Dois grandes nomes nos bastidores das duas primeiras temporadas de A Nova Geração deram entrevistas à revista “Star Trek: The Magazine” relembrando os velhos tempos, enquanto trabalhavam na série. São eles Rob Bowman, diretor que acabou como diretor e produtor em “Arquivo-X” e o escritor Tracy Torme, filho de Mel Torme e criador de “Sliders”.
Bowman, que tem na bagagem episódios clássicos das primeiras temporadas, como “Where No One Has Gone Before”, “The Battle”, “Datalore”, “Heart of Glory”, “Elementary, Dear Data”, “A Matter of Honor” e “Q Who?”, nunca poderia imaginar que ficaria conhecido no estúdio como o “rapaz da pizza”.
“Eu fui ao trailer de Jornada e conheci Bob Justman, que, como você sabe, produziu a série anterior, e ele estava surpreso com a minha idade –na época eu tinha 26”, relembra o diretor. “Mas ele disse, ‘bem, de toda forma, eu gosto de como você filme e estaríamos interessados em ter você fazendo Jornada nas Estrelas’. Eu estava lá com o Bob quando o Rick Berman enfiou sua cabeça pela porta e olhou para mim e disse, ‘Pizza?’ Eu disse, ‘Desculpe-me?’ e ele disse, ‘Nós pedimos pizza; você é o rapaz da pizza?’ e eu disse, ‘Não, eu sou Rob Bowman. Eu sou seu próximo diretor, espero!'”
A vaga de Bowman estava garantida. O diretor impressionou principalmente o criador da nova série, Gene Roddenberry.
“Gene estava por lá um bocado. Depois de dois ou três dias de filmagem ele até veio ao set e me disse que ele gostou muito do material que eu estava filmando. O diretor de fotografia na época disse para mim, ‘Sabe, ele nunca faz isso. Você deveria se sentir muito feliz.’ Eu me senti incrível! Todos os roteiros que eu dirigi eu tinha uma reunião com Gene, e era uma honra trabalhar com ele. Eu tive sorte de estar por perto antes de ele falecer.”
O carinho é o mesmo por Rick Berman, o atual gerenciador do franchise. “Rick foi muito, muito bom para mim do começo até meu último episódio, e eu tenho por ele muita gratidão.”
Embora Jornada tradicionalmente fosse controlada por escritores e produtores, Bowman disse ter tido muita liberdade naquela época. “Eu estava muito entusiasmado e queria ser parte integrante da série e pareceu que Rick Berman me deu um pouco mais de latitude do que a um diretor típico”, diz. “Mas acho que eu me dei muito, muito bem, e Rick me protegeu e me deu muitas oportunidades para experimentar coisas e filmar a série de modos diferentes, e tentar mover a luz por lá, o que nem sempre deu certo! Mas eu senti como se minha voz importasse; eu senti que quando eu falava eu era ouvido, e que eu era parte da solução dos problemas das filmagens diárias.”
Bowman tem uma mancha em seu currículo: o infame “Shades of Grey”, episódio final do segundo ano que envolveu os problemas com uma greve de roteiristas e com um estouro no orçamento da série. O episódio tinha mais cenas recicladas do que material novo. Bowman já antecipava uma catástrofe, mas fez por uma boa causa.
“Rick Berman me ligou e disse, ‘Ei, temos esse episódio; é o último da temporada e queremos economizar dinheiro porque estouramos em episódios anteriores. São dois dias de preparação e dois –ou três– de filmagem.’ Eu pensei, ‘Oh meu Deus, vai ficar simplesmente horrível’, mas ele disse, ‘Olhe, eu vou pagar um cheque completo para você fazer esse episódio!’ Eu estava atravessando um divórcio na época e não ia dizer não ao dinheiro, além de ter a chance de voltar a sair com meus amigos. Eu olhei para ele como uma oportunidade; ‘Quantos modos eu posso descobrir de filmar Jonathan deitado em uma mesa tendo um pesadelo?'”
