REVIEW: Trilha sonora de “Nemesis”

Pode-se saber a qualidade de um filme ainda não lançado analisando apenas sua trilha sonora? Se for possível, a equipe do Trek Brasilis acredita que Nemesis será um filme apenas mediano. Mas, como o dia 13 de dezembro ainda não chegou, e o tão esperado 14 de fevereiro, data de estréia do filme no Brasil, muito menos, o que temos até o presente momento são especulações.

Trazemos a seguir a análise da trilha sonora do décimo filme de Jornada para os cinemas, baseada no CD recém-lançado pela gravadora Varèse Sarabande nos Estados Unidos e escrita por Jorge Saldanha, editor do site Scoretrack.net e colaborador do Trek Brasilis. Boa leitura!

REVIEW: Trilha sonora de “Jornada nas Estrelas Nemesis”

Por Jorge Saldanha

Mesmo antes do lançamento desta partitura do veterano Goldsmith, começaram a “pipocar” na web comentários entusiasmados, muitos dos quais li com sensação de estranheza. Porque parece ser consenso geral de que a primeira metade da música ouvida no CD é definitivamente mediana, ao passo de que a segunda metade seria a melhor música de ação composta em anos pelo veterano maestro, nos moldes de “Executive Decision” e “U.S.Marshals”, filmes do mesmo diretor de Jornada nas Estrelas Nemesis. Ah, e também houve o release da gravadora, que não poupou elogios ao trabalho de Jerry, classificado como “o maior score de Goldsmith para Jornada nas Estrelas desde Jornada nas Estrelas – O Filme“, “a partitura mais agressiva de Jornada em todos os tempos”, “mais épica do que qualquer coisa que o lendário compositor já escrevera”, etc.

 

Somente algum tempo depois é que pude racionalizar a respeito, e concluir que muito ou quase tudo que se estava escrevendo a respeito estava imbuído de forte conteúdo emocional, oriundo da divulgação, há algum tempo, de que o compositor estava em tratamento quimioterápico devido a um câncer na próstata. É como alguém disse em um fórum da internet, temos de agradecer pelo “velho”, mesmo doente, ainda estar disposto a compor e reger a orquestra… Mas acredito que Goldsmith, independentemente de sua doença e de alguns fracos trabalhos recentes, não precisa de nossa pena, possuindo uma obra de conjunto admirável que certamente lhe valerá o reconhecimento, no futuro, como um dos maiores compositores de música de cinema que já viveram. Definitivamente ele não precisa da nossa condescendência, afinal continua trabalhando e mesmo sendo ovacionado pelos músicos da orquestra, e o fruto de seu trabalho está nas telas dos cinemas e em nossos CD players exatamente para ser apreciado. Deste modo, uma vez decidido (e até mesmo incumbido pelos editores do TB) de escrever um review de Nemesis, tive o cuidado de ouvir várias vezes ao CD, para fazer uma avaliação justa. Então, serei franco: ao contrário do alardeado pela Varèse Sarabande em sua propaganda (enganosa?), Goldsmith já compôs muitas, mas muitas MESMO, partituras melhores do que esta, e sua obra está repleta de trabalhos mais épicos e agressivos.

A característica maior deste score é parecer, à primeira audição, uma colcha de retalhos feita com elementos de trabalhos anteriores do maestro, baseada na reutilização pouco inspirada de temas dos filmes da franquia para os quais ele já colaborou. Há o agravante de não ter sido criado nenhum tema novo de destaque, fato que não ocorreu nem mesmo no medíocre Jornada nas Estrelas Insurreição. O compositor opta por retratar o vilão Shinzon e seus aliados Remans com sonoridades sombrias e opressivas, fornecidas pela orquestra e sua habitual base de sintetizadores. Nessa linha, a primeira faixa do CD, “Remus”, inicia com a habitual fanfarra originalmente composta por Alexander Courage (em uma interpretação mais intensa) para a Série Clássica, seguida de um motivo de caráter militar, opressivo e ameaçador, mas que dificilmente marcará o ouvinte. Assim como o tema klingon de Jornada – O Filme foi usado anteriormente pelo compositor como o tema de Worf, ele agora utiliza o tema de Jornada nas Estrelas V – A Última Fronteira ouvido pela primeira vez em “The Barrier” (e melhor desenvolvido em “A Busy Man”), como tema do andróide Data e de sua réplica, B4. De fato este tema já havia aparecido, em menor escala, em Primeiro Contato e Insurreição. Aqui em Nemesis ele se faz presente principalmente nas faixas “My Right Arm”, “Repairs” e “A New Friend”. Em “Ideals” temos o que mais se aproxima do tema principal do score, uma atraente e nostálgica melodia para oboé acompanhada por cordas, que mereceria ter constado nos “main titles” e é reprisada em outros pontos da partitura. No entanto, a ausência dessa melodia como tema principal até se justifica pelo fato de que os créditos iniciais do filme correm já em plena ação no planeta Remus.

