NY Times analisa momento atual de Jornada

Por William S. Kowinski
Em Los Angeles, para o The New York Times

Será que “Star Trek” (Jornada nas Estrelas) está morrendo? A sugestão é suficiente para fazer o Sr. Spock rir. “Isso é tão engraçado. ‘Star Trek’ já morreu várias vezes e voltou mais forte do que nunca”, disse Leonard Nimoy, que fez o papel de Spock, dirigiu dois filmes da série e produziu outro.

No final de semana, Nimoy uniu-se a outros do elenco original da série de televisão de “Star Trek”, em uma convenção de fãs organizada por Planet Xpo para homenagear James Doohan, que fez o papel de Scotty, engenheiro da Enterprise. Em sua última participação na convenção, Doohan, que recebeu uma estrela no Walk of Fame de Hollywood nesta terça-feira 31/08, está mostrando sinais do mal de Alzheimer, disse um porta-voz da família.

Assim, a equipe da Enterprise reuniu-se uma última vez no domingo, com a exceção de DeForest Kelley, que fez o papel do Dr. Leonard McCoy e morreu em 1999.

Existem razões para questionar a viabilidade de “Star Trek”. Apesar de os filmes terem arrecadado mais de US$ 1 bilhão (em torno de R$ 3 bilhões) para a Paramount. Os dois últimos tiveram problemas com a bilheteria. O lançamento mais recente, “Nêmesis”, não resistiu à concorrência de “Senhor dos Anéis” e de “Harry Potter”, no verão de 2002.

Desde que “Star Trek: A Nova Geração” foi indicado ao Emmy como melhor série dramática e foi um sucesso legítimo em 1994, as séries subseqüentes de “Star Trek” na televisão lentamente perderam pontos de audiência. Completando sua terceira temporada na última primavera, depois de um ano duro para o drama na televisão, a atual série, “Star Trek: Enterprise”, foi ameaçada de cancelamento pela UPN.

Como aconteceu com a série original, a mais recente foi salva por uma campanha de cartas dos fãs. Entretanto, seu horário na próxima temporada será de 20h de sexta-feira, começando a partir de outubro. Tanto o presidente da UPN, Daw Ostroff, e o presidente da Paramount television, Garry Hart, deram o exemplo do “Arquivo X”, uma série que tem o mesmo público alvo e encontrou seu horário ideal nas sextas-feiras. (Eles também estão contentes que “Enterprise” não vai mais competir com “American Idol”, reality show de maior sucesso da TV americana).

Por outro lado, a sexta-feira também significou o enterro de programas feitos para o público adulto jovem, inclusive a série original “Star Trek”, em 1969.

Até Nimoy vê razões para preocupação. Ele compara a atual situação com o período após o primeiro longa metragem de “Star Trek”, quando sentiu que o tema tornara-se “uma baleia encalhada”. Ele disse: “Acho que algo similar está acontecendo agora. ‘Star Trek’ está encalhado. As idéias que a estavam impulsionando secaram.”

Algumas pessoas sugerem que o problema é o cansaço do público. Alguns dizem que é exaustão criativa. Uma solução para ambos, dizem atores, escritores, produtores e diretores de encarnações anteriores da série, pode ser parar de fazer novas histórias por um tempo.

“Assim que acaba uma temporada, começa a seguinte”, disse Denise Crosby, atora de “Star Trek: A Próxima Geração” e produtora executiva do novo documentário “Trekkies 2”.

“Como se pode sustentar isso? O nível dos filmes de ficção científica aumentou muito. Não estou falando só sobre efeitos especiais, mas sobre roteiros interessantes e elaborados. Você precisa dar um tempo e pensar no que é pertinente neste momento”.

LeVar Burton, que dirigiu 27 episódios de quatro séries de “Star Trek” e estrelou “A Próxima Geração”, também defende uma pausa. “Star Trek não é mais especial”, disse ele. “Eles precisam fechar tudo, esperar cinco anos, gerar interesse, excitação, uma sede renovada pela série.”

A convenção é uma oportunidade de estudar o fenômeno de 40 anos, que produziu 10 filmes, centenas de horas em cinco séries de televisão e alguns dos fãs mais devotos da história do entretenimento.

A Paramount lançou “Trekkies 2” em DVD, nesta terça-feira, sobre os fãs da série, que atualmente estão divididos sobre seu destino. “Há um grande grupo que acha que é hora de fazer uma pausa”, disse Michael W. Malotte, presidente da Associação Internacional de Fãs de “Star Trek”, com 230 filiais em todo o mundo. “Há outro grupo que diz: ‘Gosto da série. Não concordo com muito do que estão fazendo, mas ainda gosto de assistir.'”

Os que torcem por mais episódios de “Star Trek” estão do lado de Manny Coto, novo co-produtor da atual série, “Enterprise”, que se passa no século anterior ao do capitão James T. Kirk, comandante original.

“Meu objetivo é aprofundar e expandir sua relação com o universo de ‘Star Trek’ para realizar seu potencial como verdadeira série antecessora”, disse Coto.