Após dirigir cinco episódio do primeiro ano e sete do segundo, Bowman deixou a série para voltar uma vez na quarta temporada.
“Havia muitas novas séries de TV audaciosas lá fora na época –‘Miami Vice’, ‘Crime Story’– e eu estava fazendo Jornada, que algumas pessoas pensavam que era meio esgotada e simples. Mas não era; era altamente imaginativa e criativa, e os produtores-executivos eram muito acessíveis. Eu pensei, ‘Sou parte da história aqui; por que eu não gostaria de fazê-lo? Eu não quero ir fazer tiras e advogados.’ Mas quando eu contratei um novo empresário ele disse, ‘Eu não quero mais você fazendo Jornada nas Estrelas.'”
Bowman diz que se arrepende não ter ficado mais com o franchise. “Eu senti falta, e eu voltei e dirigi ‘Brothers’, que eu achei que era um maravilhoso roteiro de Rick Berman, mas naquele ponto era tempo de seguir em frente. Meu agente realmente estava me pressionando, e eu acho que isso meio que deixou a eles e a mim amargurados com a coisa toda. Mas no fim acho que ele estava errado. Eu acho que eu teria sido melhor servido se tivesse ficado, porque eu gostava da série. Eu gostava da equipe, eu gostava do elenco. Eu amava os estúdios da Paramount, e eu lamento não ter estado mais tempo lá. Eu fui parte de algo que é muito especial.”
Se tem algo que Bowman tem em comum com o escritor Tracy Torme em sua experiência com Jornada é a apreciação por Gene Roddenberry. Quando entrou para a equipe de roteiristas, no início da série, Torme conseguiu um acordo com o criador para não participar das reuniões dos roteiristas ou rescrever roteiros. Ele só trabalhava sozinho e tinha um compromisso de escrever três roteiros por temporada.
E ele não queria escrever qualquer coisa. “Na minha mente, durante o primeiro ano, um dos problemas com a série foi que ela jogou muito com a segurança e foi tímida no que estava fazendo. Havia um tipo de visão geral conservadora –‘Melhor não a fazermos muito engraçada ou estranha porque isso pode afastar as pessoas’. Esse conservadorismo foi carregado para a segunda temporada. Eu definitivamente tinha a noção de que eu queria sacodir o barco. Eu sentia que não era algo desleal o que eu queria fazer, porque a maioria dos episódios estavam sendo bolas rápidas baixas no centro. Eu pensei que se eu atirasse umas bolas de curva, eu estaria fazendo um serviço à série. Isso não era o que a série seria toda semana, então por que não fazer algo que era um pouco diferente?”
Na primeira temporada, seus três roteiros foram “Haven”, o campeão “The Big Goodbye” e o controverso “Conspiracy” (que foi rejeitado pelo líder da equipe de roteiristas Maurice Hurley, mas Torme conseguiu usar sua relação próxima com Roddenberry para fazê-lo ser filmado).
Quando começou a segunda temporada, os produtores decidiram mudar o personagem da médica para introduzir mais conflito entre os personagens. Torme tinha suas próprias idéias sobre a mudança: “Eu fiz uma forte sugestão para uma raça de alienígenas que é conhecida pela honestidade absoluta todo o tempo. Para eles, contar até uma mentirinha é tão ruim quanto contar uma mentira monstruosamente grande. Eu achei que seria interessante ter um médico que sempre vai dizer a verdade sobre seu status como paciente e sobre o que eles pensam de você. Eu defendi isso porque pensei, ‘Não vamos simplesmente trazer outro médico humano. Vamos fazer algo que, só por sua natureza, irá causar alguma controvérsia e conflito.’ Eu realmente senti que teria sido uma coisa ótima se eles fizessem mas a idéia não teve nenhuma receptividade e nunca foi seriamente considerada.”
Seu primeiro roteiro durante a segunda temporada deveria ter sido um episódio com Spock, mas ele foi arquivado quando eles não puderam contratar Leonard Nimoy (o que acabou acontecendo no quinto ano, com outra história).