No geral, toda esta primeira metade da partitura é dominada por música de suspense nos moldes do que o maestro vem compondo nos últimos tempos (isso inclui até mesmo o glissando de trombone de The Edge na faixa “Repairs”). As coisas começam a ficar mais movimentadas em “The Mirror”, que inicia no padrão “suspense morno” mas logo segue para uma variação mais agitada do tema de A Última Fronteira, onde pelo menos as cordas mais agitadas, percussão, metais e até mesmo xilophone quebram o marasmo. Em segmentos desta faixa é em “Odds and Ends” há ecos do trabalho de Goldsmith em “Instinto Selvagem”, obra que influenciou vários de seus trabalhos posteriores e ao qual o compositor freqüentemente retorna em busca de inspiração.

Considerada por muitos o ponto alto do score, “The Scorpion” lembra-me em seu início uma de suas mais estimadas trilhas de ação dos anos 90, “Total Recall”, com uma percussão rítmica e base de sintetizadores idem. A orquestra fornece uma interpretação vigorosa, e ao final o conhecido tema de Jornada – O Filme faz uma rara (e eficaz) aparição fora dos “End Titles”, o que ajuda a concluir a faixa de modo positivo. No início de “Lateral Run” voltamos às texturas sombrias e de ameaça criadas pela orquestra e sintetizadores, que algum tempo depois se metamorfoseia em agressivo material de ação. Indiscutivelmente interessante, mas um tanto burocrático e longe de ser “apocalíptico”, como descrito nas notas do CD. “Final Flight” é a composição de maior apelo dramático presente no CD, sendo até mesmo um tanto diferente do atual padrão do compositor. Nela há trechos do que acredito ser uma espécie de tema alternativo para a nave Enterprise, quando de sua última jornada (no momento em que escrevo ainda não assisti ao filme e tenho evitado spoilers, mas pelo jeito Picard desta vez vai mesmo conseguir destruir a Enterprise-E!), e que infelizmente não é ouvido em outras faixas do álbum.

Em “A New Friend” o tema de Data volta em um estilo mais emocional, com um bom uso de sintetizadores, piano e violinos. A trilha conclui com “A New Ending”, onde após ouvirmos trechos de “Blue Skies”, de Irving Berlin, temos a fanfarra de Alexander Courage e o tema de Goldsmith para O Filme em versões mais lentas e, porque não dizer, épicas. Após, volta o motivo ouvido primeiramente em “Ideals”, tendo o oboé, desta vez, um maior acompanhamento da orquestra, e que por ser uma melodia triste resulta em um encerramento pouco memorável para a partitura.

De uma maneira abrangente, procurei destacar a essência da música de Nemesis como ouvida no CD. Indiscutivelmente não é a maravilha apregoada pela gravadora e nem chega perto da antológica trilha do primeiro filme de Jornada e nem de Jornada V. Por outro lado, é superior a Insurreição, que apesar de possuir um tema mais destacado, é muito fraca no conjunto. Além do que, a música de Nemesis parece melhorar a cada nova audição, onde notamos algumas sutilezas de Goldsmith que haviam passado despercebidas inicialmente. Também resta um ponto a considerarmos quando se trata de trilhas sonoras de um modo geral – a utilização no filme, que aliás é a sua função básica. Não é fácil de admitir, mas há casos em que a música não empolga se ouvida separadamente, porém no filme é extremamente funcional. Ou seja, Nemesis é o tipo de trilha cuja avaliação correta e definitiva somente pode ser obtida após sua audição atenta em CD e no filme. A propósito, o fato do disco ter sido lançado com tanta antecedência nos EUA é singular, principalmente porque se sabe que houve mudanças na edição do filme, cortes de cenas, etc. Além de provavelmente haver músicas no filme ausentes do CD, poderá ocorrer que faixas dele estejam ausentes na montagem final. No mais, creio que com este trabalho Goldsmith despede-se de Jornada nas Estrelas nos deixando com saudades de outras partituras suas, estas sim indiscutivelmente memoráveis e excelentes, tanto em CD como no filme.

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