Reinaldo José Lopes
do Valinor.com.br, exclusivo para o TB
Bem, não custa deixar claro com quem vocês estão falando: sou um grande fã da obra literária de Tolkien, li “O Senhor dos Anéis” cinco vezes, tenho todos os livros do sujeito. Ao contrário do que o Maffia disse, não acho que Peter Jackson tenha pensado só nos fãs – pelo contrário, algumas adaptações são bem irritantes –mas o efeito geral é inegável: um filme apaixonado, verdadeiro, adulto, sobre coisas fundamentais, belas e terríveis, cheio do espírito (e muitas vezes da letra) da obra tolkieniana.
A trama começa com um prólogo, narrado pela nobre élfica Galadriel (sim, voz de Cate Blanchett). Vemos a forja dos Anéis do Poder e do Um Anel que domina todos eles, feito pelo Senhor do Escuro, Sauron. Elfos e homens se unem contra ele numa cena de batalha gigantesca e vertiginosa (tirada de “O Silmarillion”), e o príncipe humano Isildur consegue derrotá-lo – mas também sucumbe ao poder do Um Anel, que chega por um golpe de sorte às mãos do hobbit Bilbo Bolseiro (Ian Holm).
A história já começa a decolar a partir daí, com a encantadora ambientação do Condado e os diálogos inspirados (muitos deles idênticos ao livro) entre Bilbo, o mago Gandalf (Ian McKellen, deitando e rolando no papel) e Frodo (Elijah Wood). A corrupção do Anel deita raízes até nesse lugar idílico, e a sensação de uma sombra de medo pairando sobre os personagens nunca mais desaparece.
Frodo, a quem o Anel é confiado, chega à cidade élfica de Valfenda, onde um conselho de todos os povos livres da Terra-média se reúne para debater a ameaça de Sauron, que havia retornado e buscava incessantemente pelo Anel. O Conselho é excepcional por apresentar de forma convincente a personalidade de cada um dos companheiros de Frodo, em especial o do atormentado nobre humano Boromir (Sean Bean, perfeito no papel). A decisão do Conselho é destruir o Anel: ele e Sauron estão ligados de forma indissolúvel, e enquanto um existir o outro também permanecerá vivo. Para isso, nove companheiros de todos os povos livres, incluindo Frodo como Portador do Anel, partem de Valfenda.
Daí por diante o filme só cresce, enquanto os companheiros precisam enfrentar horrores inimagináveis enquanto marcham para a Montanha da Perdição, um vulcão no território de Sauron onde o Anel foi forjado e único lugar onde ele pode ser destruído. A seqüência das minas de Moria é o grande destaque, seja pelo combate frenético e emocionante entre os companheiros e os servos de Sauron, pelo cenário majestoso ou pelas interpretações de cada ator –só tendo um coração de pedra para não partilhar com eles a amizade, a dor ou a sensação de perda.
E os defeitos? Bem, em alguns momentos o filme cede à pirotecnia, tornano as escapadas por um fio mais desesperadas e os perigos mais terríveis que o necessário. Cate Blanchett, quando finalmente dá as caras, parece perdida no papel, além de protagonizar a única cena em que os efeitos especiais são constrangedores em vez de maravilhosos. Christopher Lee, que faz o mago renegado Saruman, às vezes parece achar que é um vilão de melodrama. E, claro, para quem não conhece os livros, o final “cliffhanger” (mas nem tanto) pode ser um pouco irritante, mas é assim que deve ser.
É o melhor filme do ano? É o melhor dos últimos anos, com certeza, e deixa QUALQUER episódio de Guerra nas Estrelas no chinelo. Vai mudar a história do cinema? Certamente não. Vale a pena ser visto? Dezenas e dezenas de vezes.
Reinaldo José Lopes é jornalista da Folha de S.Paulo e editor do Valinor