“Eu ia escrever o episódio do Spock. Isso teria sido algo que eu realmente teria gostado; seria divertido fazer a ponte entre as duas séries. Eu até escrevi o que eu acho que teria sido uma história incrível, mas, por alguma razão, ela caiu de lado e eu a afastei. Ia voltar ao Guardião da Eternidade.”
Em vez disso, seu primeiro roteiro do segundo ano foi “The Schizoid Mand”. Algumas mudanças ao roteiro foram feitas por Hurley, incluindo a remoção de uma cena em que Data é careca como Picard (no começo do episódio, Data acaba com uma barba como a de Riker), mas Torme ficou basicamente satisfeito. As mudanças feitas em “The Schizoid Man”, entretanto, eram um prelúdio para o que viria depois, gerando muito conflito entre ele e Hurley.
Seu episódio seguinte era “The Royale”. Seu roteiro era bem diferente da versão final filmada; em sua história o hotel era baseado nas memórias de um astronauta moribundo (e não em um livro) e o astronauta aparece como um personagem. Muitas mudanças foram feitas no roteiro, a última delas tendo sido a remoção do astronauta, o que revoltou Torme a ponto de tirar seu nome e usar um pseudônimo.
“Eu realmente achei que ia funcionar. Eu me lembro de pensar, ‘Esse vai ser um episódio de torcer a mente’. Eu adorei seu surrealismo. Eles fizeram uma grande diretriz na época –‘Não queremos grandes papéis convidados. Queremos nos concentrar em nossos personagens’. Então o astronauta se tornou um esqueleto e tudo sobre ele na história tinha sumido. Essa foi a maior coisa com que tive problema nas rescritas; ele era o coração da história para mim. Peça por peça, quando via essas rescritas no roteiro, eu só pensava, ‘Oh meu Deus’, porque era tão diferente. Foi aí que ‘Keith Mills’ surgiu. Eu achei muito doloroso. Eu não acho que tenha visto todo o episódio, porque eu não acho que poderia ter terminado de ver.”
Seu roteiro final foi “Manhunt”. Novamente, houve grandes mudanças no roteiro, principalmente nas cenas de Dixon Hill, e de novo ele usou um pseudônimo. Após sua experiência com “The Royale”, ele nem se dedicou muito a “Manhunt” e nunca viu o episódio.
“Eu realmente não me atirei de corpo e alma nele. Eu tinha de fazê-lo porque estava sob contrato. Eu sabia que essa coisa não seria feita do jeito que queria, então euu basicamente não me apeguei a ele como eu fiz com ‘The Royale’. Eu usei um pseudônimo diferente como um outro protesto. É interessante, porque no Sindicado dos Escritores você pode ter dois pseudônimos e então eles estão com você pelo resto da sua vida. Essas são os únicos roteiros que ‘Terry Devereaux’ e ‘Keith Mills’ escreveram antes de sumirem da face da Terra!”
No fim da segunda temporada, Maurice Hurley saiu da série, e Berman pediu a Torme para voltar, mas ele decidiu que era hora de partir. Olhando para trás ele tem boas recordações. “Eu me diverti. Tive uma bela experiência lá.”
Ele tem elogios para distribuir a Rick Berman. “Ele tem uma incrível capacidade de manter tudo nos eixos e ele teve um papel central em conduzir a série por alguns tempos difíceis.”
Mas a pessoa que mais impactou Torme foi Roddenberry. “Minha relação com Roddenberry teve um grande efeito em mim e mudou o curso da minha carreira em muitos modos. Ele tinha muita afeição por mim e realmente me colocou sob sua asa. Muito cedo ele me disse que sentia que eu estaria criando minha própria série algum dia, e ele me mostrou os benefícios de fazer isso. Isso realmente despertou meu interesse em criar meu próprio programa, o que eu não acredito que eu teria feito se não fosse por isso. Devo muito a ele.”
Depois de deixar Jornada, Torme tornou-se co-criador de “Sliders” e foi produtor-executivo da série pelas duas primeiras temporadas.
Fonte: TrekWeb