O processo que Melchior havia movido contra Allen e a CBS fora arquivado e Allen, antes mesmo da estréia, alterou o nome de seu filme piloto para “Lost In Space”, mantendo basicamente o mesmo roteiro.

Para escalar o elenco do filme Allen decidiu ser mais precavido e procurou por atores já com certa fama. Para interpretar o patriarca dos Robinsons,professor John Robinson, ele escolheu ninguém menos que Guy Williams, famoso por sua atuação na série “Zorro”, dos estúdios Disney. Williams inicialmente não se interessou muito pelo projeto, mas aceitou pois o set de filmagens ficava perto de sua casa e ele estava interessado em fazer algo que o desligasse um pouco da imagem do Zorro.

Já para o papel de Maureen Robinson, Allen chamou June Lockhart, conhecida por sua atuação em “Lassie”. Os filhos do casal seriam vividos pelos então desconhecidos Bill Mumy, Angela Cartwright e Marta Kristen, ou seja, Will, Penny e Judy Robinson, respectivamente.

E, fechando o elenco, o ator Mark Goddard, que tinha feito séries pouco conhecidas como “Johnny Ringo” e “Os Detetives” quando foi escolhido por Allen para viver o major Don West. O personagem Dr. Smith e o robô só surgiriam na série propriamente dita.

“No Place To Hide” foi o título definitivo dado ao filme piloto e sua produção levou cerca de 20 dias e em dezembro de 1964 foi exibido para uma platéia VIP da CBS. A reação dos executivos da emissora foi positiva e “Lost In Space” recebeu sinal verde para sua primeira temporada que estrearia em 15 de setembro de 1965. Mas tanto a CBS quanto Allen achavam que faltava incluir um novo personagem que fosse uma espécie de vilão que os Robinsons enfrentariam constantemente. Nasceu assim o doutor Zachary Smith, que seria vivido pelo ator Jonantan Harris. Além disso, a série também ganharia outro personagem que se tornaria, junto com Smith e Will Robinson, um dos elementos principais para o sucesso de “Perdfidos No Espaço”: um robô, com um aspecto “antiquado futurístico”.

Para vestir a fantasia do robô, foi chamado o ator e dublê Bob May. Porém, a voz do robô não era a de May mas sim do locutor de rádio e TV Dick Tufed.

Podemos dizer que “Perdidos No Espaço” se divide em dois tempos: a primeira temporada, em preto e branco, era uma série de ficção científica mais ou menos sóbria, onde Smith, então um vilão involuntariamente preso na nave Jupiter II junto com a família Robinson, tinha uma personalidade mais sinistra. Já nas duas outras temporadas, em cores, Smith assume um comportamento mais cômico, bem como a própria série, e é esta faceta de “Perdidos No Espaço” que geralmente é a mais lembrada pelo público.

Há quem ache que essa virada para o humor “camp” da série se deu por imposições da CBS, mas não é bem assim. Na verdade, mesmo na fase em preto e branco certos traços da personalidade de Smith já indicavam esse caminho, que Allen aprovou e estimulou Harris a dar prosseguimento no desenvolvimento de Smith nessa direção. Quem não gostou muito desse rumo que a série tomava foi o restante do elenco. Esse descontentamento se agravou a medida em que as histórias passaram a girar com maior frequência em torno de Smith, Will e o robô. Apesar disso não ter causado brigas maiores entre o elenco e a produção da série, Allen decidiu que cada personagem da série teria um episódio em que seria o foco principal, o que realmente aconteceu. Mas os episódios ao estilo “Smith-Will-robô” se tornaram preponderantes.

Apesar de Allen conseguir acalmar o elenco, mesmo assim ocorreram alguns contratempos. Durante as filmagens do episódio “A Revolta Das Plantas”, Guy Williams e June Lockhart não paravam de caçoar do roteiro que consideravam um absurdo total, e passaram o tempo todo fazendo brincadeiras com a equipe de produção. Allen não gostou e dispensou os personagens de Williams e Lockhart durante dois episódios.

Depois de três temporadas de grande sucesso, os roteiristas da série já demonstravam um certo cansaço e deixavam claro para Allen que já não tinham mais muitas idéias para Smith… o personagem já estava a beira da saturação. Foi nessa época que a CBS enfrentava a concorrência de outra atração com muita influência “camp”, a série “Batman”, exibida pela ABC justamente no mesmo horário de “Perdidos No Espaço”. Muita gente alega que o sucesso de “Batman” foi a desculpa perfeita que a CBS encontrou para se livrar dos altos custos de “Perdidos No Espaço” que, na verdade, já vinha sofrendo constantes quedas nos índices de audiência antes mesmo do final de sua terceira temporada. Mas conta a lenda que um “big boss” da emissora, que odiava Allen e a série, decidiu cancelar “Perdidos No Espaço” com uma canetada. Essa versão para o cancelamento da série tem uma boa chance de ser verdadeira já que Allen, segundo amigos seus, ficou visivelmente perplexo com a decisão da CBS, pois já tinha planos para a quarta temporada.

Em 1973, a Hanna Barbera produziu um desenho de longa metragem de “Perdidos No Espaço” que fez certo sucesso. A idéia parecia tentar repetir a versão animada de Jornada Nas Estrelas porém, ao contrário dessa última, o desenho de “Perdidos No Espaço” não era uma versão fiel e só contava com Smith e o robô como personagens principais e a família Robinson tinha características que nada lembravam as da série.

Curioso é que, com a produção de Jornada nas Estrelas: O Filme, Allen foi muito pressionado para levar “Perdidos No Espaço” para o cinema, mas sempre recusou todas as propostas que recebeu nesse sentido, inclusive a de Billy Mumy, que chegou a elaborar um roteiro para um possível filme.

Porém, Allen morreu em 1991 e o tão aguardado filme de “Perdidos No Espaço” poderia ter alguma chance de se tornar realidade. Isso aconteceu já no final da década de 90, numa superprodução com William Hurt e Mimi Rogers, contando ainda com Gary Oldman como Dr. Smith. O filme fracassou miseravelmente por seu roteiro fraco e confuso e por não ter quase nada em comum com a série original criada por Allen.

“Perdidos No Espaço” foi um marco porque provou que era possível fazer ficção científica humorística na TV sem apelar para o formato dos sitcoms, como havia acontecido com “Meu Marciano Favorito”. Até então, fazer humor com ficção científica na televisão parecia ser algo um tanto fora de propósito. Mesmo que essa não tenha sido a intenção original de Allen, “Perdidos No Espaço” foi, talvez, a melhor sátira feita aos anos da corrida espacial. Aliás, a simpática espaçonave dos Robinsons, o Jupiter II, se chamava originalmente Gemini 12. Mas Allen achou melhor trocar o nome para Jupiter II, pois temia que a NASA achasse que o nome era alguma brincadeira com o verdadeiro projeto Gemini. Pelo jeito Allen achava que a NASA não tinha nenhum senso de humor.

Alfonso Moscato escreve com exclusividade para o TB