Essa relação ficará clara com a participação de Brent Spiner (que fez o papel de Data, em “A Nova Geração”) em uma história contada em três episódios, formato preferido da próxima temporada. Burton deve dirigir o terceiro dos três episódios. Participação similar de William Shatner, talvez até no papel do capitão Kirk, está sendo negociada.

Outro eixo de história vai se concentrar na guerra civil em Vulcano, planeta de Spock. Segundo Coto, esta será uma forma velada de examinar “a guerra no Iraque e a direção que o país está tomando”. O tema reflete o compromisso antigo de “Star Trek” de, como diz Burton, “comentar sobre a atual condição examinando-a em um contexto futuro”.

Talvez uma pausa seja criativamente útil, mas o que determinará o destino de “Star Trek” provavelmente será o cálculo comercial.

“Os filmes são tão caros que, aparentemente, a única coisa interessante para os estúdios é fazer produções em série”, disse Nicholas Meyer, que dirigiu “Star Trek 2: A Ira de Khan” e “Star Trek 6: A Terra Desconhecida”. “É preciso que haja alguma pré-venda, com outros filmes, histórias em quadrinho, jogos de vídeo, não importa. O que não quer dizer que não podem fazer bons filmes. Muitas coisas boas são feitas pelas razões erradas.”

Apesar de admitir que o desempenho de “Nêmesis” desapontou, Rick Berman, produtor do filme e da atual série de televisão “Enterprise”, observou que era o décimo filme da série. “E duvido que seja o último”, disse. “As discussões sobre o próximo filme estão em um estágio muito preliminar”, disse ele, acrescentando que a história sendo considerada “não envolve ninguém dos elencos anteriores.”

Hart, executivo da Paramount, duvida que haja mais do que uma ou duas temporadas de pausa depois da “Enterprise” antes da próxima encarnação.

“Star Trek foi a série de maior sucesso da história da televisão”, disse ele. “Não tenho dúvidas de que haverá muita demanda por mais ‘Star Trek’.”

Mesmo que “Star Trek” faça uma pausa ou seja interrompida, a maior parte das pessoas concorda que os clubes de fãs e convenções continuarão operantes. De alguma forma, os fãs tornaram-se auto-suficientes. Durante anos, eles criaram e disseminaram suas próprias histórias de “Star Trek”, primeiro em páginas mimeografadas, depois em sites de ficção na Internet. Agora, com a tecnologia digital cada vez mais acessível, estão criando seus próprios filmes.

“Não estão mais presos ao que a televisão fala. Podem criar sozinhos, que eu acho ótimo”, disse Eugene Roddenberry, 30, filho do criador de “Star Trek”, Gene Roddenberry, que recentemente concordou em ajudar a produzir um filme de ação dos fãs.

Eugene Roddenberry também está trabalhando em um documentário chamado “Trek Nation” (Nação Trek), que ressalta o impacto de “Star Trek” na cultura mundial e na vida de seus fãs. As organizações de fãs em geral fazem trabalhos voluntários e serviço social.

“Muitos fãs vivem de acordo com essa filosofia, como a Primeira Diretiva e o Idic”, disse Roger Nygard, diretor de “Trekkies 2”. A Primeira Diretiva diz que se deve evitar interferir com culturas menos avançadas. Os fãs interpretaram-na como um princípio de não interferência.

Idic são as iniciais de “diversidade infinita em combinações infinitas”, o lema vulcano adotado por fãs para resumir o compromisso de Star Trek com a diversidade e igualdade.

Durante o final de semana, os atores originais de “Star Trek” enfatizaram esses temas ao público, como fazem em geral.

“Como os fãs são leais ao sonho de Gene, somos leais aos fãs”, disse Nichelle Nichols, no domingo. Ela fez o papel da tenente Uhura, oficial de comunicações na série original.

A ligação é mútua. “Em uma sociedade com tanta violência e estupidez, as convenções são um oásis, onde se encontra algum bem genuíno nas pessoas que acreditam na humanidade e respeitam o direito dos outros”, disse Walter Koenig, que fez o papel de Pavel Chekov, o navegador da Enterprise na série original.

“Star Trek” é notável por ter criado uma contexto futuro elaborado. Junto com seus temas, histórias e personagens mais fortes, gerou uma mitologia moderna. “Seria difícil encontrar alguém que não saiba o que é um Klingon, ou que quer dizer ‘Beam me up, Scotty’ (‘Leve-me para cima, Scotty’)”, disse Berman. “É um fenômeno que vai continuar existindo. No longo prazo, provavelmente tem pouca importância se vai voltar depois de uma pausa ou não.”

A noite de sábado, na convenção, mostrou uma interseção de “Star Trek” com a vida real. O palestrante do banquete em homenagem a Doohan era Neil Armstrong, o primeiro ser humano a pisar na lua. Ao concluir uma palestra cheia de referências à “Star Trek”, inclusive um desejo de ter uma nave da Federação em seu próximo vôo, Armstrong falou a Doohan: “De um velho engenheiro para outro: obrigado, colega.”

Tradução: Deborah Weinberg

O TB agradece a Fábio Costa e Paulo César Wanderley pelo envio do artigo do NY Times!

Fonte: UOL